Apesar
da sua participação, desde 1945, em mais de uma
dúzia de guerras e conflitos regionais, a União Soviética não estava
preparada para a guerra no Afeganistão. URSS possuía bastantes blindados, helicópteros
e aviões, mas a sua logística militar desconseguia fornecer aos militares
calçado ou alimentos adequados e em número suficiente.
Paradoxo
muito caraterístico para os países de economia planificada. Os jornais propalavam
aos quatro ventos a quantidade do aço fundido ou cereais colhidos na safra, mas nas lojas
no interior, muitas vezes não havia nada à comprar além de broa, querosene,
fósforos e cigarros mais baratos.
01.
O tipo da guerra soviética no Afeganistão
Ler
mais: A
propaganda soviética no Afeganistão
A
guerra afegã foi uma guerra de pequenas unidades, muitas vezes não excedendo o
tamanho do pelotão e muitas vezes sem a participação de quaisquer equipamentos
militares pesados. Os combates decorriam nas áreas montanhosas, entre as
estradas, vales e desfiladeiros – onde os blindados eram bastante inúteis por
causa da impossibilidade de manobras e onde eram alvos fáceis de mísseis
antitanque e até de RPG.
Os
objetivos militares soviéticos era a colocação de pontos de controlo e postos
de segurança na entrada de localidades, monitoramento e acompanhamento do transporte
de carga, a corte dos canais de abastecimento dos mujahidines, operações de
“limpeza” e de contraguerrilha. Os mujahidines, por conseguinte, tentavam impedir
estes movimentos – atacando os postos avançados, colunas com combustível e
carga, organizando as emboscadas e minando os caminhos e estradas.
De
uma maneira bastante realista a guerra no Afeganistão é mostrada no filme
italiano-soviético, que recebeu o título internacional de “Afghan Breakdown” (1991):
"Afghan Breakdown" com ator italiano Michele Placido no papel do major Bandura |
Muitas
operações soviéticas eram efetuadas pelas tropas aerotransportadas (VDV), na
base das unidades de pára-quedistas eram formadas as unidades das forças
especiais – as suas tarefas principais eram inteligência, acompanhamento e
proteção de colunas de abastecimento. As unidades de infantaria motorizada,
blindados e outros também estavam presentes no Afeganistão, mas na maior parte,
ou participaram em grandes operações ofensivas ou faziam proteção de pontos
estratégicos, como oleodutos, estradas, sistemas de irrigação, localidades, assentamentos,
etc.
2.
Calçado, fardamentos e equipamentos individuais
Ler
mais: Jihad
anti-soviético afegão em cartoon
Desde
os primeiros dias da guerra afegã, ficou claro que a URSS não estava realmente
pronta para essa guerra, não possuindo a roupa, calçado ou equipamentos para
conduzir operações de combate nesta área. Durante as décadas de 1960-1970, no
auge da guerra fria, URSS estava se preparando para “libertar a Europa do jugo
do capitalismo”, e para esta tarefa se preparava o exército soviético – União Soviética
produzia muitos tanques e blindados, as batalhas pensavam-se à decorrer na
planícies da Europa ocidental.
A
guerra no Afeganistão foi bastante diferente – os militares soviéticos estavam
combater em climas extremamente quente, em terrenos montanhosos, e muitas vezes
de forma completamente independente – tiveram que carregar as suas armas e
equipamentos, algo que a logística soviética não estava preparada à fazer. Por
causa disso, os militares soviéticos tiveram que improvisar e fabricar os seus
próprios equipamentos.
Calçado
As
botas de lona soviéticas (calçado da II G.M.) e mesmo as botas mais curtos, que
apareceram mais tarde, eram de pouca utilidade para o clima quente e terreno
montanhoso – os militares tentavam usar em combates as sapatilhas ou tênis.
