terça-feira, julho 09, 2019

Como União Soviética ocultava os casos do terror político

O ato terrorista mais famoso da URSS ocorreu em 8 de janeiro de 1977 — uma série de explosões bombistas em Moscovo matou 7 e feriu 37 pessoas. Os três alegados responsáveis foram fuzilados e os materiais do caso estão sob segredo da justiça russa até hoje.

Como tudo ocorreu?

A primeira explosão atingiu a carruagem de metro/ô de Moscovo. O explosivo foi colocado numa panela especial de metal pesado, aparafusada e soldada – como resultado da explosão 7 passageiros do metro/ô foram mortos e 37 feridos.
A 1ª explosão no metro/ô | arquivo
A segunda explosão ocorreu 32 minutos após a primeira – uma bomba explodiu numa mercearia na atual rua Bolshaya Lubyanka. Ninguém ficou ferido na explosão. A terceira bomba explodiu cinco minutos depois da segunda – o dispositivo estava escondido numa lata de lixo, junto à uma mercearia da atual rua Nikolskaya. Nesta explosão, também, ninguém morreu – a forte urna de ferro fundido resistiu à explosão, e a onda de choque se dirigiu ao alto.
A 2ª explosão na mercearia | arquivo
KGB e polícia soviética começaram as buscas pelos responsáveis. Na cidade russa de Tambov foi interrogado o suspeito inicial cidadão Potapov, preso após detonar uma bomba que matou a esposa e duas filhas do vizinho. Potapov rapidamente confessou que também estava por trás dos atos terroristas em Moscovo. No entanto, rapidamente se percebeu que isso foi uma confissão forçada e, após a investigação formal que durou um mês, o caso foi abandonado pelo KGB.

Informação ocultada ao público

Quase imediatamente, todas as informações sobre os ataques foram classificadas – nenhum jornal ou programa de televisão soviético falaram sobre o que estava acontecendo. Mas os rumores terríveis estavam rastejando pelo Moscovo, as pessoas nas filas das compras estavam cochichando sobre o que tinha acontecido, era simplesmente impossível esconder mais a informação.

Como no caso de Chornobyl – as informações sobre a tragédia foram divulgadas 48 horas depois, passadas pela censura do KGB. No dia 10 de janeiro, a agência soviética TASS divulgou a nota que dizia que em 8 de janeiro, ocorreu “uma pequena explosão no metro/ô de Moscovo, todas as vítimas foram socorridas”. A informação ocultava o número de vítimas e que a explosão foi um ato terrorista.

Os materiais completos deste caso ainda estão classificados pela justiça russa.

O que aconteceu na realidade?

As buscas pelos responsáveis foram infrutíferas – mas por sorte, cerca de 10 meses depois – também em Moscovo, foi achada uma outra bomba que levou KGB aos terroristas. Eram três arménios étnicos – Hakob Stepanyan, Zaven Baghdasaryan e Stepan Zatikyan – este último foi tido como líder do grupo. Após um julgamento secreto e fechado ao público, em 24 de janeiro de 1979 os réus foram considerados culpados pelo tribunal e sentenciados à pena capital – execução. Em 30 de janeiro, o Presidium do Soviete Supremo da URSS rejeitou a sua petição de clemência, e no mesmo dia eles foram executados. A única informação oficial sobre o julgamento e sobre o veredicto foi uma breve nota no jornal soviético “Izvestia” em 31 de janeiro de 1979, onde apenas se mencionava o apelido/sobrenome e as iniciais do Stepan Zatikyan.
Stepanyan (1947-1977) e Baghdasaryan (1954-1977) após a detenção
Segundo a versão oficial da acusação – os três pertenciam ao clandestino “Partido da Unidade Nacional da Arménia” (NOP) e tinham como objetivo criar Arménia independente, separada da URSS. Essa versão possui uma série de inconsistências, apontados pelo académico e dissidente soviético Andrey Sakharov – NOP não tinha terror nos seus princípios, os terroristas não divulgaram nenhumas reivindicações após as explosões, as ações semelhantes não aconteceram antes e não se repetiram depois.
O líder Stepan Zatikyan (1946-1979) após a detenção
Na versão não oficial – as ações foram iniciadas pelos serviços secretos soviéticos (KGB), para iniciar a onda de terror contra os dissidentes – e apenas a divulgação pública do caso (incluindo através do Andrey Sakharov) impediu de fazê-lo. A versão de provocação do KGB é apoiada pelo facto do que o jornalista soviético Victor Louis (informador e conhecido agente-provocador do KGB), imediatamente após o ataque, lançou na imprensa britânica a acusação genérica contra os “dissidentes”, pelo seu alegado envolvimento nos atentados – como se preparando a opinião pública ocidental ao ataque contra o movimento dissidente na URSS.

[O fundador e um dos líderes do Partido Neocomunista da União Soviética, Alexander Tarasov relata nas suas memórias que quatro meses após as explosões ele foi detido [pelo KGB] por suspeita da sua organização e libertado somente depois de provar “por trezentos por cento” o seu álibi (ele estava no hospital durante o ataque terrorista).

O coronel da 1ª Direcção/Diretoria do KGB Oleg Gordievsky, que fugiu para o Ocidente, é da opinião de que os três arménios foram escolhidos, neste caso, como bodes expiatórios. O dissidente soviético Sergei Grigoryants afirma que as explosões foram realizadas pelo grupo Alfa do KGB sob as instruções de Yuri Andropov e Filip Bobkov (o chefe da 5ª Direção/Diretoria “ideológica” do KGB)].

Em jeito de epílogo

Qualquer ataque terrorista é terrível, mas pior ainda quando o Estado esconde de seus cidadãos a verdade sobre o que realmente está acontecendo – não informa sobre o desastre de Chornobyl ou sobre os ataques terroristas ocorridos em Moscovo em 1977. Os cidadãos possuem uma imagem bastante distorcida do que realmente está acontecendo – é assim que nascem os mitos sobre “a vida soviética calma e pacífica na companhia do melhor sorvete do mundo – o soviético”.

Após o fim da URSS, as pessoas perceberam que esse era um beco sem saída – e nas Constituições da maioria dos países pós-soviéticos foram colocadas as normas do que ninguém tem o direito de esconder dos cidadãos a verdade sobre desastres ambientais ou naturais, ataques terroristas ou outros incidentes semelhantes – todos e cada um tem o direito de receber e divulgar livremente essas informações.
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No entanto, nos últimos anos, aqui e ali, mais uma vez houve o “retorno à espiritualidade tradicional”, que pode ser traduzido da seguinte forma – o Estado novamente quer se engajar em negócios obscuros, ocultando, aos cidadãos, todas as informações sobre acidentes e incidentes...

Fotos: arquivo | Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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