quarta-feira, maio 09, 2018

Os pilotos aviadores soviéticos ao serviço do 3º Reich

No decorrer da II G.M. cerca de uma centena de pilotos aviadores soviéticos, entre eles dois Heróis da União Soviética, serviu 3º Reich. A maioria pertencia à unidade de aviação dos colaboracionistas russos  Exército de Libertação Russo (ROA) do general Andrey Vlasov.

As primeiras fugas dos pilotos soviéticos

Ainda em 1927, dois aviadores militares soviéticos, comandante da 17ª Unidade de aviação militar soviética, baseada na cidade de Kyiv, polaco/polonês étnico Kazimir Martynovich Klim e o seu mecânico, 1º motorista, ucraniano Petró Tymoschuk, pilotando o aparelho italiano Ansaldo (com número de registo № 8074), fugiram para Polónia, voando de Kyiv para a cidade de Lutsk, na altura ocupado pela 2ª república polaca.
O julgamento do caso Petró Tymoschuk, presidido pelo chefe do
Colégio Militar do Tribunal Supremo da URSS, Vasili Ulrikh
Ambos receberam na Polónia as novas identidades, Klim se tornou “Rubletsky” e Tymoschuk – “Drzyzecki”. Klim “Rubletsky” contou à secreta militar polaca/polonesa tudo o que sabia sobre aviação na URSS, mas principalmente sobre a escola alemã da Luftwaffe na cidade soviética de Lipetsk (criada em segredo absoluto apenas um ano antes, em 1926) e sobre o centro alemão de armas químicas (Projeto Tomka), também secretamente instalado na União Soviética.
A escola alemã ultra-secreta da Luftwaffe na cidade soviética de Lipetsk
Petró Tymoschuk “Drzyzecki”, rapidamente se arrependeu e se entregou às autoridades soviéticas (não se sabe como e onde), voltou à URSS e já em maio de 1927 foi julgado pelo tribunal militar. A primeira sentença ditava a pena capital “com confisco dos bens”, a segunda foi muito mais branda, 6 anos de GULAG, “sem confisco dos bens”.
Petró Tymoschuk, de pé, no canto superior direito
Ambos aviadores foram perdidos na história, não se sabe o seu destino posterior. Klim pretendia ganhar algum dinheiro e se mudar aos EUA, onde vivia o seu irmão, Tymoschuk deveria ser libertado em 1933. Mas quase seguramente não sobreviveu as repressões do Grande Terror soviético de 1937-38.

Em 1933 (ou 1934) para Letónia fugiu o piloto soviético da frota aérea civil (GVF) Georgiy N. Kravets. Alegadamente, mais tarde ele foi recrutado pelos nazis para a participação na Operação Zeppelin. Nas fileiras da secreta militar nazi ele chegou ao posto do chefe do 1º grupo de sabotagem que foi preparado para as ações na retaguarda soviética, tendo como alvos preferenciais os pontos ferroviários sobre os rios Volga e Kama e as instalações industriais na cidade de Molotov (atual Perm). Em 1945, Georgiy Kravets foi entregue às autoridades soviéticas pelos aliados americanos, possivelmente – executado na URSS em 1946-47.
A foto do Po/U-2 do 1º tenente Vladimir Unishevsky num jornal estónio
Em 1938, para Estónia, usando aparelho Po/U-2, fugiu 1º tenente Vladimir Osipovich (?) Unishevsky. No decorrer da II GM ele colaborou com Luftwaffe, foi promovido ao capitão do ROA e morreu no acidente aéreo em julho de 1944.

Na II G.M.

O início da II GM e depois a guerra nazi-soviética (1941-1945) apenas aceleraram o processo. De acordo com o historiador militar alemão, Joachim Hoffmann, no decorrer de 1943 desertaram ao 3º Reich 66 tripulações soviéticas e nos primeiros três meses de 1944, cerca de 20 tripulações optaram por se entregar aos alemães [fonte]. Os últimos casos conhecidos de pilotos soviéticos desertores são datados de abril de 1945.

