As
autoridades americanas dizem que o Julian Assange e WikiLeaks provavelmente não
possuem as ligações diretas com os serviços russos de inteligência. Mas as
agendas de WikiLeaks e do Kremlin, muitas vezes, são articuladas.
por:
Jo Becker, Steven Erlanger e Eric Schmittaug, NYT
(versão curta em português @Ucrânia em África)
Julian
Assange, editor do WikiLeaks, ganhou a fama mundial em 2010 quando publicou enormes
arquivos de comunicações do governo americano altamente classificados que
expuseram os segredos de suas guerras no Afeganistão e no Iraque e as suas
manobras diplomáticas às vezes cínicas ao redor do mundo. Mas em uma entrevista
na televisão em setembro passado, ficou claro que ele ainda tinha muito a dizer
sobre “O Mundo Segundo Império dos EUA”, o subtítulo de seu livro mais recente,
“Os ficheiros WikiLeaks”.
À
partir dos limites apertados da embaixada do Equador em Londres, onde lhe foi
concedido asilo há quatro anos em meio, o Sr. Assange oferece uma visão da
América como superbully: uma nação que tem alcançado poder imperial,
proclamando lealdade aos princípios dos direitos humanos quando implanta de seu
aparato militar e de inteligência em para obrigar os países à fazer o seu
lance, e pune pessoas como ele que ousam falar a verdade.
Notavelmente
ausente da análise do Sr. Assange, no entanto, foi a crítica de outra potência
mundial, a Rússia, ou seu presidente, Vladimir Putin, que dificilmente vive de
acordo com o ideal de transparência da WikiLeaks. O governo de Putin reprimiu
duramente os dissidentes – os espionando, os prendendo, às vezes assassinando
os opositores, ao consolidar o controlo sobre os meios de comunicação social e
a Internet. Se o Sr. Assange aprecia a ironia do momento em denunciando a
censura em entrevista na Russia Today, o canal de propaganda controlado pelo
Kremlin – isso não é facilmente perceptível.
Agora,
o Sr. Assange e WikiLeaks estão de volta no centro das atenções, agitando a
paisagem geopolítica com novas divulgações e uma promessa de mais para vir.
Em
julho de 2016, a organização publicou cerca de 20.000 e-mails do Comitê
Nacional Democrata, sugerindo que o partido tinha conspirado com a campanha de
Hillary Clinton para minar o seu principal oponente, o senador Bernie Sanders.
Assange que tem sido abertamente crítico de Hillary – prometeu mais revelações
que poderiam abalar (upend) a sua campanha contra o candidato republicano,
Donald J. Trump. Separadamente, o WikiLeaks anunciou que iria revelar em breve
algumas das jóias da coroa da inteligência norte-americana: um conjunto “primitivo”
dos códigos de ciberespionagem.
Os
funcionários dos Estados Unidos dizem acreditar que existe um alto grau de
confiança de que o material do Partido Democrata foi copiado ilegalmente pelo
governo russo, e suspeitam que os códigos podem ter sido roubados pelos russos
também. Isso levanta uma questão: será que WikiLeaks se tornou a máquina de
lavagem de material comprometedor obtido pelos espiões russos? E, mais
amplamente, qual exatamente é a relação entre Assange e Kremlin de Putin?
Estas
questões colocam mais no lugar de destaque a posição proeminente da Rússia na
campanha presidencial norte-americana. Putin, em confronto repetido com Hillary
Clinton quando ela era secretária de Estado, elogiou publicamente o Sr. Trump,
que devolveu o elogio, apelando aos laços mais estreitos com a Rússia e fala
favoravelmente de anexação da Crimeia pelo Putin.
No
início do WikiLeaks, Assange disse que ele era motivado por um desejo de
utilização da “criptografia para proteger os direitos humanos”, e se
concentrará em governos autoritários como Rússia.
