Imagem: a sequência do filme «28 homens do Panfilov», lançado na Rússia em 2016 |
Na mitologia soviético estes
militares durante horas resistiram aos blindados do Wehrmacht, queimando 18 tanques
e acabaram por morrer todos. A frase do comissário Klochkov, alegadamente dita
aos seus soldados: «a Rússia é grande, mas não há para onde recuar – atrás está
Moscovo!», era conhecida por cada estudante soviético. Até que em abril de 2015,
o Diretor do Arquivo Estatal da federação russa, Sergey Mironenko contou ao
jornal russo «Kommersant», citando
os documentos de arquivo que na
realidade os «28 homens do Panfilov» nunca existiram e que o seu ato heróico é
uma invenção da propaganda soviética. O ministro russo de cultura, Vladimir Medinsky,
criticou violentamente Sergey Mirinenko, chamando os que questionam a “lenda
sacra” de “escória acabada”. A página Meduza.io
analisa ao pormenor o mecanismo da fabricação dos elementos do mito soviético.
No dia de 16 de
novembro de 1941, a 4ª companhia do 2º batalhão do 1075º regimento da 316ª
divisão de infantaria do RKKA (posteriormente a 8ª divisão da guarda “Panfilov”)
entrou em combate contra os blindados alemães. A companhia combateu heroicamente,
morreram quase todos os seus elementos, mais de 100 pessoas.
"Ao CC do PC (b), ao camarada A. A. Zhdanov" (Arquivo estatal da federação russa) |
Alguns dias depois, o
correspondente do jornal militar soviético, “Estrela Vermelha” Koroteyev, encontrou,
por acaso, o comissário Yegorov, afeto à 8ª divisão de “Panfilov”. Yegorov
contou ao Koroteyev a história da batalha heróica da 5ª companhia (no início se
falava da 5ª e não da 4ª companhia) que tinha ouvido do comissário do regimento
que também não participou nos combates. Egorov aconselhou ao correspondente a
escrever sobre o ato, após analisar os relatórios militares. Nos relatórios, de
acordo com Koroteyev, estava escrito que a companhia estava “firme até a morte”,
e apenas dois militares se acobardaram e pretendiam se render aos alemães, mas foram
abatidos pelos camaradas. Nem o número de vítimas, nem os seus nomes eram mencionados
no documento. Koroteyev não conseguiu chegar ao regimento e não falou com o comandante
Kaprov, que também confirmou, mais tarde, de não falar com ninguém sobre o caso.
Em Moscovo, Koroteyev falou
sobre o combate ao editor do jornal, David Ortenberg. Ortenberg perguntou o
repórter duas vezes sobre o número de heróis mortos. Koroteyev disse que a companhia
estava incompleta, por isso tinha, provavelmente cerca de 30 pessoas, mas dois
eram traidores. Assim nasceu o número “28”, 30 menos dois (do relatório elaborado
na base de investigação fatual, assinado em 10 de maio de 1948 pelo Procurador-chefe
militar das forças armadas da URSS, Nikolai Afanasyev).
O jornal "Estrela Vermelha" de 27/11/1941 |
[A investigação revelou-se
necessária porque desde 1942 começaram a aparecer vivos os militares
pertencentes aos ditos “28 homens do Panfilov”, que foram dados como mortos. E
quando apareceu o sétimo “ressuscitado”, começou a investigação. Os resultados foram
entregues ao todo-poderoso Andrei Zhdanov, o secretário do Comité Central do
PCUS de ideologia, e por várias décadas, ninguém sabia da sua existência].
No dia 27 de novembro
de 1941 o “Estrela Vermelha” publicou um pequeno artigo “Os guardas Panfilov na
batalha pelo Moscovo”. O artigo falava sobre o heroísmo da divisão Panfilov, e em
particular sobre o combate da 5ª companhia. Koroteyev falou sobre a batalha, ele
até inventava os nomes e os diálogos!