Como resultado, ainda em 19 de agosto de 1941, foi emitida a Ordem do Comissário da URSS para a Defesa № 0299, intitulada “Sobre o procedimento para condecoração do pessoal de voo da Força Aérea do RKKA pelo bom desempenho de combate e sobre as medidas para combater as deserções ocultas entre pilotos militares”. O “zero” do seu número significava que a ordem era secreta.

Ao serviço de Abwehr

A inteligência e contra-inteligência do exército alemão Abwehr, foi a primeira instância do 3º Reich que formulou a proposta de usar os pilotos aviadores soviéticos. Já em 1942, inserido no 4º Batalhão do Exército Nacional Popular Russo (Sonderverband Graukopf), começou funcionar o grupo aéreo de treino, composto por 22 funcionários (9 pilotos, 3 navegadores, 4 artilheiros, 6 engenheiros e técnicos) e comandado pelo ex-major Filatov. Sabe-se que a unidade foi fechada sem produzir muitos resultados práticos.
Victor Maltsev, coronel do RKKA, recém-libertado das masmorras do NKVD, 1941
A segunda tentativa mais frutífera foi realizada no início de outubro de 1943 por iniciativa do Viktor Maltsev (1895 – 1946). Voluntário do Exército Vermelho (RKKA) desde 1918, ele fez a carreira na aviação militar, chegando em 1937 ao posto do chefe do Estado-maior da GVF de Turkmenistão. Em 1938 Maltsev foi condecorado com a Ordem Lenine, ao mesmo tempo, preso pelo NKVD, como “participante da conspiração militar anti-soviética”. No NKVD Maltsev foi submetido às humilhações e torturas sofisticadas, mas não confessou a sua suposta culpa e foi libertado em 1939, chegando ao posto do chefe do centro de reabilitação médica da transportadora aérea civil soviética, “Aeroflot”.
Victor Maltsev, major-general do ROA, 1943-44, screan @Belsat.tv
Em 1943, Maltsev descreveu a sua história pessoal no livro de memórias Konveer GPU (literalmente “Transportador contínuo do GPU”), publicado na cidade de Ialta, com a permissão das autoridades de ocupação nazis e com a tiragem de 50.000 cópias.
Consultar o texto do livro (em russo)
Ainda em 1941, Maltsev voluntariamente se entregou aos nazis, serviu como chefe do Conselho Municipal da Yalta, desempenhou o cargo do juiz popular e participava na formação das diversas unidades de colaboracionistas russos ao serviço do 3º Reich. Desde 1943, ele se dedicou à criação do grupo aéreo russo, que no fim do mesmo ano se transformou em “Grupo auxiliar de assalto noturno Ostland” (Erganzungsnachts-chlachgruppe Ostland), também conhecida como “Gruppe Holters”, em referência ao tenente-coronel da Luftwaffe, Hans Holters. Consta-se que pela unidade passaram cerca de 100 pilotos soviéticos, são conhecidos os nomes (nem sempre completos) dos cerca de 50 deles.
O grupo Ostland operava os aviões soviéticos, capturados pelos nazis: Po/U-2, I-15, I-153. No fim de 1943 o grupo foi enviado para a frente leste, onde os seus pilotos entraram em combates contra exército e força aérea soviética. O grupo tinha nas suas fileiras dois heróis da União Soviética, o capitão do RKKA (major do ROA) Semyon Bychkov (1918 - 1946), membro do 937º regimento soviético de caças, com 10 vitórias individuais contra Luftwaffe e 1º tenente do RKKA (capitão do ROA) Bronislav Antilevsky (1916 - 1946?), condecorado com a ordem militar da Estrela Vermelha pela sua participação na guerra contra Finlândia (Talvisota).

