segunda-feira, novembro 06, 2017

O início real do terror vermelho: as primeiras vítimas

A organização russa de direitos humanos Memorial recorda, numa exposição pública, o destino dos primeiros prisioneiros políticos do regime bolchevique, os cidadãos presos nos primeiros dias e meses da existência do governo soviético – desde o golpe comunista até a dispersão da Assembleia Constituinte (25 de outubro de 1917 – 4 de janeiro de 1918), escreve El Pais.
Morte à burguesia e aos seus capangas. Viva o terror vermelho!!
foto do arquivo | 1918
A exposição mostra os retratos e biografias de 54 pessoas, as primeiras vítimas da repressão política soviética. Para recuperar os seus destinos são usadas as fotografias, documentos arquivísticos (materiais dos seus processos políticos) e a publicação de numerosos jornais no final de 1917, que, apesar da censura bolchevique, conseguiriam, por alguns meses, publicar a informação sobre as práticas repressivas do novo poder soviético. A galeria de retratos fecha com imagem de Ivan Manukhin, o médico da prisão da fortaleza de Pedro e Paulo em Petrogrado, que negociou resgates pela libertação dos prisioneiros e acabou exilando-se na França.
"As cadeias bolcheviques"
Jornal "Sovremennoe Slovo", 28/12/1917
fonte @Memorial
Nesses meses turbulentos, as instituições do antigo regime entraram em colapso e os bolcheviques que depuseram o governo provisório de Alexandre Kerensky ainda não sistematizavam a polícia e o aparelho de justiça. O jornalista, historiador e editor Vladimir Burtsev foi o primeiro a ser preso quando o cruzador “Aurora” ainda não havia dado o sinal de assalto do Palácio de Inverno. Detidos de forma breve, seguiram um militar (general Jaques Bagratuni, cunhado de Kerensky) e um ministro do governo provisório. As prisões estavam cheias, havia sérios problemas como escassez, guerra, a busca de uma paz separada com a Alemanha. A resistência aos bolcheviques ainda era escassa. Os carcereiros poderiam permitir-se libertar os prisioneiros da revolução com rapidez. Os jornais da época, as memórias e os arquivos estaduais são as fontes que Borís Belenkin, membro da direção do Memorial e responsável pela sua coleção de documentos, utilizou na montagem da exposição. Alguns retângulos brancos estilizados e lacónicos, decorados com fotografias “esbatidas” marcam as paredes da sede do Memorial. Em cada retângulo, um destino, dos ministros do governo provisório dominado pela revolução, aos industriais e banqueiros, aos militares, economistas, médicos, arquitetos, sacerdotes e ateus, funcionários, estudantes, homens e mulheres, judeus e anti-semitas.
Vladimir Burtsev, fotógrafo desconhecido. Artigo sobre a sua detenção.
Jornal "Narodnoe Slovo", 28/10/1917 fonte @Memorial
Ao sair da prisão, os primeiros detidos em parte emigraram, em parte, ficaram novamente presos, no futuro. A maioria, diz Belenkin, “estão em Sainte Geneviève des Bois [cemitério de Paris onde descansam os restos de muitos emigrantes russos], pereceram em algum lugar no GULAG ou foram fuzilados e enterrados em valas comuns”.
Pedido de transferência dos presos devido à sobrelotação das cadeias.
Petrogrado, 28/11/1917 Arquivo Estatal da Federação Russa
fonte @Memorial
De sua cela na fortaleza de Pedro e Paulo, Burtsev escreveu as memórias de um ministro czarista alojado na cela adjacente, com quem se comunicava batendo na parede. Quando foi libertado, em fevereiro de 1918, ele emigrou para Paris, onde morreu na pobreza. Na prisão, o engenheiro Peter Palchinsky, que organizou a resistência ao assalto ao Palácio de Inverno, estava tecendo cestos. Libertado, mais tarde ele colaborou com as autoridades soviéticas na implementação do seu plano de eletrificação e foi fuzilado em 1929, acusado de conspirar contra a economia soviética.
A ordem de buscas domiciliares emitido em 30/12/1917 contra pianista,
maestro e compositor nascido na Ucrânia, Alexander Siloti

fonte @Memorial
Entre os primeiros a serem presas, também estava Sofia Pánina, uma rica aristocrata russa a quem chamavam de “princesa vermelha”. Filantropa e promotora do movimento de libertação feminina, Pánina construiu uma casa de aldeia para receber e educar crianças e adultos em São Petersburgo. Foi deputada da Duma municipal de Petrogrado e participou no Governo Provisório. Os bolcheviques a acusaram de desperdiçar fundos públicos. Pánina ajudou o movimiento branco (monárquico), emigrou e está enterrada em Nova Iorque.
Sofia Pánina em 1913 e artigo sobre a sua prisão, jornal "Sovremennoe Slovo", 03/12/1917
fonte @Memorial
Interessante é a figura de Pavel Dolgorukov, um dos líderes dos cadetes (do partido liberal dos Democratas Constitucionais, conhecido como KD em sua sigla russa), formado em física e matemática, proprietário de terras, pacifista e seguidor de escritor Lev Tolstoi. Ele foi exilado da Crimeia e queria estabelecer ligações entre a emigração e a Rússia soviética, onde ele chegou ilegalmente duas vezes. Na segunda vez, em 1926, foi detido e preso. Foi fuzilado em Kharkiv com cerca de 20 outros reféns em retaliação pelo assassinato do representante soviético na Polónia.

Nomes ilustres
A permissão, dada à esposa, para visitar na cadeia o advogado e político Fyodor Kokoshkin.
Assassinado, à sangue frio, no hospital prisional, sofrendo de tuberculose, em 7(20) de janeiro de 1918.
fonte @Memorial 
Na fortaleza, Alexandr Vyshnegradski, banqueiro, industrial e filho de um ministro das finanças czarista, compunha música e uma de suas obras foi tocada nas instalações do Memorial na abertura da exposição. Entre os detidos também estava Vladimir Nabokov, professor de Direito e pai do escritor do mesmo nome. Ele morreu assassinado em Berlim em 1922. Serguéi Tretyakov, fabricante e membro da família fundadora da famosa galeria de Moscovo, que recebeu o nome dele, teve pouca sorte. Tretyakov colaborou com o governo soviético e morreu em um campo de concentração alemão, fuzilado pela Gestapo em 1944. Mónaco foi o destino final de Mikhail Teréshchenko, Ministro das Finanças e dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório, industrial e empresário açucareiro. Da família Teréschenko existem em Kyiv, na Ucrânia, as mansões que abrigam o Museu da arte russa [desde março de 2017 o Museu Nacional “Galeria de Arte de Kyiv”] e o Museu de Arte Ocidental.
Mikhail Teréshchenko foto @Wikipédia
Belenkin estima que nos últimos meses de 1917, várias centenas de pessoas foram presas em Petrogrado e várias centenas mais em Moscovo. A polícia política do novo regime foi sistematizada apenas à partir de dezembro de 1917 quando foi criada a Comissão Extraordinária de Luta com a Contra-revolução e Sabotagem [a famigerada CheKa]. A exposição não documenta qualquer pena de morte. Em vez disso, inclui algumas vítimas de linchamentos, um padre, um deputado da Duma e dois líderes dos cadetes.

1 comentário:

Luiz G. Souza disse...

Excelente artigo. Além de resgatar fotos das primeiras vítimas da Revolução Bolchevique, traz muitos dados históricos até então desconhecidos do grande público, o que revela o minucioso trabalho de investigação levado a efeito pelo autor!