Os
cidadãos que sonham de voltar à viver na União Soviética geralmente não conseguem
explicar o que eles fariam nesta URSS 2.0: os cidadãos da URSS não tinham o
direito de fazer nenhum negócio, não participaram da vida social e política do
país. Toda a sua vida social terminava em um clube de costura no palácio de
veteranos (elas) e nos jogos de dominó num banco do pátio do seu prédio (eles).
“Igualdade”,
ao qual adorava se referir o partido comunista, consistia no facto de que todas
as franjas da sociedade soviética (trabalhadores, intelectuais, serviçais)
viviam de forma muito monótona, tinham poucos direitos civis e muitas
responsabilidades e, o mais importante, praticamente não possuíam nenhumas oportunidades
para mudar toda essa rotina.
Todas
as ilustrações são da autoria da pintora ucraniana Anzhela
Dzherih.
Manha
do homem soviético
A
manhã começou do homem soviético começava com a chamada da estação de rádio “Mayak”
e o programa “Bom dia”, nos anos finais da União Soviética, era a melodia
gravada da canção “Não são ouvidos no jardim, nem mesmo os murmúrios”. Os
sinais de chamada eram transmitidos às 8 da manhã, e para muitos cidadãos
soviéticos isso era uma espécie do despertador. O homem soviético saia da cama
e ia até a cozinha – se era cidadão com sorte tinha a sua própria cozinha num
apartamento num prédio chamado “khrushchevka” ou “brezhnevka”, os menos
afortunados iam à cozinha comum de um apartamento comunal.
Na
cozinha era preparado o pequeno-almoço / café da manhã. Na melhor das hipóteses
eram salsichas, pão e manteiga e mortadela cozida em cima, um par de ovos
cozidos, uma papa qualquer. No pior caso, poderia ser apenas um pedaço de pão
com um copo de kefir ou leite (opção de solteiro). Sem vegetais e frutas, o bom
café também era um deficit, por isso o mais frequentemente bebiam o chá preto
comum [da 2ª qualidade, dado que o chá soviético de luxo e 1ª qualidade,
colhido, digamos, na Geórgia, era destinado à exportação aos países
capitalistas]. Escovavam-se os dentes, geralmente antes do pequeno-almoço /
café de manha, usando as pastas dentífricas da má qualidade na base do pó
abrasivo, como resultado aos 35-40 anos a maioria dos cidadãos soviéticos tinha
dentes horríveis. Basta ver os sorrisos dos atores soviéticos, eram as pessoas,
na URSS, que mais cuidavam da sua aparência.
Após
o pequeno-almoço / café da manhã, o homem soviético tinha, necessariamente de sair
da casa – na União Soviética praticamente não existia o trabalho dentro de casa,
emprego privado ou trabalho livre. Na chuva, na neve, na tempestade de neve, pessoa
tinha que ir trabalhar à alguma fábrica ou escritório – havia poucas viaturas particulares na URSS, e na maioria das vezes cidadão tinha que usar um
autocarro/ônibus, elétrico/bonde, troleicarro ou metro superlotado de outros
cidadãos sofredores. Devido à superlotação do transporte, algumas vezes surgiam
os conflitos, insultos e até pancadarias.
No
quiosque na paragem/parada do transporte público era possível comprar um jornal
e cigarros – na URSS muita gente fumava, uma grande parte de homens e muitas
mulheres. Às vezes, junto podia-se comprar alguns bolinhos e sorvete.
Dia
do homem soviético
O
dia do citadino decorria no trabalho em alguma fábrica ou escritório, não havia
opções alternativas, não era possível planear a sua vida como nos países
desenvolvidos ocidentais e capitalistas – digamos, trabalhar por 10-15 anos na
fábrica, reunir algum dinheiro e abrir o seu próprio negócio: a lavagem de
carros ou um pequeno café – os negócios privados legais não existiam na URSS e,
cidadão chegava à uma fábrica com 20-25 anos, e tinha que trabalhar nela até a
sua reforma/aposentadoria; o crescimento da carreira poderia acontecer com a
subida na categoria profissional, assim como ainda era possível se tornar mestre
da sua unidade, recebendo o aumento salarial de 30 rublos (50,84 dólares ao
câmbio oficial).
Na
maioria das vezes o trabalho era muito aborrecido – a repetição de algumas
operações de produção simples, o preenchimento de papéis – na verdade, o que no
mundo desenvolvido não pertence à categoria de conhecimento profissional, mas apenas
faz parte da “habilidades”. Era extremamente raro encontrar um emprego
interessante – alguns sortudos eram geólogos, relativamente bem viviam atletas de
alta competição [que a propaganda soviética escondia e camuflava de “amadores”]
e diplomatas, mas eram uma minoria, os 90% dos cidadãos soviéticos foram a um emprego
de rotina e, na maioria das vezes, nunca saiam fora da suas cidades de habitação.
