terça-feira, setembro 06, 2016

O diplomata sueco Raoul Wallenberg foi “liquidado” pelo NKVD em Moscovo

Segundo o diário secreto do primeiro chefe do KGB, general Ivan Serov, publicado em 2016, o diplomata e humanista sueco, Raoul Wallenberg, conhecido pelo seu papel na salvação de milhares de judeus húngaros, foi assassinado numa cadeia moscovita em 1947, após a sua prisão ilegal em Budapeste pelas autoridades soviéticas.
A neta do general, Vera Serova que descobriu e publicou os diários
O diário do Serov, que chefiou o KGB entre 1954 e 1958 foi achado quatro anos atrás pela sua neta Vera Serova, que herdou a dacha do general e começou fazer as obras no imóvel. Os diários estavam escondidos num compartimento secreto do edifício. O secretismo explica-se pelo facto do que em 1963, na sequência do descobrimento no seio do GRU do agente ocidental Oleg Penkovsky, Serov foi expulso do GRU e do partido, rebaixado 3 degraus na hierarquia militar soviética. Em fevereiro de 1971, o chefe do KGB, Yuri Andropov enviou ao Comité Central do PCUS a nota com mais alto nível de secretismo, informando que o ex-general Serov “durante os últimos 2 anos está ocupado à escrever as memórias sobre as suas atividades políticas e públicas” (fonte).
Uma das últimas fotos do Ivan Serov, Moscovo, 1989
De acordo com a informação do Serov, o diplomata sueco foi assassinado em Moscovo pela ordem direta do Estaline e Molotov. “Não tenho dúvidas que Wallenberg foi liquidado em 1947”, a frase do general Serov é citada pelo jornal The New York Times. O diário do general também menciona alguns documentos anteriormente desconhecidos, sobre o Wallenberg, nomeadamente a informação sobre a cremação do seu corpo.

As memórias do Serov, que morreu do ataque cardíaco em 1999, aos 84 anos foram publicados em 2016 na Rússia sob o título: “Ivan Serov. Notas de uma mala. Os diários secretos do primeiro chefe do KGB, encontrados 25 anos após a sua morte”. Os diários são reunidos num único volume que contém 688 páginas.
A capa da edição russa das memórias do general Serov
Wallenberg, que no final da II G.M. ocupava o cargo de Primeiro Secretário da Embaixada da Suécia em Budapeste salvou do Holocausto nazi milhares de judeus, emitindo lhes os passaportes suecos. Sabe-se que após a ocupação do Budapeste pelas tropas soviéticas, Wallenberg foi preso pelo NKVD sob suspeita de espionagem e enviado para Moscovo, onde foi mantido na famigerada prisão de Lubyanka. Wallenberg nunca mais voltou da URSS. Os dados precisos sobre a sua prisão e as circunstâncias da sua morte são desconhecidas até agora.

Alexandra M. Kollontai, a embaixadora soviética na Suécia, inicialmente disse a mãe de Wallenberg que o diplomata estava sob custódia soviética, mas voltou atrás na sua própria palavra quando o Kremlin anunciou oficialmente que nada sabia sobre o caso. Na década de 1950, quando Moscovo começou a libertar os prisioneiros de guerra alemães, alguns relataram que conheceram um prisioneiro VIP. Alguns o chamavam de “misterioso”; outros sabiam o seu nome. Suécia novamente começou fazer perguntas insistentes, e Kremlin, na tentativa de efetuar a operação de charme divulgou um relatório em 1957. Segundo este documento, um relatório médico soviético indicava que Wallenberg, de 34 anos, morreu de um ataque cardíaco na prisão moscovita em julho de 1947 – uma tentativa soviética de encobrir a verdade.
Uma das últimas imagens do Raoul Wallenberg, Budapeste, 1945
As memórias do Serov também mencionam o relatório sobre a cremação de Wallenberg e outro documento, citando Viktor Abakumov que precedeu Serov como chefe de segurança do Estado, mas que foi julgado e executado em 1954 nos últimos expurgos estalinistas. Abakumov, aparentemente, revelou durante o seu interrogatório que a ordem de “liquidar” Wallenberg veio do Estaline e Vyacheslav Molotov, o ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS.