Mas
a verificação da The New York Times de actividades de WikiLeaks durante os anos
do exílio do Sr. Assange encontrou um padrão diferente: seja por convicção,
conveniência ou coincidência, WikiLeaks libera documentos, juntamente com as
muitas das declarações do Sr. Assange, muitas vezes beneficiado Rússia, às
custas do Ocidente.
Entre
os funcionários dos Estados Unidos, reina o consenso do que o Sr. Assange e
WikiLeaks provavelmente não possuem as ligações diretas com os serviços russos de
inteligência. Mas eles dizem que, pelo menos no caso de e-mails dos democratas,
Moscovo sabia que tinha um escoamento favorável em WikiLeaks, onde
intermediários poderiam deixar os documentos furtados na caixa de entrada
digital anónima do grupo.
Em
uma entrevista em 24/08/2016 com o The Times, Assange disse a senhora Clinton e
os democratas levantam “uma histéria neo-macartista sobre a Rússia”. Não há “nenhuma
evidência concreta”, disse ele, do que a informação publicada pela WikiLeaks
vêm de agências de inteligência, embora indicou que ficaria feliz em aceitar
tal material [de tais fontes].
Além
disso, Assange explica o seu aparente desinteresse em focar na Rússia pelas
questões de “recursos limitados da WikiLeaks e dos obstáculos de tradução”, por
considerar que a Rússia é um “pequeno jogador no cenário mundial”, em
comparação com países como a China e os Estados Unidos. Em todo o caso, como
disse ele, “a corrupção do Kremlin é uma velha história”. [...]
Eventos
recentes, no entanto, deixaram alguns defensores da transparência se
perguntando se WikiLeaks perdeu o seu caminho. Há uma grande diferença entre
publicar os materiais de um delator como o/a Chelsea Manning – o/a soldado que
entregou ao WikiLeaks o arquivo de informações militares e os telegramas
diplomáticos e aceitar as informações, mesmo indirectamente, do serviço de
inteligência estrangeiro que procura fazer avançar os seus próprios interesses
poderosos, disse John Wonderlich, o diretor-executivo da Sunlight Foundation,
um grupo dedicado a transparência governamental.
“Eles
estão apenas alinhar-se com quem lhes dá a informação para chamar a atenção ou
se vingar contra os seus inimigos”, disse Wonderlich. “Eles estão acolhem [as
ações] dos governos em espiar uns contra outros e se interromper nos processos
democráticos dos outros, todo isso em nome, muito fraco, do interesse público”.
Outros
vêem o Sr. Assange assumindo uma abordagem cada vez mais cega ao mundo, o que,
associado ao seu próprio secretismo, deixou-os desiludidos.
“A
batalha pela transparência deveria ser global; pelo menos Assange afirmou isso
no início”, disse Andrei A. Soldatov, um jornalista investigativo que escreve
extensivamente sobre os serviços de segurança da Rússia. “É estranho que este
princípio não está sendo aplicado à si pelo próprio Assange e às suas relações
com um país em particular, e que é a Rússia”, disse Soldatov.
Apoio
de Moscovo
WikiLeaks
estava apenas começando em 2006, quando o Sr. Assange, de nacionalidade
australiana, enviou uma declaração de missão aos potenciais colaboradores. Um
de seus objetivos, disse ele, era ajudar a expor o comportamento “ilegal ou
imoral” por parte dos governos no Ocidente. Assange deixou claro, porém, que o
seu foco principal estava em outro lugar. “Nossos alvos principais são os
regimes altamente opressivos na China, Rússia e Eurásia Central”, escreveu ele.
Pouco
depois de lançar os arquivos de guerra, em 2010, o Sr. Assange ameaçou cumprir
essa promessa. WikiLeaks, ele disse á um jornal de Moscovo, tinha obtido
materiais comprometedores “sobre a Rússia, sobre o seu governo e seus
empresários”.
Mas
a vida de Assange foi abalada. Em 20 de novembro de 2010 um mandado
internacional foi emitido para sua prisão em conexão com acusações de agressão
sexual na Suécia, o que ele nega. Oito dias depois, WikiLeaks publicou um
arquivo de telegramas do Departamento de Estado dos EUA, que lançaram a luz nua
e crua – e indesejável – sobre as relações diplomáticas americanas.
