Os Campos de Utilidade Especial de Solovki (SLON), foram os primeiros campos de concentração soviéticos, criados pelos bolcheviques em 1923. Aqui foram inventados e pela primeira vez ensaiados vários tipos de torturas usadas mais tarde em GULAG’es de toda URSS.
O estalinismo era um desvio ou a continuação genuína do bolchevismo? Será que os campos de concentração, tortura, trabalhos forçados e fuzilamentos em massa foram introduzidos na URSS pelo Estaline? Até que ponto o mito do “bom comunista Lenine” e “mau ditador Estaline” perdura nas mentes e nos livros escolares ocidentais? Algumas respostas a estas questões podem ser encontradas no artigo que se segue...
“A situação climática severa, o regime laboral e a luta contra a natureza serão uma boa escola para os diversos elementos viciados!”, — anunciaram os bolcheviques que apareceram em Solovki em 1920. O mosteiro ortodoxo recebeu o nome de Kremlin, lago Branco tornou-se lago Vermelho e no território do mosteiro foi criado o campo de concentração para os prisioneiros da guerra civil. Em 1923 o campo foi transformado em SLON, e é de notar que os seus primeiros prisioneiros foram os activistas dos partidos que ajudaram aos bolcheviques usurpar o poder na Rússia.
A “utilidade especial” dos campos de Solovki se manifestava pelo facto do que as pessoas eram enviados para lá não por crimes cometidos ou a sua culpabilidade, mas apenas por representar a ameaça ao regime comunista pelo facto da própria existência. Os opositores activos eram eliminados pelo novo poder imediatamente. Aos campos de concentração eram enviados aqueles, cuja formação não correspondia à prática comunista, quem era “socialmente alheio” por causa da educação, origem social ou seus conhecimentos profissionais. A maioria destas pessoas veio para Solovki não condenados pelos tribunais, mas pelas decisões das diferentes comissões, colégios ou reuniões.
Em Solovki foi criado o modelo do Estado, dividido pela pertença à classe, com a sua própria capital, Kremlin, exército, marinha, tribunais, cadeia e a base material, recebida de herança do mosteiro. Aqui existia a sua própria moeda, editava-se os seus próprios jornais e revistas. Aqui não existia o poder soviético, mas o poder soloviético, pois o primeiro Soviete dos deputados foi criado em Solovki apenas em 1944.
No início, o trabalho era usado apenas para a reeducação. Antigos professores universitários, médicos, especialistas qualificados durante o Inverno levavam a água de uma abertura no gelo para outra, no Verão moviam os troncos das arvores de um lado para outro ou gritavam as vivas às chefias ou ao poder soviético até perder os sentidos. Este período da formação do sistema de concentração era marcado pela morte massificada dos prisioneiros por causa do trabalho impossível e maus tratos dos guardas. Depois dos prisioneiros, eram exterminados os seus guardas, nos diferentes anos foram fuzilados praticamente todos os líderes do partido que criaram SLON e os chekistas que dirigiam a administração dos campos.
A próxima etapa do desenvolvimento do sistema dos campos em Solovki foi a obtenção do lucro máximo do trabalho semi-escravo dos prisioneiros, a criação de novas delegações de SLON na URSS continental, desde a província de Leninegrado até Murmansk e Montes Urais. Solovki começaram receber os camponeses deskulakuizados (os camponeses acusados de serem os kulaks e enviados aos campos de concentração), os operários. Aumentou o número dos presos, a nova lei do campo dizia: “Pão pelo trabalho”, o que colocou na linha da morte os prisioneiros idosos e fisicamente fracos. Aqueles que conseguiam fazer as normas recebiam os diplomas e bolinhos de prémio.
Após a destruição dos seus próprios recursos naturais (as florestas milenares das ilhas), a pátria do GULAG – Solovki – transferiu a maior parte dos prisioneiros para a construção do canal Mar Branco – Mar Báltico. O regime do isolamento endurecia, desde meados dos anos 1930, os prisioneiros passaram para o racionamento prisional. No Outono de 1937, Solovki receberam a ordem do Moscovo sobre a “norma” – um determinado número de pessoas que deveria ser exterminado. A administração de Solovki escolheu dois mil pessoas que foram fuzilados. Depois disso SLON foi retirado do GULAG e transformado em uma cadeia – modelo da Direcção Central da Segurança Estatal, que possuía cinco delegações em diferentes ilhas.
Para abrigar os prisioneiros, no Solovki eram usados todas as construções do mosteiro e as barracas construídas rapidamente. Em algumas destas barracas até hoje vivem as pessoas. Existia a “barraca de crianças”, onde estavam presos as crianças ChSIR (Membros de Famílias dos Traidores da Pátria).
Em 1939 foi terminada a construção do Grande edifício especial prisional. Mas o novo Comissário popular da Segurança estatal, Lavrentiy Beria, ordenou o desmantelamento da cadeia de Solovki. Começou a II G. M. e o território do arquipélago era necessário para organizar aqui a base militar da frota do Mar do Norte. O Grande edifício prisional ficou inabitado. No fim do Outono de 1939 os prisioneiros de Solovki foram transferidos aos outros locais do GULAG.
