No
dia 3 de novembro, se passou despercebida uma outra data histórica importante, em 1968, e pela primeira vez, a União Soviética começou fabricar o papel
higiénico moderno, até ai, um “luxo burguês” disponível apenas à uma certa elite
ligada ao partido comunista.
Em
1968, na fábrica de celulose e papel da cidade de Syasstroy
(região
de Leninegrado), foram montadas duas máquinas britânicas de produção de papel
higiénico. No dia 3 de novembro de 1969, nas vésperas da “grande revolução de outubro”,
começou a produção do papel em série. Que, no entanto, recebeu a procura praticamente
nula da população: os cidadãos soviéticos simplesmente não sabiam o que fazer
com este produto.
Somente
após uma campanha publicitária em larga escala (o produto foi divulgado em forma
de filmes publicitários nos cinemas soviéticos), começou um boom real. O meio
de higiene pessoal, tão familiar em todo o mundo, na URSS imediatamente se
tornou um deficit tremendo e até a década de 1980 só poderia ser obtido pelo
cidadão após passar por enormes e intermináveis filas.
Que, por vezes, eram de
tal maneira gigantescos, que quando o produto era “deitado fora” (eufemismo
soviético para a “venda livre”), as lojas organizavam a sua venda na rua, fora
dos recintos comerciais, para que a multidão em procura do deficit não
perturbasse, por completo, o comércio restante. Os “felizardos” compravam
10-20-30 rolos de cada vez, colocando as numa cordinha e transportando ao
tiracolo. Tal & qual os marinheiros revolucionários em 1917, na sua luta
pelo mundo melhor, isso é, pelo mundo da “democracia popular”, rumo ao “comunismo
científico”.
O
seu primeiro contato com o papel higiénico em uma casa de banho / banheiro em
Paris foi descrito pelo Vladimir Mayakovsky no verso “Parisiense” (1929): a
incompreensível palavra “pipifax” era desconhecida pela absoluta maioria dos seus
leitores.
Quem
não viveu na URSS tem a dificuldade de imaginar essa situação. Os cidadãos
soviéticos tinham a maior dificuldade de acreditar que no exército americano aos
militares forneciam o papel higiénico. “Como é possível?!!” – clamavam os representantes
da inteligentzia soviética, – “um soldado não deve ser tão mimado! E como fica
o seu espírito de luta e do sacrifício?!!”
Até
a data, os cidadãos usavam os jornais: “Pravda”, “Izvestia”, “Trud”, os
matutinos e vespertinos regionais. Os jornais recortados não podiam ser colocados
dentro das sanitas, as entupiam. Por isso nas casas de banho / banheiros eram
colocados os baldes, geralmente metálicos. Os baldes permitiam queimar os
montinhos de jornais, quando estes começavam à transbordar. Nas décadas do
terror estalinista, os cidadãos que usavam o papel dos jornais nos komunalkas
(apartamentos comunais) recortavam das folhas usadas os retratos dos queridos
líderes. Devido aos diversos casos anteriores, em que os vizinhos maldosos denunciavam
os seus outros vizinhos de serem “inimigos do povo”, por se limparem com os
retratos dos líderes bolcheviques da época. O delito maior, naturalmente
cometiam aqueles “trotskistas da direita” que ousassem atentar contra a imagem
do chefe dos chefes – Estaline. Havia casos, em que as denúncias eram
acompanhadas de “provas materiais”. Infelizmente, estes casos não são nem
exagero, nem a invenção. A pura e triste realidade da sociedade soviética da
época.
No
início da década de 1980, nas vésperas dos Jogos Olímpicos de Moscovo, no comércio
moscovita apareceu o papel higiénico finlandês de marca Nokia. Os operários e camponeses
da pátria socialista entravam em choque cultural, pois “Nokia Silk” era dupla e
de qualidade superior. Muito mais fofinha do que a folha do jornal “Pravda”. Na
província soviética o papel higiénico apareceu apenas na segunda metade da
década de 1980 e continuava ser deficit comercial.
Depois
chegou o capitalismo selvagem e os cidadãos se esqueceram das boas tradições socialistas
do passado, deixaram de sentir a proximidade com os líderes do povo...
“Filhos
meus, viram os suplementos dos jornais russos?
Viram
os eleitos, os melhores, os dignos e mais certos dos certos?
Contemplem,
caladamente, os seus rostos, amarfanhando o papel nas mãos,
Saudando
silenciosamente a sabedoria da natureza gentil”.
Blogueiro
No
Dicionário Mercantil soviético, que continha a descrição de todos os itens
produzidos na URSS, na sua edição de 1956 realmente está presente o papel
higiénico:
Na
Lituânia, na cidade de Grigiškės, na
fábrica de papel Grigiškės,
fundada em 1823 por um industrial polaco/polonês, a produção de papel higiénico
foi iniciada antes da II G.M. Possivelmente, após a ocupação da Lituânia pela
URSS, a fábrica poderia produzir o papel higiénico, em quantidades muito reduzidas
e disponíveis apenas às elites soviéticas, ligadas ao partido comunista.
Mais,
o já mencionado Dicionário Mercantil descreve o papel higiénico soviético de
seguinte forma: “é fabricado à partir do papel não colado [...] de cor natural de
fibra não esbranquiçada [...] a
composição não é normalizada”. Ou seja, antes de 3 de novembro de 1969 a URSS comercializava
sob o nome do papel higiénico o simples papel castanho, também usado para a escrita,
apenas cortado em retángulos de 130 x 135 (ou 170 x 135). Ao preço entre 68 à 80 copeque / kg (1,15 – 1,35 dólares / kg) e com as sensações que os nossos leitores podem
experimentar, usando para o efeito o papel que das vossas impressoras caseiras.
Não
é de estranhar, que praticamente até a queda da URSS os cidadãos soviéticos
preferiam os jornais. Eram muito mais baratos (cada jornal custava apenas 3-5 copeque, para garantir a disseminação mais larga da propaganda estatal e um rolo já custava 28 copeque, ou seja 0,47 dólares)
e no decorrer do processo se podia ficar etretido e informado sobre a
atualidade política, cultural ou desportiva, com a sorte mesmo da internacional.
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