Como explica Nikita Petrov, um historiador da organização russa “Memorial”, especializado na era estalinista e na figura do próprio Serov, a palavra “assassinado” nunca aparece em nenhum dos documentos oficiais soviéticos. “Eles não usam essa palavra”, disse Petrov. “Eles disseram que parece que ele [Wallenberg] foi morto, mas não sabemos nada sobre isso, não temos quaisquer documentos. No diário de Serov, você pode encontrar esta palavra como um facto consumado”.

Em meia dúzia de páginas dedicadas ao caso Wallenberg – um pouco esboçadas e escritas em linguagem burocrática seca, Serov disse que Nikita Khrushchev, o sucessor do Estaline na liderança soviética pediu-lhe para investigar o caso para poder responder a Suécia e ajudar à expurgar Molotov. Serov escreveu que em última análise, ele não conseguiu descobrir todas as circunstâncias da morte de Wallenberg e não encontrou nenhuma evidência de que ele tinha sido um espião.

O documento mais importante que nunca foi divulgado publicamente é uma carta de Abakumov ao Molotov datada de 17 de julho de 1947, que os investigadores acreditam contém os detalhes da morte de Wallenberg. No material de arquivo que foi divulgado, os investigadores encontraram uma nota rabiscada no canto inferior de uma outra carta dizendo que “Ab” (Abakumov), escreveu uma carta pessoal ao Molotov, até com o número da referência de tal documento. A carta № 3044/a foi listada no registo de cartas emitidas pelo KGB, mostrando que essa foi despachada em 17 de julho e indicando que se tratava de Wallenberg. Um memorando diferente disse que tinha sido recebido. Mas a carta real nunca foi encontrada. “A explicação russa para isso é que a carta era pessoal e particularmente sensível no conteúdo”, disse o relatório conjunto da comissão russa-sueca do ano 2000.

Marie Dupuy, a sobrinha de Wallenberg e herdeira do esforço contínuo do clã para desenterrar a verdade, disse que ela gostaria de ver os diários originais e pedir ao FSB, a sucessora do KGB, os documentos mencionados pelo Serov. Em 2015, os historiadores com longa experiência sobre o caso organizaram a Iniciativa de Pesquisa Raoul Wallenberg, uma renovada, tentativa internacional de fazer a busca pormenorizada nos arquivos, compilando uma lista de 33 páginas de perguntas ao governo russo. A assessoria de imprensa do FSB não respondeu se iria conceder acesso aos documentos, mencionados pelo Serov, nem tão pouco se iria cooperar com a nova investigação.
O crachá № 002 do tenente-general Ivan Serov que confirma a sua pertença ao Ministério do Interior soviético
Provavelmente, a atitude russa subjacente foi sucintamente resumida por Khrushchov, citado pelo próprio Serov, após ser informado sobre o caso: “Esses canalhas”, ele latiu, se referindo ao Estaline e ao seu círculo, “prepararam essa papa podre e nós temos que engolir a merd@”.

Nota

Usando o seu estatuto diplomático, Raoul Wallenberg emitia aos judeus húngaros os “passaportes de proteção”, que conferiam aos seus detentores o estatuto de cidadãos suecos à aguardar pelo repatriamento. Wallenberg também convenceu alguns generais alemães não seguir as ordens de Hitler de deportação de judeus para os campos de extermínio, ameaçando-os com a punição pelos crimes de guerra, e, assim, impedindo a liquidação do gueto de Budapeste nos últimos dias antes da chegada do RKKA. No total, Wallenberg conseguiu salvar pelo menos 100.000 judeus húngaros. Note-se que dos cerca de 800.000 judeus que vivem na Hungria antes da II G.M., apenas 204.000 sobreviveram o Holocausto nazi.

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