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| Foto de arquivo: apoiantes do partido Konfederacja, da extrema-direita polaca participam num protesto anti-imigração em Cracóvia, Polónia, a 17 de julho de 2025 | Foto: Picture-alliance |
Músico e comentador político polaco Krzysztof Skiba analisa a atual situação política na Polónia e o desejo suicida de muitos polacos de se
colocar, de jeito, debaixo da bota russa. O texto original se chama: «Sob a bota russa» e termina com um pedido emotivo: «está na hora de parar com este salto de cabeça numa piscina seca».
por: Krzysztof Skiba, a versão portuguesa curta, título de responsabilidade do nosso blogue
Nós próprios estamos se colocar sob a bota russa. É evidente que ansiamos pelo governo de Moscovo, do qual Walesa, juntamente com Reagan, nos libertou há
mais de trinta anos.
Os polacos já estão fartos da democracia, da prosperidade e das férias na Croácia. Sonhamos novamente em transformar a Polónia num kolkhoz (a quinta colectiva)
russa, um país de pobreza e atraso, uma província ocidental do império de Estaline.
Não são fantasias, mas uma avaliação real do que está a acontecer AGORA. Os sentimentos anti-ucranianos e, na verdade, a moda dos ataques contra Ucrânia,
estão a aproximar-nos da boca e da imundície soviética que putin [nós] oferece todos os dias.
Para vencer uma guerra, ou pelo menos uma partida de xadrez, é necessário fazer uma boa pesquisa de inteligência. Quem é amigo e quem é inimigo? O único
país que luta activamente contra putin, nomeadamente Ucrânia, que há três anos resiste com sucesso, sangrndo, deixou de agradar aos polacos. A tendência agora é a difamação
estúpida, absurda e suicida de tudo o que é ucraniano.
O concerto do rapper belaruso Max Korzh, que contou com a presença de belarusos, georgianos e ucranianos de toda a Europa, tornou-se um detonador de sentimentos anti-ucranianos. Porquê?
Porque algumas moças passaram por cima da cerca? Porque alguns milhares de pessoas correram em frente do palco com os torsos nus? Porque um tipo entre 70 mil de espectadores trouxe a bandeira do UPA?
Isso foi chamado de tumulto? Sério? Ao mesmo tempo, os adeptos/torcida do Lech Poznań partiam janelas e espancavam os peões em Belgrado sem qualquer motivo. Foi uma verdadeira
batalha de hooligans. Mas há silêncio sobre isso. Ninguém se importou. Porque são os nossos. Os nossos podem.
Um tipo com uma bandeira da UPA num concerto incomoda-vos, mas não um amigo do presidente Nawrocki com tatuagens de Hitler? Entendam que para muitos (não todos) ucranianos, o
UPA é algo semelhante à nossa Armia Krajowa (AK). Este é o seu exército nacional de guerrilha durante guerra. Sim [...] para nós, são criminosos. Não há nada a discutir.
Mas isso foi há 80 anos. Precisamos de falar sobre isto e recordar os crimes, mas também recordar que os nossos rapazes também incendiavam aldeias ucranianas e matavam as suas mulheres e crianças.
Estas feridas históricas são habilmente inflamadas e geridas pelos departamentos russos de propaganda. Como se não houvesse [o massacre de] Katyn e dos assassinatos de
polacos desde o tempo das partições [territoriais] até ao estabelecimento da «Polónia Popular».
De repente, os russos são santos e amados. Os ucranianos são maus. Só Bandera e mais Bandera, e o Exército Vermelho, que violou mulheres polacas, de alguma forma
caiu, estranhamente, no esquecimento?
A memória pode ser manipulada, e os russos na Polónia estão a fazer um grande trabalho nisso, com a ajuda de um exército inteiro de «camaradas» e criados
do [político da extrema-direita pró-russa Grzegorz] Braun.
É claro que não há igualdade nestes dramas antigos [...] mas depois de homenagear as vítimas, aceitem o facto com coragem, como pessoas inteligentes: AGORA a Ucrânia
é nossa aliada. Ela está a lutar contra um monstro. Era para ser derrotada em três dias, mas já passaram três anos e o grande putin ainda não consegue vencé-la.
A prioridade da nossa política externa deve ser ajudar Ucrânia e fazer o lobby para a sua adesão à NATO. Aliás, o próprio Lech Kaczynski queria isso,
mas agora já ninguém se lembra.
Paradoxalmente, a NATO fortaleceu-se graças à guerra. A Suécia e a Finlândia aderiram à Aliança por medo, e o potencial militar da Aliança aumentou
e excede agora em muito o potencial da rússia.
Graças aos refugiados de guerra da Ucrânia, a economia polaca cresceu 15 mil milhões de dólares por ano. O dinheiro que gastamos em ajuda à Ucrânia é
pouca coisa.