Historiador russo Yuri Arkadievich Brodski dedicou 38 anos da sua vida ao pesquisar e reunir os dados sobre SLON: depoimentos das testemunhas, documentos. Em 2002, com a ajuda financeira da Fundação Soros e da Embaixada da Suécia na Rússia, ele publicou o livro "Solovki. Vinte anos de objectivo especial", escrito na base do material recolhido. As 525 páginas do livro reúnem o material único – depoimentos escritos dos antigos prisioneiros do SLON, testemunhos documentais, fotografias...
Monte Sekirnaya
Monte Sekirnaya é o ponto mais alto na grande ilha de Solovki. Os bolcheviques instalaram aqui a área do isolamento punitivo № 2 (Savvatievo), conhecido pelo seu regime extremamente duro. Os prisioneiros ficavam sentados durante 24 horas em cima das varras de madeira (iguais à de um galinheiro) e eram espancadas sistematicamente, o que eram as punições mais leves. Na praceta em frente da igreja os prisioneiros da área do isolamento, periodicamente eram fuzilados.
Engenheiro Yemelyan Solovyov conta que uma vez viu os prisioneiros da área do isolamento que eram levados para os trabalhos de enchimento do cemitério dos que morreram do escorbuto e tifo:
“— Apercebemos nós da aproximação dos isolados da Monte Sekirnaya pela ordem alta: — Fora do caminho!
Obviamente,
todos fugiram para os cantos e ao nosso lado foram levadas as pessoas com a
aparência absolutamente animalesca, cercados pela guarnição numerosa. Alguns
vestiam os sacos, em nenhum deles eu via as botas”.
Em 1929 escritor proletário Máximo Gorki visitou a Monte Sekirnaya na companhia dos seus familiares e dos funcionários do OGPU. Antes da sua chegada foram retiradas as varras de madeira, colocadas as mesas e os prisioneiros recebiam os jornais, com a ordem expressa de fazer de conta que estão os ler. Muitos dos prisioneiros viraram os jornais de cabeça para baixo. Gorki viu isso, aproximou-se a um deles e colocou o jornal correctamente. No fim da sua visita no livro do controlo Gorki escreveu: “Diria que óptimo” e assinou.
A escada famosa de 300 degraus na Monte Sekirnaya era usada para obrigar os prisioneiros levar a água 10 vezes por dia, para cima e para baixo. O futuro académico Dmitri Likhachev que desempenhava no Solovki o papel do VRIDL (Temporariamente Executando as Tarefas do Cavalo) contava que os guardas costumavam atirar os prisioneiros destas escadas, amarrados ao tronco curto de madeira. “Em baixo já chegava um cadáver ensanguentado que até era difícil de reconhecer. No mesmo local, debaixo da monte, logo o enterravam no buraco”, — escrevia Likhachev. Debaixo da monte existem os buracos onde são sepultados várias dezenas de pessoas. Alguns buracos eram abertos antecipadamente – escavadas no Verão para aqueles que seriam fuzilados no Inverno.
Os funcionários do Campo dos inválidos na ilha de Grande Muksalma diziam que no Inverno de 1928 morreram no local os 2040 prisioneiros. No Outono para lá eram enviados os deficientes de toda a 1ª zona que não poderiam ser usados em Solovki e também porque eram pobres, não tinham o apoio da família e por isso não conseguiam pagar o suborno.
Os subornos em Solovki eram muito desenvolvidos. O futuro destino do prisioneiro muitas das vezes dependia deles. Prisioneiros “ricos” podiam garantir o lugar no 6° destacamento de guarnição, onde a maioria eram os padres, que guarneciam armazéns, oficinas e hortas. Aqueles que eram enviados para Muksalma sabiam que os seus dias estão contados e que no Inverno eles iriam morrer. Os condenados viviam em beliches de dois andares na barraca com 30 – 40 m² que abrigava 100 pessoas. No almoço recebiam a sopa simples em grandes bacias e comiam do prato comum. No Verão os deficientes trabalhavam na recolha dos bagos, cogumelos e plantas que se pretendia exportar para o estrangeiro. No Outono eram mandados escavar os buracos das suas futuras campas, para não os escavar no Inverno na terra congelada. Os buracos eram grandes, cada um para 60 – 100 pessoas. Os buracos eram tapados com as tábuas para não serem enchidos com a neve. Com a chegada dos frios do Inverno as campas eram preenchidas, primeiramente com os doentes pulmonares, depois chegavam os restantes. Até a Primavera naquela barraca restavam apenas algumas pessoas.
O professor Vladimir Krivos (Nemanic) trabalhou como tradutor no Comissariado dos Negócios Estrangeiros. Razoavelmente falava praticamente todas as línguas do mundo, incluindo chinês, japonês, turco e todas as línguas europeias. Em 1923 foi condenado à 10 anos de prisão ao abrigo do artigo 66: “espionagem a favor da burguesia mundial” e deportado para Solovki.
Tendo a dentadura postiça, ele usava duas facas para comer: faca de mesa e um canivete, cuja posse sempre lhe foi permitida desde a cadeia do GPU. Em Solovki as facas foram lhe retiradas com a seguinte resolução do comandante do campo: “As regras estabelecidas são obrigatórias para todos e não poderá haver excepções!” O professor saiu em liberdade em 1928.
Texto e fotos © drugoi