sábado, setembro 10, 2016

Os emigrantes ucranianos no Brasil em 1948: a fuga do “paraíso socialista”

No dia 30 de setembro de 1948, o navio americano General Black trouxe ao Brasil os deslocados da guerra, provenientes dos campos da UNRRA na Áustria e na Alemanha. Eram 824 pessoas, entre eles 175 ucranianos, procurando se salvar do “paraíso socialista”.
Todos os refugiados daquele navio (370 homens, 257 mulheres e 197 crianças), independentemente da sua nacionalidade ou origem, fugindo dos horrores do comunismo soviético, escolhiam os países que os queriam receber, mas sempre na preferência para ficar bem longe da União Soviética.
O vídeo que se segue retrata um pouco da história destes ucranianos, os seus costumes, religiosidade, cultura e as crenças.
A vinda destes refugiados teve a sua repercussão na imprensa brasileira da época, por exemplo, na sua edição de 16 de dezembro de 1948, um dos maiores diários brasileiros da época, o Diário da Noite (№ 04832) dedica um artigo aos novos emigrantes, destacando a sua boa saúde, o nível académico elevado e a vontade de trabalhar no seu novo país de acolhimento.
Mas muito antes do desembarque definitivo dos novos emigrantes, uma outra notícia chama a atenção aos repórteres brasileiros.
Entre os refugiados da verdade, foi encontrado um agente do NKVD, Jurij Golowachiow (na grafia dos seus documentos) que durante a viagem foi preso no xadrez do bordo e depois colocado à disposição das autoridades brasileiras. Ele foi apontado por um dos emigrantes russos (?), Michael (Mikhaylo / Mikhail ?) Dragoslay, que reconheceu Golowachiow como tenente do NKVD que conheceu na Áustria em 1946 no campo de refugiados de Salsburgo, onde este falsificava as assinaturas de vários refugiados, dando-os como candidatos à volta ao “paraíso soviético”. Após ser descoberto (a falsificar as assinaturas), Golowachiow foi quase linchado, desaparecendo, por completo do campo. E reaparecendo de novo, já à bordo do navio à caminho do Brasil. Após a denúncia do enginheiro Dragoslay, o agente do NKVD foi detido, mesmo pela sua própria segurança, até a chegada ao Brasil, onde as autoridades emigratórias se recusaram à recebe-lo no país. Desta feita, Golowachiow voltaria à Europa (cidade alemã de Bremerhaven) à bordo do mesmo navio, onde seria interrogado e investigado pelas autoridades anglo-americanas.
O artigo sobre o caso foi publicado no mesmo “Diário da Noite” na sua edição do 1 de outubro de 1948 № 04768 (na página 1 e a continuação na página 6).
Mas estória do tenente Golowachiow foi tão cativante, que também foi relatada no diário “A Ordem” (Rio Grande do Sul) na sua edição de 1 de outubro de 1948 (№ 3823).

Como escreve o nosso amigo Rubens Bulad (à quem queremos agradecer pelo trabalho absolutamente excepcional na pesquisa do material do arquivo usado neste artigo): Sobre o agente do NKVD, que esteve num campo de refugiados em Salzburgo na Austria, falsificando assinaturas para enviar todos de volta a URSS. Os meus avós paternos também estiveram neste campo, onde tomaram algumas vacinas... Se esse agente maldito tivesse tido sucesso em sua empreitada, talvez nem eu estivesse vivo hoje”.
O certificado de vacinas emitido pelas autoridades austríacas
É interessante notar que à sua chegada ao Brasil, o avô do Rubens, ucraniano Mytrofan Bulat (sobrenome que significa um determinado tipo de aço que deu o nome ao principal blindado ucraniano T-64BM Bulat), se transformou em Bulad. Pensamos que devido ao simples erro do funcionário de migração, que apontou o nome assim como ouviu e não como, seguramente, estava escrito em alguns documentos passados pela UNRRA.
A ficha do emigrante emitida pelas autoridades brasileiras
No final, o nosso blogue gostaria de agradecer ao Brasil por receber estes ucranianos. Mesmo que agradecimento seja feito 68 anos após os acontecimentos e muito provavelmente, nenhum dos protagonistas diretos está vivo para os ouvir. Brasil deu uma nova casa aos ucranianos e os ucranianos contribuíram em pleno, dando o melhor do seu labor, físico e intelectual, em prol da sua nova pátria. É verdade que não eram muitos, chegaram apenas 175 pessoas naquele dia 30 de setembro de 1948. Seguramente vieram outros nas outras viagens dos navios da UNRRA. Mas qualquer ucraniano levado à salvo para longe dos capangas de Estaline era mais um ucraniano livre do GULAG e da morte. Era mais um cidadão que podia viver e trabalhar no mundo imperfeito do capitalismo brasileiro, tão longe e tão seguro das maravilhas dos “socialismo científico soviético”...

Bónus

Com a permissão e aprovação do nosso amigo, o realizador brasileiro Guto Pasko, queremos também apresentar o documentário “Sim, também somos ucranianos” (72´19´´), dedicado aos 120 anos da emigração ucraniana no Brasil, comemorada há 5 anos.

A imigração ucraniana para o Brasil teve início no ano de 1891, com a chegada ao Estado do Paraná de oito famílias de imigrantes provenientes da cidade de Zolotiv, Província de Lviv, região oeste da Ucrânia. Na sequência, aconteceram mais três grandes levas de imigração para o país. 120 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes, um grupo de 186 brasileiros, a maioria descendentes destes imigrantes ucranianos, retorna ao país de origem de seus antepassados para comemorar esta data simbólica, que coincidiu com as comemorações dos 20 anos de Independência da Ucrânia. No encontro com a Ucrânia de hoje, muita alegria, emoção e surpresas. Uma verdadeira imersão histórico-cultural no quotidiano desse país e seu povo, que apesar de sempre ter sido subjugado, jamais abandonou suas crenças e tradições.
E esta identidade ucraniana é arduamente mantida até hoje pelos descendentes que vivem no Brasil, que têm muito orgulho em dizer: “Sim, também somos ucranianos!

3 comentários:

Unknown disse...

Minha avó estava nesse navio, na época tinha 18 anos se não me engano, e está viva e morando comigo no interior do Paraná!!

Unknown disse...

Também sou descendente de ucraniano, meus avós moravam no interior do Paraná, família storotz e prechelak,que emoção vendo o relatar dessa história.

Rubens Bulad disse...

Meu avô, Mytrofan (54 anos), veio ao Brasil junto com a esposa dele, minha avó Mahdalena (39 anos), e os filhos deles: Hryhoryj (15 anos, que aqui no Brasil se tornou "Grygory"), Svetlana, 9 anos, e Volodymyr (meu pai, 2 anos, que aqui no Brasil se tornou "Ademar" e foi registrado como Brasileiro nascido aqui, embora tenha nascido no campo de refugiados da UNRRA). Descobri recentemente alguma documentação deles no site "collections.arolsen-archives", coloque "Bulad" na busca.
Minha avó Mahdalena faleceu nos anos 1950. Meu avô Mytrofan em 1969. Tia Svetlana em 1999, e meu pai, Ademar, em 2003. Recentemente, em 10 de outubro de 2022, faleceu o tio Grygory, o último remanescente dos cinco imigrantes.