Ao serviço de Auswertestelle Ost | AWSt./Ost
A foto da Serafima Sitnik nas páginas do jornal dos colaboracionistas russos de ROA
Em outubro de 1943, as forças de ocupação alemãs capturaram (os detalhes da captura não são totalmente claros), a major do RKKA, Serafima Sitnik, a chefe das comunicações da 205ª Divisão de caças da força aérea soviética, aquartelada no leste da Ucrânia. O já citado coronel Viktor Maltsev, conseguiu convencer a major Sitnik passar para o lado dos nazis / colaboracionistas russos (para isso foram lhe trazidos a sua mãe e filho Yuri de 3 anos, que Serafima julgava mortos pelos nazis). Em janeiro de 1944 major Sitnik começou trabalhar na estação alemã do processamento de dados de inteligência «Auswertestelle Ost» (AWSt./Ost). O seu destino posterior é desconhecido, possivelmente ela morreu no fim de 1944 numa das operações de espionagem, organizadas pelo Sicherheitsdienst nazi.
Major Sitnik com a mãe e filho Yuri de apenas 3 anos
Um outro funcionário da estação de inteligência militar «AWSt./Ost» foi o piloto soviético, coronel da guarda, Boris Pivenstein (1909 – após 1951). Judeu ucraniano de Odessa, o comunista Pivinstein se tornou um herói na URSS, participando, em 1934, no salvamento da tripulação do vapor soviético Chelyuskin, condecorado com a ordem militar Estrela Vermelha.

No decorrer da II G.M., ele comandava o regimento e esquadra aérea de assalto, em abril de 1943 foi abatido nos céus de Donbas e segundo o seu processo criminal, aberto posteriormente pelo MGB soviético, passou à executar os «trabalhos auxiliares», no âmbito da «AWSt./Ost». Alegadamente, a sua tarefa era entrevistar os pilotos soviéticos que se entregavam ou eram capturados pelos nazis, os convencendo a lutar pelo 3º Reich.
Boris Pivinstein, década de 1930, foto: Wikipédia
Em 1945 ele foi visto na zona de ocupação americana da Alemanha, não foi extraditado para URSS e viveu na Alemanha Federal até 1951. Após disso desapareceu, possivelmente emigrou aos EUA ou Israel. Em 1952, Pivinstein foi condenado, na URSS, à revelia, pela sua “entrega ao inimigo” e participação nas atividades da estação «AWSt./Ost». Contudo, o seu nome não aparece nos arquivos militares da Alemanha nazi e o destino posterior é desconhecido.

A fuga de «Ostland» ao GULAG
Piloto de RKKA e de ROA, Aram Karapetyan no GULAG soviético
A formação do 1º esquadrão «Ostland» da Luftwaffe terminou em 3 de dezembro de 1943. A unidade especial que contava com 9 aparelhos (Po/U-2, Gotha 145A e Arado Ar 66C), e era comandada pelo capitão do ROA, emigré russo na Checoslováquia, Mikhail Tarnavsky, se mudou da Prússia Oriental aos arredores da cidade de Daugavpils na Letónia. Aqui, junto ao estado-maior da 1ª frota aérea de Luftwaffe funcionava o grupo de bombardeiros noturnos «Ostland» (composto pelos esquadrões estónios e letões), que no inverno de 1943/44 foi reforçado pelos colaboracionistas russos. Durante as suas missões de combate (entre dezembro de 1943 ao julho de 1944) a unidade perdeu 3 aviões; 9 pilotos, navegadores e artilheiros foram mortos e 12 ficaram feridos. 
Os três pilotos do RKKA / Ostland que sobreviveram cativeiro nazi e GULAG soviético.
Década de 1960: (de esquerda para direita): Karapetyan, Chkausheli e Moskalets
Em julho de 1944, após o conflito entre Mikhail Tarnavsky e oficial de ligação de Luftwaffe, oberleutnant (1º tenente) W(icand?) Duus, três pilotos da ROA, todos ex-pilotos de RKKA: ucraniano Vladimir Moskalets (1921, natural da cidade de Sloviansk), georgiano Panteleymon Chkausheli (1913) e arménio Aram Karapetyan (1921), fugiram “de volta” ao lado soviético, pousando no território controlado pelos partisanes comunistas. Em dezembro de 1944 os três foram detidos pelo NKVD, em março de 1945 julgados e condenados aos 10 anos de GULAG, com 5 anos de perca dos direitos cívicos e anulação dos seus patentes e condecorações militares. Eles foram reabilitados apenas em março de 1959, mas somente Chkausheli voltou trabalhar na aviação, se tornando o controlador aéreo do aeroporto de Kutaisi na Geórgia soviética.