São os ucranianos que limpam e reparam as vossas casas, constroem bairros residenciais, cortam relva, recolhem lixo, entregam pizza e encomendas como estafetas, servem comida e cerveja
em estabelecimentos como empregados de mesa e empregados de bar. Estes trabalhadores ucranianos realizam trabalhos que simplesmente não há polacos dispostos a fazer. Porque o salário é muito baixo.
Comportamo-nos como um gato bêbado e cego dentro de num saco. A propaganda russa e os trolls russos, bem como mentirosos descarados como o vendedor de cerveja Slavek Hulaynoga [político pró-russo e líder da extrema-direita polaca Sławomir Mentzen] e Grzegorz «Extintor» Braun, fizeram uma verdadeira geleia nos nossos cérebros.
Estes slogans de que «esta guerra não é nossa» são contos de fadas para crianças. Toda a ajuda militar à Ucrânia passa pela Polónia
há três anos. Também estamos nesta guerra com a rússia, só que é muito mais conveniente para nós, porque as nossas zonas residenciais ainda não estão a ser bombardeadas.
Somos apenas uma via de trânsito para armamento e um refúgio para refugiados.
O pior é que não só o presidente Nawrocki (que tirou a ajuda de 800 zloty [190 Euros] às mulheres da Ucrânia, cortou verbas de Starlink, ou seja, prejudica
o exército que está em guerra com putin) está sujeito a estes sentimentos anti-ucranianos, alimentados pela propaganda de putin, mas também o governo de Tusk.
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A decisão do presidente Nawrocki de cortatar o subsídio de 190 Euros às mulheres ucranianas é apoiada por quase 59% dos respondentes polacos (numa pesquisa online e não oficial) |
A equipa do ruivo, tentando agradar taticamente à direita e as claques/torcidas de futebol, está a deportar os participantes do concerto do Max Korzh, que saltaram as barreiras
do Estádio Nacional. Sério? Na minha juventude, parti um banco num concerto do [estádio] «Republika» em 1982, e nem [o regime comunista de Wojciech] Jaruzelski me deportou nessa ocasião.
Só me prenderam quando eu estava a distribuir os panfletos anticomunistas. [...]
Os únicos neste governo que ainda têm tomates e bom senso são os ministros [da Justiça e Procurador-geral Waldemar] Żurek e [dos Negócios Estrangeiros
Radosław] Sikorski. Sabem que bajulação da [extrema] direita não leva a lado nenhum. [...]
Infelizmente, o Presidente Nawrocki revelou-se como um amador político. Esperava que ele se envolvesse em jogos divertidos no palácio [presidencial], mas ele quer ser seriamente
activo e actualmente finge ser uma cópia de Trump, quer colinho de putin, flutuando na onda de decisões fortemente anti-ucranianas.
A rússia não tem munições, não tem soldados (levam os mercenários do Kim da Coreia), a rússia está a entrar em colapso económico
como uma velha bêbeda, mais uns anos de guerra — e o seu potencial militar estará ao nível do Principado do Mónaco. Mas o narcisista norte-americano acreditava que Vladimir queria a paz. Em
troca ganhou uma calmaria e um manguito.
Todo este propriamente NADA está a ajudar a rússia se aguentar agora. Além disso, o presidente polaco está a seguir os seus passos. Já ligou, com prazer,
o soro polaco ao ex-agente do KGB e ao seu gangue.
São sabotadores russos a incendiar mercados, empresas e armazéns polacos. Já houve mais de uma dezena destes incêndios criminosos. Milhares de lojas foram incendiadas
[no incêndio no centro comercial na rua] Marywilska, em Varsóvia. O prejuízo é de vários biliões de zlotys. Está provado que isto foi a obra de agentes russos. Já viu
slogans antirrussos em estádios? Não. Só há slogans anti-ucranianos. Por quê?
Todo o russo morto na Ucrânia com uma arma na mão, não entrará mais em território polaco. Cada tanque destruído por ucranianos, cada drone abatido,
cada navio afundado não atacará a Polónia. Devemos agradecer-lhes por isso. «Agradecemos» mesmo. Com deportações, insultos e ódio diário.
Nós próprios estamos a se colocar debaixo das botas russas. Nos próprios, com a ajuda dos nossos políticos. Um plano inclinado. Loucura. Absurdo e fundo dos fundos.
Se Ucrânia perder esta guerra, nós perderemos imediatamente a seguir. Aqueles que daqui a dez anos estiverem na fila para comprar açúcar russo através de sistema
de talões não vos vão perdoar por isso.
Pela primeira vez, peço que partilhem [este texto] o máximo possível. Está na hora de parar com este salto de cabeça numa piscina seca.
Tradução e adaptação portuguesa @Universo Ucraniano
Bónus
Em 2024, os migrantes ucranianos trabalhadores contribuíram com 22,7 mil milhões de euros para o PIB da Polónia. Isto representa mais de 2,7% de toda a economia do país
e quase dez vezes mais do que o total das despesas da Polónia com os ucranianos.