terça-feira, novembro 07, 2017

O custo da revolução bolchevique em vidas humanas

O monumento ao Lenine, em Byarozavtsy, em Belarus, 2017. O texto em belaruso diz: “Arde no inferno, CARRASCO”
foto @facebook.com/nuno.rogeiro
O demógrafo americano Rudolph Rummel, o perito em contabilizar todos os homicídios em massa causados por governos, estimou o total de vidas humanas dizimadas pelo comunismo do século XX em 61 milhões na União Soviética, 78 milhões na China, e aproximadamente 262 milhões ao redor do mundo. Todas essas vítimas pereceram de inanições causadas pelo estado, coletivizações forçadas, revoluções culturais, expurgos e purificações, campanhas contra a renda não-merecida, e outros experimentos, envolvendo a engenharia social.
Ler o texto integral on-line em inglês
por: Yuri N. Maltsev, membro sênior do Mises Institute

O golpe dado por Lenine no dia 7 de novembro de 1917, o dia em que o governo provisório de Kerensky caiu perante as forças bolcheviques, abriu uma nova etapa na história humana: um regime de escravidão do povo. Marx e Engels haviam definido o socialismo como “abolição da propriedade privada”. Na prática, o componente mais fundamental da propriedade privada — a propriedade do indivíduo sobre si próprio — foi o primeiro a ser abolido.

Destruição no atacado

Os maiores alvos dos marxistas sempre foram a família, a religião e a sociedade civil — obstáculos institucionais à imposição do estado onipotente. Com os bolcheviques no poder, Lenine se dedicou com ímpeto à destruição destas instituições.

Milhões de famílias foram capturadas, presas e coercivamente realocadas para as remotas e desabitadas regiões da Sibéria e do Cazaquistão. Durante a jornada ao exílio, centenas de milhares de crianças morreram enfermas ou de inanição, sendo enterradas em volumosas covas coletivas sem qualquer identificação.

A primeira parada oficial de pioneiros em Moscovo, 1924
Em 1935, Estaline introduziu o Artigo 12 do Código Criminal da URSS, o qual permitia que crianças a partir de 12 anos de idade pudessem ser condenadas à morte ou encarceradas como adultas. Esta lei foi criada visando especificamente às crianças órfãs das vítimas do regime, sob a crença de que, se os pais eram “reacionários”, então seus filhos também seriam. Várias dessas crianças, cujos pais haviam sido encarcerados ou executados, eram conhecidas como bezprizorni, isto é, crianças de rua. Elas foram enviadas para celas imundas e desguarnecidas localizadas em gulags selvagens e violentos, onde foram misturadas a perigosos criminosos. Nestas celas, as crianças eram brutalizadas e estupradas tanto pelos guardas quanto pelos criminosos comuns.


A União Soviética foi o primeiro estado a ter como objetivo ideológico e prático a eliminação da religião — ou, em outras palavras, o extermínio físico de pessoas religiosas. Com o decreto de Lenine de 20 de janeiro de 1918, deu-se início à estatização das propriedades eclesiásticas: igrejas, catedrais, capelas, pátios das igrejas e todos os edifícios pertencentes a igrejas foram espoliados e saqueados, e todos os itens valiosos (ouro, prata, platina, quadros, ícones, artefatos históricos) foram ou roubados por comunistas ou vendidos ao Ocidente via burocratas do governo, simpatizantes comunistas, e até mesmo viajantes simpatizantes do regime, como o magnata americano Armand Hammer, que conheceu Lenine em 1921.

Ser religioso na União Soviética quase sempre significava uma sentença de morte. O objetivo era o monopólio completo e absoluto do estado sobre as idéias e o espírito das pessoas. E a maneira de fazer isso era por meio da imposição de uma religião secular, o socialismo. Praticamente todos os clérigos e milhões de devotos de todas as religiões tradicionais foram ou fuzilados ou enviados para campos de trabalhos forçados. Seminários foram fechados e publicações religiosas, proibidas.
O marxismo-leninismo almejava ser um socialismo científico, capaz de apresentar a explicação universal para a natureza, a vida e a sociedade. No entanto, quaisquer desvios em relação a esta ideologia, especialmente o uso de métodos da tradicional ciência “burguesa”, eram punidos com morte. A perseguição aos cientistas não alinhados — que deu origem ao lysenkoismo — acabou se degenerando em um verdadeiro genocídio da classe. E a ciência russa, que até então havia prosperado aceleradamente, entrou em rápido declínio.


Um fracasso abjeto

Em dezembro de 1991, após setenta e quatro anos de caos, destruição e miséria, a revolução bolchevique fracassou e finalmente foi oficialmente abolida. O país mais extenso da terra, repleto de abundantes recursos naturais de todos os tipos, não mais conseguia nem sequer suprir as necessidades básicas de seus cidadãos.