Luftwaffe der ROA
Os aviões destruídos da KONR (nome usado pelos colaboracionistas russos à partir de novembro de 1944)
em Deutsch Brod — atual cidade checa Havlíčkův Brod. Maio de 1945. foto @www.vrtulnik.cz
Em dezembro de 1944, o marechal de aviação do 3º Reich, Hermann Göring, assinou o decreto da criação da força aérea dos colaboracionistas russos, a chamada “Luftwaffe der ROA”, referida nos documentos alemães genericamente como “as unidades da força aérea Ostland”. Os planos previam a criação de um esquadrão de caças, composto por 15 aparelhos Messerschmitt Bf.109G-10, além disso, havia planos para criação de várias outras unidades:
– um esquadrão de 12 bombardeiros de mergulho Junkers Ju-87;
– um esquadrão de 5 bombardeiros médios Heinkel He-111;
– um esquadrão de comunicações com dois aparelhos Fieseler Fi 156 Storch e dois Po/U-2;
– um esquadrão de reserva, composto por dois Heinkel He-111; dois Junkers Ju-87; dois Messerschmitt Bf 109; dois Messerschmitt Bf 108 Taifun e três Po/U-2.
Messerschmitt Bf.109G-10, pilotado pelo major Bychkov em abril de 1945
Um dos últimos combates conhecidos da unidade aérea dos colaboracionistas russos (desde novembro de 1944 ROA se transforma em KONR) se deu na manha de 13 de abril de 1945, quando 6 aviões da KONR atacaram as posições do 415º Batalhão do Exército Vermelho nas margens do rio Oder. No combate participaram os aparelhos e tripulações sob comando do herói da União Soviética Bronislav Antilevsky.
Segundo o já citado historiador Joachim Hoffmann, a força aérea dos colaboracionistas russos chegou à contar com cerca 5.000 funcionários (entre pilotos, técnicos, pessoal auxiliar, unidades da defesa anti-aérea), realizando cerca de 500 missões de combate. A informação sobre a sua eficiência real é absolutamente escassa. No entanto, o desemprenho da unidade foi bastante apreciado pelo comando da Luftwaffe, alguns dos colaboracionistas russos foram condecorados com as ordens militares alemães “Cruz de Ferro” do 1º e 2º graus.

Após o fim da II G.M.
A liderança de KONR, executada pelas autoridades soviéticas em Moscovo em 1/08/1946.
foto @arquivo
Em agosto de 1946 o capitão Semyon Bychkov foi julgado pelo Tribunal Militar da Circunscrição de Moscovo, condenado ao enforcamento. Enforcado em 4 de novembro de 1946, em Moscovo, apenas 5 meses depois, em março de 1947, perdeu oficialmente o seu título honorário de Herói da União Soviética.

Bronislav Antilevsky foi condenado, em 25 de julho de 1946, pelo mesmo Tribunal Militar da Circunscrição de Moscovo, ao enforcamento com “confisco de bens pessoais”. Apenas em 12 de julho de 1950 lhe foram lhe oficialmente retirados o título honorário de Herói da União Soviética e as Ordens militares Lenine e da Bandeira Vermelha.

[Dado que o respetivo processo criminal do MGB não contem o documento oficial da sua execução, existe a teoria, pouco credível, de que Antilevsky consegui escapar da URSS e viveu na Espanha, onde alegadamente foi visto na década de 1970.]

O coronel (major-general de ROA) Viktor Maltsev se entregou às forças americanas em 27 de abril de 1945 (duas vezes tentou se suicidar desde então) e em maio de 1946 foi deportado à URSS. Ele foi julgado pelo Colégio Militar do Tribunal Supremo da União Soviética e em agosto de 1946 condenado ao enforcamento. Foi único, entre os colaboracionistas russos/soviéticos de alto escalão, julgados na União Soviética, que não fez nenhum pedido de clemência.

Texto em português @Ucrânia em África

Bibliografia principal:
Livro no Amazon
Hoffmann, Joachim,. Die Geschichte der Wlassow-Armee / 2., unveränderte Auflage. Freiburg im Breisgau, 1986.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eh muito interessante este tema, eu confesso que tenho muita curiosidade sobre quem foi Andrey Vlasov:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Andrey_Vlasov


uma reportagem sobe Rafael:

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2018/05/06/quem-e-rafael-lusvarghi-o-ex-black-bloc-brasileiro-preso-pelo-governo-da-ucrania.htm