Como
o Sr. Assange apontou na entrevista com The Times, muitos dos telegramas
envolvem os julgamentos contundentes em relação à Rússia; uma vez chamada de “Estado
mafioso”. Mas os documentos se mostraram muito mais prejudiciais aos interesses
dos Estados Unidos do que a da Rússia, e as autoridades em Moscovo pareciam
imperturbáveis. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, rejeitou
o Sr. Assange como um “pequeno ladrão correndo por aí na Internet”.
Ler
mais: WikiLeaks
e Ucrânia
Assange,
perguntado logo depois pela revista Time se ele ainda planeava expor as
relações secretas do Kremlin, reiterou a sua promessa anterior. “Sim, de facto”,
disse ele. Mas o assalto prometido não se concretizaria. Em vez disso, com o
amontuar dos problemas legais do Sr. Assange, Putin viria em sua defesa. [...]
Um
dia depois da prisão de Assange [em Londres] o presidente russo apareceu em uma
entrevista coletiva com o primeiro-ministro francês. Atirando-se contra a pergunta
que sugeriu que os telegramas diplomáticos retratam a Rússia como
antidemocrática, Putin aproveitou a oportunidade para atacar o Ocidente.
“Na
medida em que a democracia se desenvolve, deve ser uma democracia completa. Por
que então eles colocaram Assange na prisão?”, ele perguntou. [...] Foi a
primeira de várias vezes em que o Sr. Putin tomava o partido de Assange. Ele
chamou as acusações contra Assange “politicamente motivadas” e declarou que o
fundador do WikiLeaks está sendo “perseguido por espalhar a informação que
recebeu dos militares EUA sobre as ações dos EUA no Médio Oriente, incluindo no
Iraque”.
Em
janeiro de 2011, Kremlin emitiu um visto de entrada ao Assange, e um oficial
russo sugeriu que ele merecia o Prémio Nobel da Paz. Em seguida, em abril de
2012, com o financiamento da WikiLeaks à secar – sob pressão americana, Visa e
MasterCard tinha parado de aceitar doações – Russia Today começou a transmitir
um show chamado “O Mundo de Amanhã” com o Sr. Assange como o anfitrião.
Quanto
ele ou WikiLeaks receberam pelos 12 episódios ainda não está claro. Em uma
declaração por escrito, Sunshine Press, que funciona como seu porta-voz, disse
que a Rússia Today “estava entre uma dezena de empresas de radiodifusão que
adquiriram a licença de radiodifusão para o seu show”.
Um
mundo dividido
Um
ano mais tarde, um homem que em breve apagará Assange em termos de fama
embarcou em um avião em Hong Kong. Seu nome era Edward J. Snowden, ele era um
agente fugitivo da Agência de Segurança Nacional, que chocou o mundo e colocou
em tensão as alianças americanas através do vazamento de documentos que
revelavam uma rede liderada pelos Estados Unidos de programas de vigilância
global.
Sr.
Snowden não tinha dado os seus milhares de documentos confidenciais ao
WikiLeaks. Ainda assim, foi por sugestão do Sr. Assange que o voo do Sr.
Snowden em que este embarcou em 23 de Junho, 2013, acompanhado pelo seu colega
da WikiLeaks, Sarah Harrison, seguia para Moscovo, onde o Sr. Snowden permanece
até hoje, depois dos Estados Unidos cancelarem, no caminho, o seu passaporte.
Na
verdade, preocupado que ele seria visto como um espião, Sr. Snowden esperava
apenas passar por Rússia no seu caminho para a América do Sul, o Sr. Assange
relatou mais tarde, um plano que ele não tinha aprovado na íntegra. Rússia, ele
acreditava, poderia proteger melhor o Sr. Snowden de um sequestro da CIA, ou
pior.
“Agora
eu pensei, e de fato aconselhei ao Edward Snowden, que ele estaria mais seguro
em Moscovo”, Assange disse ao programa noticioso Democracy Now.