Sapatilhas ou eram de fabrico estrangeiro, por exemplo, “Puma” e “Nike” que
eram comprados ou trocados nos bazares (para isso o militar soviético tinha que
“arranjar”, isso é, roubar, alguma coisa na sua unidade militar, dado que não
recebia praticamente nenhum salário) ou então, simplesmente eram saqueados em
caravanas interceptados. Os militares soviéticos também usavam sapatilhas
soviéticas: “Kimry” ou “Adidas soviético” (em 1979, a Fábrica Experimental de
Artigos Desportivos de Moscovo comprou a licença de fabricação de um único
modelo de sapatilhas/tênis “Adidas”, de cor azul e com três faixas brancas que
imediatamente se tornou o verdadeiro objeto de culto entre toda a juventude
soviética).
Sapatilhas
/ tênis eram perfeitos para o quente clima afegão – no entanto, rapidamente
rebentavam, devido às pedras afiadas e espinhos nas trilhas de montanha. “Adidas”
soviético era bem resistente, porque era feito de camurça grossa.
"Adidas soviético" |
Curiosidade,
mas estas sapatilhas/tênis Made in Belarus, conhecidas em forma de meme como
“tênis de Lida”, são praticamente a réplica
exata do “Adidas soviético”.
"tênis de Lida" |
Além
de sapatilhas, os militares soviéticos no Afeganistão poderiam usar os sneakers
soviéticos “Duas bolas” – mas estes tinham a sola mais fina e mais fraca,
concebida para os treinos no salão e não para uso nas montanhas rochosas.
O
uso de sapatilhas / tênis no Afeganistão também poderia reduzir o grau de lesão
se o militar pisasse a mina. Se a mina era pisada com sapatilha/tênis leve, o
militar poderia perder apenas o pé, se a mina era pisada com a bota pesada, muitas
vezes o militar poderia perder toda a perna, desenvolver a gangrena, e eventualmente
perder a perna acima do joelho...
Fardamentos individuais
Especialmente
nas fases iniciais da guerra soviética no Afeganistão, a URSS não possuía o fardamento
adequado para o clima quente – tudo que foi produzido na União Soviética usava
o tecido grosso, impróprio para aquela região. Apenas perto de 1982-1983 exército
soviético começou fornecer aos seus militares fardamento mais ou menos decente –
padrão “afegão”, com muitos bolsos, que usava o tecido é mais leve, chapéus com
abas tipo “panamá” e os botões cobertos com uma tira de pano (para não os
arrancar facilmente).
As
unidades das forças especiais eram equipadas um pouco melhor do que a
infantaria, eles possuíam a escolha variada: padrão “afegão”; padrão “gorka”
(com capuz, feito de um tecido de tenda fina), padrão KZS (fardamento de malha
protetora), conhecido como “setka” (rede):
Segundo
os regulamentos militares soviéticos, o fardamento KZS era fornecido às
unidades de proteção química, destinado ao uso único (descartado e incinerado
após o seu uso) em áreas contaminadas, mas era muito apreciado e usado (por ser
bastante leve) no clima quente do Afeganistão. Devido ao uso de fardamentos de
padrões diferentes, as unidades militares soviéticas no Afeganistão por vezes pareciam
as unidades mercenárias.
Equipamentos
individuais
Nas
fotos dos militares soviéticos no Afeganistão, especialmente aquelas em que a
unidade é fotografada com equipamentos de combate, é possível ver diversos equipamentos
individuais, feitos pelos próprios militares. A indústria militar soviética fabricava
os blindados aos milhares, mas não conseguiu produzir algo tão simples como o
colete de descarga.
Na
foto em baixo — os coletes de descarga, fabricados pelos próprios militares soviéticos.
Os
coletes de descarga no jargão soviético eram chamados de “sutiãs” e muitas
vezes eram fabricados por conta própria – usando frequentemente os coletes de
natação do exército. Estes coletes tinham seções (enchidos com algo parecido
com espuma plástica), que se ajustavam bem ao tamanho de carregadores para AK,
e depois de um pequeno refinamento se transformavam em um colete de descarga.
No final dos anos 1980 a URSS começou produzir os seus próprios coletes de
descarga “Poyas-A” e “Poyas-B” (Cinto-A e Cinto-B), mas estes não se tornaram muito
comuns, de acordo com a visão do comando do exército soviético, os militares
deviam usar, para transportar os carregadores e outros itens, as bolsas
antiquadas da época da II G.M.
