O
líder da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), patriarca Kirill/Cirilo iniciou a guerra sem
quartel contra o poderosíssimo metropolita Tikhon, conhecido como «confessor do
Putin». Neste momento, as chances da vitória final dos dois poderosos apparatchik da IOR são
sensivelmente iguais.
De
acordo com análise do jornal russo Novaya
Gazeta, o metropolita de Pskov, Tikhon (Shevkunov), é o mais forte
candidato para se tornar o próximo líder da IOR. Possuindo uma espécie de “livre-trânsito”
para entrar nos mais altos gabinetes do Kremlin e da Lubyanka (sede do FSB),
tendo a reputação de “confessor do Putin” (que Tikhon e Putin nem confirmam,
mas também não desmentem), criador de um mosteiro e seminário exemplar de
Sretensky (com uma editora e um coro também exemplares), ele acumulou biliões de
rublos estatais e de patrocínios privados, para a construção de grandiosos
“parques históricos” por toda a Rússia (levando os russos à uma ideologia
“certa”), sendo alegado autor do bestseller
“Santos profanos” – o livro ortodoxo com a maior tiragem de toda a história
soviética e pós-soviética. Parecia que nada pararia a ascensão do
“arquimandrita de Lubyanka”, que se tornou o metropolita de Pskov, aos mais
altos patamares da IOR.
Até
que o patriarca Kirill decidiu agir, antes que seja demasiadamente tarde.
O
que aconteceu?
Em
9 de julho de 2019, o sínodo da IOR decorreu, pela primeira vez na história, na
ilha remota de Valaam, sob as fortes medidas de segurança prestadas pelo Serviço Federal da Proteção (FSO),
organismo estatal russo que zela pela proteção física das altas personalidades do
Estado e do governo russo.
Uma
das decisões mais sensacionais deste sínodo foi a decisão unilateral do Kirill de
iniciar o processo de «optimização» do sistema de educação eclesiástica da IOR.
Cujo primeiro passo será a unificação compulsiva e urgente (com apresentação das
medidas à seguir já no dia 1 de agosto de 2019) do seminário de Sretensky e
academia de Moscovo.
O
que seguirá?
O
sistema da educação eclesiástica russa está numa crise profunda. Para garantir
a não-fuga dos alunos, IOR introduziu uma espécie de “servidão” – quando
graduados de academias e seminários da IOR assinam obrigações legalmente válidas,
se comprometendo, de, por, pelo menos três anos, após receber o diploma, trabalhar
na igreja ou então devolver à IOR as quantias astronómicas gastas na sua formação.
Seminário Sretensky em Moscovo. Foto: Victoria Odissonova / Novaya Gazeta |
Quer
o seminário de Sretensky, quer academia de Moscovo possuem os programas
educativos equiparados ao nível do bacharelato e à magistratura. Os seus diplomas
possuem o valor igual, embora, o seminário Sretensky detinha o estatuto não
oficial de exemplar e constantemente apresentava o aproveitamento escolar
superior à academia moscovita.
Mas
na lógica implacável dos apparatchik da IOR, o
arquirrival pessoal do patriarca tem que ser aniquilado, o ninho de Tikhon
(Shevkunov) tem que ser completamente devastado.
Quo Vadis?
Durante
os dez anos da sua liderança da
IOR,
o patriarca Kirill conseguiu erradicar, quase completamente, todos e quaisquer bolsas
de oposição dentro da igreja e construir um forte vertical de poder – talvez até
mais forte do que na própria Rússia de Putin. Ninguém de seu séquito se atreve
a contradizê-lo.
***
O
metropolita derrotado Tikhon, está tentando se desdobrar em Pskov,
transformando-o em um centro alternativo da IOR. Ele está lá construindo o
maior de seus “parques históricos”; conseguindo atrair os fundos de ricos patrocinadores
moscovitas para o restauro dos mosteiros-chave da região e da catedral da
diocese. Neste outono Tikhon pretende abrir um seminário local no mosteiro
Pskov-Pechora, onde está planeando construir um análogo de Sretensky. Tikhon é
um perfeccionista, mas em Pskov falta-lhe o “material humano”. Em Moscovo quase
cinco mil fieis se consideravam seus paroquianos, em Pskov, em todos os 26
templos da cidade, há apenas 1.600 paroquianos cativos. Um número ínfimo deles são jovens.
***
Tikhon
(Shevkunov) é adepto do “projeto neo-bizantino” da Rússia (parte da agressiva doutrina do
mundo
russo), ele promulga o mito da “unção divina” do Putin e defende a sucessão
espiritual da história soviética e imperial russa. Mas o ataque que ele vive no
seio da IOR não está ligado à ideologia. O patriarcado russo, de igual modo, esmagaria
qualquer outro notável, com quaisquer tendências ideológicas, se a sua importância
e influência pudessem, de alguma forma, ameaçar o poder quase absoluto do
patriarca russo.
Putin e metropolita Tikhon. Foto: RIAN |
Conhecendo
as extensas conexões do metropolita Tikhon no topo das estruturas de poder estatal
russo, é difícil livrar-se da impressão de que o que está acontecendo com ele é
uma projeção na vida da IOR da “batalha dos titãs”, que já se desenrola em
torno da “transferência de poder” nas vésperas do fim da era Putin. Tal como é
impossível prever o resultado da batalha entre os clãs, elites e grupos de
influência do poder russo, também é impossível prever o desfecho da luta na IOR.
As chances das partes, por enquanto, são sensivelmente iguais.
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