domingo, julho 21, 2019

Batalha na IOR: patriarca Kirill vs «confessor do Putin»

O líder da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), patriarca Kirill/Cirilo iniciou a guerra sem quartel contra o poderosíssimo metropolita Tikhon, conhecido como «confessor do Putin». Neste momento, as chances da vitória final dos dois poderosos apparatchik da IOR são sensivelmente iguais.

De acordo com análise do jornal russo Novaya Gazeta, o metropolita de Pskov, Tikhon (Shevkunov), é o mais forte candidato para se tornar o próximo líder da IOR. Possuindo uma espécie de “livre-trânsito” para entrar nos mais altos gabinetes do Kremlin e da Lubyanka (sede do FSB), tendo a reputação de “confessor do Putin” (que Tikhon e Putin nem confirmam, mas também não desmentem), criador de um mosteiro e seminário exemplar de Sretensky (com uma editora e um coro também exemplares), ele acumulou biliões de rublos estatais e de patrocínios privados, para a construção de grandiosos “parques históricos” por toda a Rússia (levando os russos à uma ideologia “certa”), sendo alegado autor do bestseller “Santos profanos” – o livro ortodoxo com a maior tiragem de toda a história soviética e pós-soviética. Parecia que nada pararia a ascensão do “arquimandrita de Lubyanka”, que se tornou o metropolita de Pskov, aos mais altos patamares da IOR.

Até que o patriarca Kirill decidiu agir, antes que seja demasiadamente tarde.

O que aconteceu?

Em 9 de julho de 2019, o sínodo da IOR decorreu, pela primeira vez na história, na ilha remota de Valaam, sob as fortes medidas de segurança prestadas pelo Serviço Federal da Proteção (FSO), organismo estatal russo que zela pela proteção física das altas personalidades do Estado e do governo russo.
Igreja do eskete de São Vladimir, onde pela primeira vez na história, em 9 de julho de 2019, foi realizada uma reunião do sínodo da IOR. No centro está o patriarca Kiril. Foto: o serviço de imprensa do patriarca Kirill/Cirilo
Uma das decisões mais sensacionais deste sínodo foi a decisão unilateral do Kirill de iniciar o processo de «optimização» do sistema de educação eclesiástica da IOR. Cujo primeiro passo será a unificação compulsiva e urgente (com apresentação das medidas à seguir já no dia 1 de agosto de 2019) do seminário de Sretensky e academia de Moscovo.

O que seguirá?

O sistema da educação eclesiástica russa está numa crise profunda. Para garantir a não-fuga dos alunos, IOR introduziu uma espécie de “servidão” – quando graduados de academias e seminários da IOR assinam obrigações legalmente válidas, se comprometendo, de, por, pelo menos três anos, após receber o diploma, trabalhar na igreja ou então devolver à IOR as quantias astronómicas gastas na sua formação.
Seminário Sretensky em Moscovo. Foto: Victoria Odissonova / Novaya Gazeta
Quer o seminário de Sretensky, quer academia de Moscovo possuem os programas educativos equiparados ao nível do bacharelato e à magistratura. Os seus diplomas possuem o valor igual, embora, o seminário Sretensky detinha o estatuto não oficial de exemplar e constantemente apresentava o aproveitamento escolar superior à academia moscovita.

Mas na lógica implacável dos apparatchik da IOR, o arquirrival pessoal do patriarca tem que ser aniquilado, o ninho de Tikhon (Shevkunov) tem que ser completamente devastado.

Quo Vadis?

Durante os dez anos da sua liderança da IOR, o patriarca Kirill conseguiu erradicar, quase completamente, todos e quaisquer bolsas de oposição dentro da igreja e construir um forte vertical de poder – talvez até mais forte do que na própria Rússia de Putin. Ninguém de seu séquito se atreve a contradizê-lo.

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O metropolita derrotado Tikhon, está tentando se desdobrar em Pskov, transformando-o em um centro alternativo da IOR. Ele está lá construindo o maior de seus “parques históricos”; conseguindo atrair os fundos de ricos patrocinadores moscovitas para o restauro dos mosteiros-chave da região e da catedral da diocese. Neste outono Tikhon pretende abrir um seminário local no mosteiro Pskov-Pechora, onde está planeando construir um análogo de Sretensky. Tikhon é um perfeccionista, mas em Pskov falta-lhe o “material humano”. Em Moscovo quase cinco mil fieis se consideravam seus paroquianos, em Pskov, em todos os 26 templos da cidade, há apenas 1.600 paroquianos cativos. Um número ínfimo deles são jovens.

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Tikhon (Shevkunov) é adepto do “projeto neo-bizantino” da Rússia (parte da agressiva doutrina do mundo russo), ele promulga o mito da “unção divina” do Putin e defende a sucessão espiritual da história soviética e imperial russa. Mas o ataque que ele vive no seio da IOR não está ligado à ideologia. O patriarcado russo, de igual modo, esmagaria qualquer outro notável, com quaisquer tendências ideológicas, se a sua importância e influência pudessem, de alguma forma, ameaçar o poder quase absoluto do patriarca russo.
Putin e metropolita Tikhon. Foto: RIAN
Conhecendo as extensas conexões do metropolita Tikhon no topo das estruturas de poder estatal russo, é difícil livrar-se da impressão de que o que está acontecendo com ele é uma projeção na vida da IOR da “batalha dos titãs”, que já se desenrola em torno da “transferência de poder” nas vésperas do fim da era Putin. Tal como é impossível prever o resultado da batalha entre os clãs, elites e grupos de influência do poder russo, também é impossível prever o desfecho da luta na IOR. As chances das partes, por enquanto, são sensivelmente iguais.

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