Anos
antes, durante uma reunião de novembro de 2010 com os jornalistas da The New
York Times, em negociação pelo acesso aos telegramas diplomáticos, Assange
tinha meditado sobre a procura de refúgio na Rússia. Antecipando as
consequências prováveis da libertação dos telegramas, Assange falou de se
mudar para a Rússia e a criar a WikiLeaks lá. Seus associados mostraram-se
céticas da ideia, dado aparato de vigilância implacável do Kremlin e um
controlo rígido sobre a mídia. [...]
Durante
o seu tempo isolado na embaixada equatoriana, sob vigilância constante, sua
desconfiança instintiva do Ocidente endureceu, tornando-se cada vez mais insensível
aos abusos do Kremlin, que ele via como um “baluarte contra o imperialismo
ocidental”, disse um apoiante seu, que como muitos outros pediu anonimato por
medo de irritar o Sr. Assange.
Outra
pessoa que colaborou com o WikiLeaks no passado, acrescentou: “Ele vê tudo
através do prisma de como ele é tratado. América e Hillary Clinton ter-lhe
causado problemas, e a Rússia nunca tinha”.
O
resultado tem sido um “confronto unidimensional com os EUA”, diz Daniel
Domscheit-Berg, que antes de deixar a WikiLeaks em 2010 foi um dos parceiros
mais próximos do Sr. Assange.
E
o beneficiário desse confronto, que se trava em uma série de declarações
públicas do Sr. Assange e estrategicamente cronometrados com os documentos
publicados pela WikiLeaks, tem sido muitas vezes o Sr. Putin. Enquanto a
publicação dos documentos do Partido Democrata parece ser a primeira vez em que
a WikiLeaks publicou material que os funcionários dos Estados Unidos afirmam
ser roubado por inteligência russa, as agendas de WikiLeaks e Putin têm sido
repetidamente articuladas desde que o Sr. Assange fugiu para a embaixada [do
Equador].
Assange
tem, por vezes feito, as críticas brandas do governo do Putin. Em uma
entrevista de 2011, por exemplo, ele falou sobre a “putinização” da Rússia. No
Twitter, ele também chamou a atenção para Pussy Riot, a banda punk, cujos
membros foram presos depois de criticarem Putin.
Mas
na maior número de casos, Assange tem permanecido em silêncio sobre alguns dos
movimentos mais severos do presidente russo. Foi o Sr. Snowden, por exemplo,
não o Sr. Assange, que denunciou no Twitter em julho a lei que dá os novos e radicais
poderes de vigilância ao Kremlin. Assange, perguntado na entrevista sobre a
nova lei e outros casos semelhantes, reconheceu que a Rússia tinha sofrido “autoritarismo
rasteiro”. Mas, ele sugeriu que “esse mesmo desenvolvimento” tinha ocorrido nos
Estados Unidos.
Assange
também tomou uma posição decididamente pró-russa das hostilidades na Ucrânia,
onde a administração Obama acusou Putin de apoiar os separatistas. Os Estados
Unidos, o Sr. Assange disse a um jornal argentino em março do 2015, foram
intromitidos lá, fomentando a agitação por “tentando levar Ucrânia para a
órbita ocidental, para arrancá-la fora da esfera de influência da Rússia”. Após
a anexação da Crimeia, ele disse que Washington e seus aliados de inteligência
tinham “anexado todo o mundo” através da vigilância global.
Tal
como o Sr. Trump, que ficou a ganhar com o vazamento [dos documentos] do
Partido Democrata, o Sr. Assange apoiou o voto da Grã-Bretanha na saída da
União Europeia, e ele tem repetidamente indo contra a NATO – atacando as duas
organizações que Putin mais gostaria de minar ou destruir.
Em
setembro de 2014, por exemplo, o Sr. Assange escreveu no Twitter sobre o que
chamou de “acordo corrupto” que a Turquia preparou para forçar a supressão de
uma estação de televisão pró-curda na Dinamarca, em troca de permitir que o
primeiro-ministro do país, Anders Fogh Rasmussen, assuma o comando da NATO.
