Falando
de desigualdades de género no espaço pós-soviético é impossível omitir as raízes
dessa mesma desigualdade, criada na União Soviética e, de facto, uma espécie de
continuação das “gloriosas tradições soviéticas”.
Foi
na URSS, sob o lema do “direito ao trabalho”, a mulher foi obrigada a
trabalhar, muitas vezes em condições fisicamente difíceis e nocivos, além de
desempenhar o papel de uma mulher-serva, obrigada à servir o marido e os filhos
– uma imagem amplamente promovida como “normal e natural” em numerosos filmes,
livros e outros meios de comunicação soviéticos.
Situação após o golpe bolchevique
Após
o golpe de Estado de outubro/novembro de 1917 a Rússia soviética declarou “equação
absoluta de direitos de todas as franjas da população”, e no mesmo ano de 1917
em um dos decretos foi anunciado a igualdade dos direitos entre os homens e
mulheres, acabando com o “legado obscurantista do czarismo”! A Rússia soviética
possuía a sua própria “marxista feminista”, a diplomata Alexandra Kollontai
que acreditava que a relação entre um homem e uma mulher foi estragada pela propriedade
privada e [advogava a teoria comportamental de cariz sexual, chamada de “copo
de água”, em que o coitos era visto como a necessidade tão básica e simples
como beber um copo de água no momento da cede].
Uma
parta da nova legislação era progressista – a nova lei do casamento civil
permitia à mulher manter o seu apelido/sobrenome de solteira, reconheceu o
direito ao aborto, simplificou o processo de divórcio. Basicamente eram os
direitos que não exigiam esforços e custos especiais do novo governo comunista.
Ao mesmo tempo, toda a mulher agora era obrigada à trabalhar – sob a pena de
responsabilidade criminal como “elemento improdutivo”.
No
início dos anos 1930, começa o retrocesso ao “imperialismo tradicionalista” –
as mulheres foram novamente reduzidas em direitos e, de fato, estavam perdendo as
poucas liberdades que adquiriam na década de 1920. Em geral, este é um fenómeno
muito interessante – a URSS dos anos 1930 absorveu os piores traços do império
russo pré-1917, que os bolcheviques da “velha guarda” não conseguiam entender e
não queriam aceitar, o que não fariam muita diferença, pois, pratiamente todos
eles foram exterminados pelo Estaline.
Mulheres
na época de Estaline
Sob
Estaline aumenta a repressão contra as mulheres: em 1935 a União Soviética
deixa de produzir os meios anticoncepcionais, em 1936 são proibidos os abortos.
No mesmo ano, em 1936, é adotada uma lei que dificultou o processo de divórcio,
e os casamentos livres também, de facto, foram banidos. Em 1943, ressurge a
educação separada de meninos e meninas (existente nos ginásios da época czarista),
estado soviético pretende educar os rapazes como “guerreiros e combatentes de
linha da frente e da retaguarda” e as meninas como “mães e educadoras”. Em 15
de fevereio de 1947 a URSS proíbe os casamentos com os cidadãos estrangeiros.
Ou
seja, de facto, as mulheres novamente foram colocadas “nos corais”, em termos
legais, a sua situação piorou comparando com os tempos czaristas – a maternidade
foi imputada às mulheres como um “dever socialista”, que, além disso, ainda eram
obrigadas a trabalhar em alguma fábrica ou no escritório. Toda a conversa sobre
“igualdade de mulheres” terminava em cartazes de propaganda – praticamente não
havia mulheres na liderança superior do partido comunista, de Komsomol, no
exército, serviços secretos ou sindicatos, toda a nomenclatura governante soviética
era composta por velhos dinossauros comunistas.
O
“direito ao trabalho” foi frequentemente interpretado de forma que as mulheres
podem agora ser recrutadas aos trabalhos físicos pesados, antes considerados
prerrogativa dos homens – na URSS isso era apresentado como uma espécie de “grande
conquista do socialismo”.
URSS
após o fim do estalinismo
Nos
anos 1960, em resultado do degelo de Khruschev, a vida das mulheres melhorou um
pouco – a partir de meados da década de 1950, na educação escolar, as turmas novamente
se tornaram mistas, a proibição do casamento com os estrangeiros foi abolida em
outubro de 1953, os abortos novamente foram permitidos, em 1965 novamente foi simplificado o procedimento do divórcio, em 1967 foi introduzido o conceito de “pensão
alimentícia”, em 1968 introduzida a licença paga de maternidade de alguns meses
– depois disso a criança tinha que ir à creche (onde as crianças choravam o
tempo todo sem a mãe), e a mulher era empurrada ao trabalho. [Desde 1941 à
1992 na URSS / Rússia existiu o imposto aos cidadãos que não tinham filhos,
o imposto era cobrado mesmo nos casos de filho único morrer, por exemplo na
guerra de Afeganistão.]
Ao
mesmo tempo o estado soviético propagava constantemente a imagem da “mãe
trabalhadora”; do ponto de vista da ideologia soviética, a imagem ideal da
mulher soviética era de uma mãe atenciosa que também trabalha fora de casa, executa
as tarefas domésticas, prepara refeições / jantares, fica nas filas para comprar
os alimentos, cuida de seu marido, resolve todos os problemas domésticos, lava
e engoma as roupas de toda a família.
Com
que ficamos no final?
—
Na verdade, não havia a “igualdade do género na URSS”. O facto de que a mulher
agora tinha a permissão de abrir as valas ou trabalhar nos locais de “construção
do socialismo” significava apenas uma pequena possibilidade de escolha,
oferecida pela lei de trabalho obrigatório – trabalhar em algum escritório, cavar com a pá ou com a picareta ou ser presa.
— Não existia a “igualdade de género na
família” – a mulher era vista como a dona de casa, que na URSS ainda era
obrigada à trabalhar para o Estado em algum emprego formal. Ao mesmo tempo, por
padrão, era considerado normal, quando uma mulher fazia todo o trabalho
doméstico – um homem à ajudá-la era visto quase como acto “indecente”.
—
Toda a política estatal soviética era determinada por homens, as mulheres com
poucas exceções receberam algumas tarefas internas de pouca importância,
como a pasta do Ministério da Cultura (Yekaterina Furtseva)
e, no essencial, a URSS era governada por velhos dinossauros, parecidos com os struldbrug do Swift. O
poder dos velhotes era evidente em quase todas as esferas da vida – desde o bombardeamento
ideológico de cariz conspirativo, despejado aos cidadãos, até a ausência de
produtos de higiene íntima feminina.
—
O sexismo doméstico florescia em todos os lugares – com todas as declarações de
“igualdade”, a mulher era considerada geralmente mais limitada intelectualmente
em relação ao homem, ela podia ser espancada – na sociedade soviética isso era
chamado de “ensinar à ser esperta”. As frases do tipo “bate então ama” eram muito
populares na URSS e eram considerados um exemplo de relações normais e, em
princípio, eram toleradas pela sociedade e cultura de massas.
Os
modelos franceses de Dior caminham entre as mulheres soviéticas, Moscovo, 1959:
Nina
Khrusheva e Jackelin Kennedy, 4 de junho de 1961, em Viena:
Foto
GettyImages | Internet | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia
em África]
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