Sem propriedade privada sobre os meios de produção, sem uma economia de mercado com um sistema de preços livres, e sem ter como fazer cálculo de lucros e prejuízos, o arranjo simplesmente não tinha como alocar racionalmente recursos escassos.

O mais lamentável é que tudo isso era perfeitamente evitável. Ainda em 1920, Ludwig von Mises já havia demonstrado de maneira até hoje irrefutável que o socialismo, além de utópico, era um esquema ilógico, antieconômico e impraticável em sua essência. Ele é impossível e destinado ao fracasso porque desprovido da fundamentação lógica da economia: o socialismo não fornece meio algum para se fazer qualquer cálculo econômico objetivo — o que, por conseguinte, impede que os recursos sejam alocados em suas aplicações mais produtivas. 

E a efetiva implantação prática do socialismo mostrou a total validade da análise de Mises. O socialismo tentou substituir bilhões de decisões individuais feitas por consumidores soberanos no mercado por um “planeamento económico racional” feito por uma comissão de iluminados investida do poder de determinar tudo o que seria produzido e consumido, bem como quando, como e quem faria a produção e o consumo. Isso gerou escassez generalizada, fome e frustração em massa. Quando o governo soviético decidiu determinar 22 milhões de preços, 460.000 salários e mais de 90 milhões de funções para os 110 milhões de funcionários do governo, o caos e a escassez foram o inevitável resultado. O estado socialista destruiu a ética inerente ao trabalho, privou as pessoas da oportunidade e da iniciativa de empreender, e difundiu amplamente uma mentalidade assistencialista.

O socialismo produziu monstros como Estaline e Mao Tsé-tung, e cometeu crimes até então sem precedentes contra a humanidade, em todos os estados comunistas. A destruição da Rússia e do Camboja, bem como a humilhação sofrida pela população da China e do Leste Europeu, não foram causadas por “distorções do socialismo”, como os defensores dessa doutrina gostam de argumentar. Elas são, isto sim, a consequência inevitável da destruição do mercado, que começou com a tentativa de se substituir as decisões económicas de indivíduos livres pela “sabedoria dos planeadores”.

O fracasso do socialismo não depende da cultura, da época ou da localização das vítimas. Vai da Alemanha à Venezuela; de Cuba ao Camboja; da Coreia à Nicarágua. O socialismo já é falho em seu núcleo: a propriedade “coletiva” dos meios de produção. Sendo assim, não há como criar uma versão funcional e produtiva do socialismo em lugar nenhum do mundo.

Na prática, os problemas teóricos do socialismo geram convulsões sociais e protestos, os quais são combatidos com rigor pelas forças policiais do estado, resultando em uma carnificina maior que a de todas as guerras oficiais já travadas no mundo. Quando o povo se torna faminto e infeliz, é impossível o estado sobreviver caso esse povo saiba que há pessoas em outros lugares do usufruindo uma vida muito melhor. Por isso, os estados comunistas recorrem à propaganda, à desinformação e à censura para fazer com que uma já cativa população fique ainda mais confusa e submissa.

Infelizmente, em 1920, o entusiasmo pelo socialismo era tão forte, principalmente entre os intelectuais ocidentais, que os alertas de Mises foram totalmente ignorados. E a humanidade pagou caro por isso.

A ameaça sempre existe

Tendo por base minha própria vida na União Soviética, período esse que acabou no mesmo ano em que [...] colapsou o Muro de Berlim, posso apenas atestar toda a validade da declaração feita por Ludwig von Mises de que o socialismo equivale a uma “revolta contra a economia”.

E, no entanto, o socialismo ainda possui milhões de simpatizantes no Ocidente. Muitos acreditam que o socialismo é bom, e que o comunismo, o fascismo e o nazismo é que são violentos e anti-democráticos. A mentalidade anticapitalista gerou homicídios em massa em todos os países socialistas, e segue gerando sofrimento até hoje nos locais em que ainda é experimentado.

A União Soviética já acabou, assim como as enormes estatuas de Marx e Lenine que literalmente emporcalhavam várias cidades do Leste Europeu. Porém, idéias têm consequências, e nenhum outro corpo de idéias atraiu um número maior de seguidores devotos do que o marxismo-leninismo.

Se o poderoso argumento da impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo e a astronômica carnificina gerada por esse regime ainda não foram capazes de desanimar a esquerda em suas reiteradas exortações por mais socialismo, então nada mais o fará.

Há um aforismo russo que diz: “A única lição da história é que não aprendemos nada com a história”. Para um enorme número de pessoas — que continuam ignorando que o socialismo é uma ideia falida e mortal, tanto na teoria quanto na prática — isso nunca foi tão verdadeiro.

Bónus
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A pré-publicação de um capítulo do livro-referência de Orlando Figes, editado em Portugal pela D. Quixote: 1917. Dos autocratas de Smolny à tragédia de um povo

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