O
momento da sua postagem no Twitter foi curioso em duas maneiras. Baseou-se em
um cabo diplomático que ganhou as manchetes quando foi divulgado pela WikiLeaks
quatro anos antes. Seguido pelo um bate-papo com a duração de um mês entre Sr.
Rasmussen e Putin, com o presidente russo atacando o chefe da NATO pela
gravação secreta de suas conversas privadas e a resposta do Sr. Rasmussen
acusando Putin de jogar um “jogo duplo” na Ucrânia através da emissão de
declarações conciliatórias, enquanto concentrava as tropas na fronteira e
fornecia as armas aos separatistas.
Assange
novamente tinha reciclado a história em junho de 2016 – dias depois de
presidente ucraniano Petró Poroshenko escolher Sr. Rasmussen como o seu
assessor especial – desta vez através de uma aparência de vídeo em um fórum de
mídia russa com a presença de Putin e programado para coincidir com o 75º
aniversário da Bureau de Informação Soviética.
Uma
questão de timing
Depois,
existem os vazamentos reais. Alguns, como os documentos da Igreja de
Scientologia, não oferecem nenhum benefício óbvio aos russos. Mas muitos outros
oferecem.
A
organização publicou os vazamentos de material sobre Arábia Saudita e Turquia,
que são aliados dos Estados Unidos, mas também em diferentes graus são os
regimes autoritários. Os vazamentos ocorreram durante uma época de grande
tensão entre estes países e a Rússia.
Os
documentos sauditas, por exemplo, que destacaram os esforços de manipular a
opinião pública mundial sobre o reino, foram publicadas meses depois que o Sr.
Putin acusou os sauditas de manter baixo os preços do petróleo para prejudicar
as economias da Rússia e seus aliados Irão e Venezuela.
Outro
conjunto de vazamentos beneficiou indiretamente Rosatom, empresa de energia
atômica estatal da Rússia. Esses documentos detalharam uma “guerra corrupta
multi-bilionária entre as empresas ocidentais e chinesas” – incluindo principais
concorrentes da Rosatom para obter urânio e outros direitos minérios na
República Centro-Africana.
WikiLeaks
parece estar consciente de um problema de percepção quando se trata de Rússia.
Quando
Russia Today começou a transmitir programa de televisão do Sr. Assange, ele
brincou em uma declaração que isso seria usado para “manchar” a ele: “Assange é
um fantoche sem esperança do Kremlin”.
E
a Sunshine Press, a voz de relações públicas do grupo, apontou que em 2012
WikiLeaks publicou também um arquivo que chamou de Syria Files – mais de dois
milhões de e-mails de e sobre o governo do presidente Bashar al-Assad, a quem a
Rússia está apoiando na guerra civil síria.
No
entanto, no momento do lançamento, colega do Sr. Assange, Sra. Harrison,
caracterizou o material como “embaraçoso para a Síria, mas também é embaraçoso
para os adversários da Síria”. Desde então, o Sr. Assange acusou os Estados
Unidos de deliberadamente desestabilizar Síria, mas não criticou publicamente
os abusos dos direitos humanos por parte de Assad e das forças russas que lutam
lá. [...]
Entre
novembro de 2013 à maio 2016, WikiLeaks publicou documentos que descrevem
deliberações internas em dois pactos comerciais: a Parceria Trans-Pacífica, que
liberaliza o comércio entre os Estados Unidos, Japão e outros 10 países do
Pacífico e do Acordo sobre Comércio de Serviços (TiSA), entre os Estados
Unidos, outros 21 países e da União Europeia.
A
Rússia, que foi excluída [de ambos os acordos], foi o adversário mais vocal dos
pactos, com o Sr. Putin retratando-os como um esforço para dar aos Estados
Unidos uma alavanca injusta na economia global.
