A
ativista ucraniana Anna Huz manteve
o seu “Diário de uma [mulher] de Donetsk / uma hutsul” desde maio de 2014 como a «maneira de não enlouquecer e repensar os
acontecimentos no país», escreveu
ela própria
no prefácio do livro apresentado ao público em Kyiv.
Em
2013 Anna foi uma das pessoas que apoiaram ativamente o movimento de Euromaydan
de Donetsk, como diversos outros moradores da Donbas ela teve que deixar os
territórios ocupados. Hoje mora em Kyiv. «Se
voltar — serás
fuzilada», — disseram-lhe
«amavelmente» em Makiivka, quando ela saia do prédio, onde foi
torturada durante seis dias.
«Irás me comer a tua
bandeira ucraniana!»
Em
maio de 2014 Anna visitou Donetsk por um curtíssimo período de tempo, visitando
a sua filha menor que vivia com a avó, acreditando que os terroristas tem mais
o que fazer do que perseguir os ativistas do Euromaydan. Estava enganado e entrou
“na cave”, o eufemismo para as masmorras dos terroristas, usadas para deter e
torturar os seus oponentes políticos, reais ou imaginários.
O
seu apartamento foi invadido pelos terroristas na manha de 27 de maio de 2014.
Além de prende-la, juntamente com o namorado, os terroristas carregaram tudo que
acharam de valor: notebook,
câmara, telemóveis, cartões de crédito e panfletos «Pela Ucrânia unida». Com as palavras: «Vocês não sabem que as bandeiras ucranianas são proibidas no território da «dnr»?" — os terroristas armados
arrancaram a bandeira ucraniana da parede e a embrulharam na cabeça da Anna.
Os
dois foram levados a cidade de Makiivka, onde ela passou 6 dias numa das caves,
o que resultou em diversas cicatrizes e um dedo partido.
«Vou te matar! Cortar aos bocados! Vais me comer essa tua bandeira ucraniana!» — gritava um dos carrascos. “Ele brandia a faca na minha cara, batendo nos joelhos com as algemas”, – conta Anna. — Depois
espetou a faca no meu
joelho e a
virou. Fiz o mesmo com a outra
perna. O
terrorista ameaçava
com o estupro coletivo, corria
para fora, voltava e tudo começava de novo. Os outros quatro comparsas observavam a cena, como no teatro. No “final”,
ele disse: “É
hora de acabar
contigo, dobre a cabeça” – e fez uma corte no pescoço.
A
refém ensanguentada foi levada até o primeiro piso, onde outros terroristas
armados explicaram: se
Anna quer sobreviver, deve «confessar» tudo e ajudar atrair aos territórios
ocupados outros ativistas e jornalistas.
— Me
espancavam até sangrar, cortavam o rosto e as mãos, depois chamavam a enfermeira para tratar as feridas, – continua Anna. — Enfermeira, as escondidas me fez a injeção de anestésico. Em seguida, os terroristas mandaram
me a lavar o chão. Com as ligaduras ensanguentadas nas
mãos,
eu lavava
o corredor, depois o interior da
viatura que trazia
para a base os “milicianos”
mortos...
O comandante
dos terroristas, voltando
a “base”, zangou com os seis subordinados: “Vocês não
têm cérebros? Ela é preparada para a troca! O que eles vão pensar sobre a forma como
tratamos os prisioneiros?!”— levando Anna para o hospital.
Anna
e seu namorado foram libertados na troca de prisioneiros. “Sem os pertences, vá
até a saída, —
lhe
disseram os terroristas. —
Desculpem os traumas, estamos em guerra... Boa viagem. Caso volte – será
fuzilada”.
No «Diário» quase não se fala do seu cativeiro, não
há detalhes sangrentos.
— Sobre
isso será o meu próximo livro — conta
os planos a autora.
Testemunhos de Anna sobre a
sua passagem pelo cativeiro terrorista
foram incluídos no relatório
do Hugh Williamson, diretor da
Human Rights Watch. Os funcionários da ONG com sede nos EUA que
se dedica à defesa dos direitos
humanos documentam as
violações dos direitos humanos em mais de 70 países ao
redor do mundo.
Anna
conta que os seus familiares possuem diversos apelidos / sobrenomes e têm
registos domiciliares diferentes, o que os salvou.
— Pelo
cativeiro passou o meu pai, a irmã quase que foi capturada, no fim toda a
família, na qualidade dos “inimigos do povo”, teve que abandonar a “república
popular”.