No dia seguinte, 28 de
novembro, sobre o ato heróico dos “homens do Panfilov” já se falava no editorial do “Estrela
Vermelha”, escrito pelo secretário literário do jornal, Krivitsky, que sabia do
combate apenas através do Ortenberg. O artigo era chamado de “Testamento dos 28
heróis caídos”. O texto contava, incluindo sobre o traidor, que foi executado devido
a covardia. Mais tarde, Ortenberg, explicou que devido as razões de
conveniência política foi decidido “diminuir” o número dois traidores.
O jornal "Estrela Vermelha" de 28/11/1941 |
Quando o local da
batalha foi liberado dos alemães, Krivitsky, incumbido pelo Ortenberg, se
dirigiu ao local para descobrir os detalhes da ato heróico do regimento. No
local da batalha foram encontrados três corpos. O comandante Kaprov não sabia
os seus nomes e Krivitsky recebeu a lista dos militares do comandante da 4ª companhia,
Gundilovich, mas a origem da lista é desconhecida. No dia de 22 de janeiro de
1942 no “Estrela Vermelha”, saiu a reportagem detalhada sobre o feitio, onde,
em primeira mão são citados os nomes dos 28 heróis. É neste artigo pela
primeira vez apareceu o comissário Klotchkov (morto em combate em 16 de novembro
de 1941; no artigo anterior era chamado de “Diev”), que alegadamente proferiu a
frase lendária (e totalmente inventada): “Trinta tanques, amigos, <...> teremos
que morrer nós todos, talvez. A Rússia é grande, mas não há para onde recuar –
atrás está Moscovo!”. No artigo Krivitsky escreveu que os detalhes foram lhe
contados pelo soldado moribundo, Natarov, mas mais tarde admitiu que esta
personagem foi a sua própria invenção literária.
O jornal "Estrela Vermelha" de 22/01/1942 |
Em 21 de julho de 1942
todos os 28 “homens do Panfilov” foram condecorados com o título de Herói da
União Soviética, à título póstumo. Apenas alguns meses antes, um dos homens, considerado,
até então, como o herói morto foi preso – Daniil Kuzhebergenov foi acusado de
se render voluntariamente aos alemães. Ele confessou ser o mesmo Kuzhebergenov da
lista dos “28 homens do Panfilov”, mas disse que não participou na dita batalha.
Após disso, o comandante do regimento, Kaprov solicitou que na lista dos condecorados
seja colocado um outro Kuzhebergenov – Askar. No entanto, descobriu-se que nenhum
Askar Kuzhebergenov estava registado, nem na 4ª, nem na 5ª companhia.
Em novembro de 1947 foi
preso Ivan Dobrobabin, que também alegadamente tinha morrido na batalha
lendária. Ele foi acusado de traição. Segundo os investigadores, Dobrobabin se
rendeu aos alemães e em 1942 tornou-se o chefe de polícia auxiliar na aldeia de
Perekop da região ucraniana de Kharkiv. Em 1943 foi preso pelas autoridades soviéticas, mas
escapou, voltou aos alemães e retomou a sua posição. Durante a detenção, nos
seus pertences foi achado o livro sobre o heroísmo dos “28 homens do Panfilov”,
que Dobrobabin chamou de invenção. Quando se soube que estão vivas mais algumas
pessoas da lista dos “28 heróis”, decidiu-se investigar as circunstâncias da
famosa batalha, que, como se estabeleceu, nunca aconteceu na realidade.
1 comentário:
E eu assisti ao filme e fiquei comovido, pensando um monte de coisas sobre a guerra, o quanto os soldados sofreram, deram a vida para acabar com os nazistas... O ser-humano é podre mesmo, seja em que parte do mundo for. Não tem melhor, nem pior. A verdade é que não tem ninguém disposto a morrer na guerra. E faz todo sentido! Obrigado por esse texto esclarecedor!
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