O
mesmo se aplicava aos cintos – o cinto padrão militar soviético não era
adequado para o Afeganistão – com bolsas penduradas poderia se abrir durante a
caminhada ou mesmo em combate. Além disso, a fivela de latão brilhante era um
elemento que denunciava a presença dos militares, principalmente nos dias de
muito sol. As unidades de spetsnaz soviético procuravam os cintos de lona de
bombeiros – eram de uma cor ambiente e tinham fivelas confiáveis.
3.
A vida nos abrigos
A
questão de aquartelamento das tropas era um problema muito agudo durante quase
toda a permanência do “contingente limitado” soviético no Afeganistão. Muitas
vezes os soldados e oficiais viviam literalmente em abrigos de terra, reforçados
pelas caixas vazias de munições. Muitos viviam simplesmente em tendas – que em
condições de um clima quente e um grande número de insetos, escorpiões e cobras
ainda era uma prova adicional.
As
casernas mais ou menos decentes (fora dos grandes quartéis) tinham paredes
erguidas do adobe, o teto era feito de alguns canos de metal, coberto com uma lona
de tendas. Tudo isso tinha que ser construído pelos próprios soldados. Na
melhor das hipóteses, as casernas possuíam água canalizada e eletricidade – mas
nem sempre.
4.
Os alimentos
Alimentação
era um problema grava para todos os que serviam no Afeganistão, o fornecimento de
unidades soviéticas era feito de forma muito desigual, e muitas vezes militares
tinham que comer literalmente “qualquer coisa”. Por isso, participar em
combates significava para os soldados achar alguma comida decente na caravana assaltada.
Houve também casos em que soldados trocaram ou simplesmente roubaram alimentos da
população local – colhendo melões ou desviando uma ou duas ovelhas dos rebanhos
locais.
As
unidades permanentes ofereciam aos militares três refeições por dia, pequeno-almoço/café
da manhã, almoço e jantar – mas a qualidade de alimentos não era muito boa – um
ensopado vazio ou papa/mingau líquido, na melhor das hipóteses, com a adição de
guisado enlatado. De acordo com os que serviram no Afeganistão, os soldados com
tempo de serviço militar de 1,5-2 anos, não vinham ao refeitório, preparando
refeições de forma independente, dos itens que conseguissem obter, muitas vezes
de formas ilegais.
Os
militares que iam às operações de combate, ou os que estavam nos postos
avançados nas montanhas, recebiam rações de combate. Estas rações eram muito
diferentes das rações modernas – que contêm chocolate, bares vitamínicos, doces
e café; a ração “afegã” era mais ou menos assim [os veteranos soviéticos do
Afeganistão contam que as rações foram melhorados por volta de 1985-1986):
Ração de combate siviética, variante número 1 |
O
pequeno-almoço/café da manhã consistia em biscoitos água-e-sal, carne enlatada
e chá com açúcar. Biscoitos eram feitos de alguma farinha industrial, carne
enlatada era em forma de guisado de carne), além disso, havia dois cubinhos de açúcar
refinado (a mesma embalagem, usada em comboios/trens e aviões soviéticos, as
vezes era usada a embalagem azul da companhia aérea soviética “Aeroflot”).
O
almoço e o jantar eram os mesmos, exceto pelo facto de que a comida enlatada era
de “carne vegetal” – isso significava que o guisado estava misturado com papa/mingau,
na maioria das vezes cevadinha. Latas eram abertas ou com uma chave especial ou
(mais frequentemente) era usada a baioneta convencional. No Afeganistão, os
militares soviéticos sentiam uma grave falta de vitaminas, verduras e frutas – muitos
recrutas, em um ou dois anos de serviço tiveram problemas sérios de dentes.
A
URSS entrou na guerra de Afeganistão bastante despreparada, sem perceber, muito
bem, para que se meteu no conflito local – os dinossáurios do Politburo tomaram
a decisão e o país gastou milhões de dólares e perdeu, apenas como mortos, mais
de 15.000 jovens. Uma geração inteira foi marcada, para sempre por este “Vietname
soviético”...
Fotos
@Internet | Texto Maxim
Mirovich e [Ucrânia em África]
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