O
pai da Anna não queria deixar Donetsk, um ano ele viveu na sua própria casa de
forma clandestina, sem ligar a luz ou a TV. Ele foi raptado no centro da
cidade, acusado de ser “corretor da artilharia ucraniana”, a patrulha dos
milicianos não gostou o facto de ele fotografar a cidade: os fontanários, neve, namorados,
crianças ou pombos… Embora os terroristas não acharam no telemóvel nenhuma imagem incriminatória,
ele ficou preso durante dez dias, oito dos quais trancado numa jaula, onde os antigos
donos legítimos mantinham os seus cães.
Antes de o libertar, os terroristas exigiram que ele assine a declaração de não
ter nenhuma reclamação à fazer.
A
irmã mais nova da Anna, Eugénia, também caçada pelos terroristas como ativista
do Euromaydan, mudou a sua aparência e foi ao Donetsk a procura do pai. Estava
em casa da irmã, Anna, quando percebeu que estavam forçando a porta de entrada.
Teve sorte, a porta blindada aguentou.
“Diário”
da Anna Guz é
uma história da refugiada interna, contra
a sua vontade, que vive com Donbas
na coração. “Conto
ao amigo que ficou
em Donetsk, sobre o meu dia. Digo: “Fiquei molhada na chuva” Ele responde: “Ainda bem que não foi com o “Grad”, – a autora lê as páginas do seu próprio livro.
— Durante a
minha palestra na universidade um
das alunas perguntou: “As pessoas vão para o trabalho sob os bombardeamentos? Igual em Kyiv: de manhã – no trabalho, à noite – na
Maidan”, – conta Anna Guz. – Espero que eu fui capaz de explicar aos interlocutores, como é – viver e ir ao trabalho sob os bombardeamentos, quando colapsam os prédios e morrem as pessoas. Os habitantes dos territórios ocupados vivem em
constante medo de entrar “na cave”, onde tudo pode acontecer ao prisioneiro. Quero que as pessoas em
toda Ucrânia
saibam como é
viver sob ocupação, e percebessem que nós, os participantes do Euromaydan de Donetsk fizemos tudo o que podíamos. E estamos fazendo! Afinal de contas, um terço dos
combatentes dos batalhões
voluntários são moradores
das
regiões de Donetsk e Luhansk (@fakty.ua).
Anna
pretende fazer a parte do grupo de ativistas de formação da ONG que irá unir os
ex-reféns das organizações terroristas “dnr/lnr”, chamada «Associação de prisioneiros».
Os
prisioneiros e reféns ucranianos em números e no filme
Recentemente,
na cidade de Varsóvia, os ativistas ucranianos apresentaram o filme documental
sobre os horrores que as organizações terroristas “dnr/lnr” submetem os reféns
e prisioneiros ucranianos.
Desde o início
da guerra russo-ucraniana cerca de 10.000-15.000 pessoas passaram pelo
cativeiro terrorista.
Cerca 2/3 eram presas pelos “delitos administrativos”: o “desrespeito” aos
terroristas ou aos horários do recolher obrigatório. Eles passavam no cativeiro
por alguns dias, eram usados nas limpezas, carregamento de munições ou na construção
das defesas dos “milicianos”. Eram alvos de violência e humilhações de nível
moderado.
Cerca de 1/3 dos prisioneiros eram prisioneiros políticos ou foram raptados pelos
terroristas para pedir o resgate.
Eram ativistas sociais, pessoas que declaravam abertamente a sua posição
pró-ucraniana, voluntários, pessoas suspeitas de ter ligações com as forças de
segurança ucranianas, jornalistas independentes que se permitiam a criticar os
separatistas, empresários e autoridades locais que não apoiaram os terroristas.
Eles foram submetidos às torturas mais sofisticadas e passaram em cativeiro por
muito mais tempo – de alguns dias até vários meses.
Alguns desses prisioneiros
morreram, não aguentando as torturas,
alguns foram executados. Pelos muitos prisioneiros militantes os
terroristas exigiram o resgate. O valor de resgate variava
de algumas dezenas às centenas de milhares de dólares. Pela
liberdade de alguns empresários e funcionários seniores os
terroristas exigiam
os montantes na ordem de um milhão de dólares.
É
quase impossível determinar o
número exato de vítimas de raptos de civis – os terroristas escondem estes dados, a polícia ucraniana é bastante lenta em documentar e investigar, mesmo nos
casos que receberam a ampla publicidade.
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