No
meio da jornada laboral havia uma pausa para o almoço – o homem soviético era alimentado
na cantina da sua unidade produtiva, para economizar tempo de trabalho – o que era
apresentado como uma incrível bênção e preocupação para com o cidadão. O almoço
poderia ser pago pelo funcionário ou ser “condicionalmente de graça” – isso, é,
o seu custo era essencialmente deduzido do salário do trabalhador (os almoços eram
pagos dos orçamentos de fábricas), mas também era apresentado como uma bênção
incrível e a conquista do socialismo – somos alimentados gratuitamente, um
milagre! Os trabalhadores podiam beber no almoço, às escondidas, se
conseguissem trazer alguma bebida escondida no bolso.
Após
o almoço, o dia útil continuava, embora com menor eficiência – se as fábricas
ainda tinham que garantir a produção consoante o “plano” (fabril, estatal, etc),
os funcionários nos escritórios à tarde, muitas vezes relaxavam e não trabalhavam,
conversavam e resolviam as questões pessoais – esses episódios, por sinal, são
repetidamente criticados nos filmes e folhetins satíricos soviéticos. Os fãs da
URSS por algum motivo não gostam de falar sobre isso, mas a força de trabalho
na URSS funcionava de uma forma extremamente ineficiente porque as pessoas não
estavam interessadas nos resultados do seu trabalho e sabiam que só seriam
demitidas em casos muito excepcionais.
Às
18:00, o dia útil terminava e o homem soviético se dirigia para a paragem/parada
dos transportes públicos para ir para casa.
Tarde
do homem soviético
Era
possível logo ir para casa ou, então passar pelas lojas, ficando algum tempo
nas filas intermináveis para comprar alguma comida. Nas filas, o cidadão poderia
conversar e pensar sobre a vida – tinha imenso tempo. O que o homem soviético
comprava para o jantar? Os produtos mais comuns eram as mesmas salsichas, mortadela,
batatas, arenque, cereais, pão, macarrão, espadilhas em molho de tomate,
repolho e queijo fedorento. Os bons alimentos na base de proteína eram poucos.
Depois
do jantar chegava a hora de assistir televisão – os apresentadores do programa
“Vremya” [o principal telejornal soviético às 20h00] com vozes bem colocados informavam
os cidadãos soviéticos que no país tudo está bem, aumenta a produtividade
leiteira, aumenta a tonelagem de ferro fundido, as cerejas cresceram, a beterraba
floriu, o partido comunista e o governo soviético já eliminaram o pequeno
acidente industrial de Chornobyl, no Afeganistão, em área de passagem do Salang,
desembarcou a divisão aerotransportada soviética e sob o fogo pesado dos mujahedeen
construiu mais um edifício de apartamentos, nos EUA decorrem os protestos de
massa e os cidadãos passam a fome. Depois que o programa “Vremya” era
demonstrado o filme sobre os agentes soviéticos [os espiões eram apenas ocidentais]
ou um jogo de hóquei no gelo.
Muitas
vezes os filmes sobre os agentes eram assistidos apenas pelos homens, as
mulheres iam às cozinhas para cozinhar o almoço de amanhã e fazer outras
tarefas domésticas de rotina. Nas outras atividades puramente masculinas, havia
encontros populares em bares locais para beber a cerveja com o peixe seco, e as
mulheres conversavam sobre coisas domésticas e/ou parentes. De vez em quando, o
cidadão podia ir ao cinema ou a um concerto, e todo o país estava à espera de festividades
como o Ano Novo – que, pelo menos, diluíam, um pouco, o cinzentismo e a monotonia
generalizados.
Na
verdade, tudo isso representava 90% da “vida feliz soviética”, que é lembrada
com tanta nostalgia pelos fãs da URSS – “ah, que pessoas eram! E que tempos eram!”
Curiosamente, esse mesmo “paraíso soviético perdido” é muito parecido com as
descrições do céu celestial de vários tratados de filósofos medievais – eles imaginavam
o paraíso como uma “reunião de massa dos justos” que se levantam ao toque de em
um sino, andam em formação, cantam canções para a glória de Deus e em nada mais
estão envolvidos. Cantaram – e foram dormir, amanhã é o novo dia.
E
assim deveria continuar até a eternidade. Este topo de “paraíso” desanima muito
bastante, uma pessoa não tem o direito de influenciar de alguma forma o que
está acontecendo e não é o mestre de seu destino – assim, como, na verdade, acontecia
na URSS.
E
vocês, os nossos queridos leitores, gostariam de viver num país assim?
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