Os
esboços divulgados pelo WikiLeaks causaram a polêmica entre os ambientalistas,
defensores da liberdade na Internet e da privacidade, líderes trabalhistas e os
oponentes mais ferrozes de governança corporativa, entre outros. Eles também
alimentaram os ressentimentos populistas contra o livre comércio, que se tornou
um fator importante na política americana e europeia. O material foi lançado em
momentos críticos, com o aparente objetivo de frustrar as negociações, disseram
autoridades comerciais americanas.
WikiLeaks
destacou, nas suas contas de Twitter, a discórdia nacional e internacional.
Os
negociadores americanos assumiram que os vazamentos tinham vindo de uma parte
envolvida que buscava alavancagem. Então, em julho de 2015, no dia em que os
negociadores americanos e japoneses foram trabalhando nos detalhes finais da
Parceria Trans-Pacífica, veio o que WikiLeaks apelidou no seu lançamento de “Target
Tokyo”.
Baseando-se
nos documentos ultra secretos da NSA, os documentos revelavam os 35 alvos
norte-americanos de espionagem no Japão, incluindo membros do gabinete [dos
Ministros] e negociadores comerciais, bem como empresas como a Mitsubishi. O
acordo comercial foi finalmente finalizado – embora não tenha sido ratificado
pelo Senado dos Estados Unidos – mas a liberação de documentos fez criou uma brecha
nas negociações.
“A
lição para o Japão é esta: não espere uma superpotência de vigilância global
agir com honra e respeito”, disse Assange, em um comunicado à imprensa na
época. “Há apenas uma regra: não há regras”.
Devido
a proveniência dos arquivos, os funcionários da inteligência dos EUA assumem
que o Sr. Assange recebeu acesso aos alguns dos documentos da NSA copiados pelo
Sr. Snowden. Mas em uma entrevista, Glenn Greenwald, um dos dois jornalistas
responsáveis pela arquivo completo de Snowden, disse que o Sr. Snowden não
tinha dado seus documentos à WikiLeaks e que os documentos “Target Tokyo” nem
estavam entre aqueles que Sr. Snowden tinha roubado. [...] O sr. Assange disse
que tinha as suas próprias fontes separadas do material da NSA.
Isso
levanta a questão de saber se há um outro, ainda secreto, delator da NSA que
está vazando documentos para WikiLeaks, ou se os arquivos foram obtidos a
partir do exterior através de uma operação de ciberespionagem sofisticada,
possivelmente, patrocinado por um ator estatal. Esta questão foi sublinhada
pela declaração do Sr. Assange, há algumas semanas que ele iria liberar os
códigos que os Estados Unidos utilizam para invadir outros.
Isso
levou alguns antigos colaboradores [da WikiLeaks] à questionar quem está passando
ao Sr. Assange essa informação nos dias de hoje.
“Eu
não acho que ele iria receber nada que fosse abertamente do FSB”, disse um
deles. “Ele não iria confiar neles o suficiente. Mas se alguém poderia
plausivelmente ser visto como um grupo de hackers, ele aceitaria por bem. Ele
nunca foi muito profundo sobre a verificação das fontes ou motivações”.
Os
Papéis do Panamá
Em
abril deste ano, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos
desencadeou uma torrente de artigos que reverberou em todo o mundo.
Baseado
em 11,5 milhões de documentos que vazaram de uma empresa de advogacia
panamenha, especializada na criação de empresas offshore secretas, os “Papéis
do Panamá” ofereceram uma olhada ao mundo sombrio em que os bancos, escritórios
de advocacia e empresas de gestão de ativos ajudavam aos ricos e poderosos
esconder a sua riqueza e evitar os impostos.
Foi
o maior arquivo de documentos vazados que os jornalistas alguma vez tinham
manuseado, e por isso não foi surpresa que o WikiLeaks inicialmente estava
ligada ao trabalho do consórcio no Twitter. Mas o que chocou alguns dos
jornalistas envolvidos era o WikiLeaks fez em seguida.
Entre
as maiores histórias [dos Papéis do Panamá] uma tinha mostrando como biliões de
dólares acabaram em empresas de fachada controladas por um dos amigos mais
próximos de Putin, um violoncelista chamado Sergei P. Roldugin. Quase uma dúzia
de organizações de notícias, incluindo dois dos últimos jornais independentes
da Rússia, Vedomosti e Novaya Gazeta, haviam colaborando no rastreamento do
dinheiro.
Mas
WikiLeaks se focou na contribuição de apenas uma: Organized Crime and
Corruption Reporting Project (https://www.occrp.org/en). Em uma série de
postagem no Twitter após as revelações sobre o Sr. Roldugin, WikiLeaks
questionou a integridade do OCCRP, observando que o projeto recebeu doações da
Fundação Soros e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional.
Assange,
em uma entrevista à Al Jazeera, reiterou a sugestão de que o consórcio, com uma
agenda pró-ocidental, escolheu os documentos mais chamativos para liberar. “Houve
claramente um esforço consciente para ir contra Putin, contra a Coreia do
Norte, contra as sanções, etc.”, disse ele.
Na
verdade, as revelações do consórcio serviram de base aos muitos artigos contundentes
com os alvos ocidentais, incluindo sobre o uso de empresas offshore em paraísos
fiscais pelo pai do então primeiro-ministro David Cameron da Grã-Bretanha.
Outros, focados em uma empresa offshore criada pelo presidente ucraniano, Sr.
Poroshenko, um inimigo Putin.
No
entanto, Putin aproveitou a deixa da WikiLeaks sobre a controvérsia para se
defender. Ele declarou que, enquanto os artigos sugeriram que “há este amigo do
presidente russo, e eles dizem que ele fez algo, provavelmente relacionado com a
corrupção, na verdade, não existe aqui nenhuma corrupção”. “Além disso”,
acrescentou Putin, “sabemos agora de WikiLeaks que os funcionários e órgãos
estaduais nos Estados Unidos estão por trás de tudo isso”. [...]
Roman
Shleynov, que trabalhou no projeto pela primeira vez no [jornal] Vedmosti e
depois como editor do Organized Crime and Reporting Project, disse que “estava
perdido” para explicar o ataque de Assange contra os “Papeis do Panamá”.
“Para
mim foi uma surpresa que o Sr. Assange estava repetindo a mesma desculpa que os
nossos funcionários, mesmo nos tempos soviéticos, costumava dizer – que é tudo
uma conspiração do exterior”, disse Shleynov. “Eu entendo a sua luta com os
Estados Unidos”, acrescentou, “mas eu nunca pensei que ele iria usar o nosso trabalho,
o trabalho de jornalistas russos, para fazer tal declaração. Eu respeitava e
ainda respeito o que Julian Assange fez, mas eu mudei minha opinião sobre ele
como pessoa”.
Conflitos
públicos
Assange
sempre insistiu: “Eu sou WikiLeaks”, e isso parece mais verdadeiro do que
nunca. [...]
Após
a liberação dos documentos do Partido Democrata neste verão, Edward Snowden
criticou WikiLeaks no Twitter por não
proteger os números de cartões de crédito e de Segurança Social de indivíduos
particulares citados nos documentos.
WikiLeaks
atirou em resposta no Twitter: “O oportunismo não vai garantir lhe o perdão da
Clinton & curadoria [de dados] não é a censura dos fluxos de caixa do
partido governamental”.
Sr.
Greenwald disse sobre Sr. Assange: “Ele alienou um monte de gente”. [...]
Alguns dos seus maiores defensores, como a herdeira Jemima Goldsmith Khan, se
voltaram contra ele, perturbados com aquilo que consideram como “padrões duplos”.
Em
um artigo de opinião para o New Statesman, Khan escreveu que WikiLeaks, que foi
criada para produzir uma sociedade mais justa, “tem sido culpada da mesma
ofuscação e desinformação como aqueles que procurou expor”.
Ler
o artigo completo em inglês e ver a entrevista da Jo Becker com Assange no Facebook:
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