sexta-feira, agosto 17, 2018

Visa e MasterCard abandonam de vez a Crimeia ocupada

Os sistemas Visa e MasterCard cessaram a prestação dos seus serviços na Crimeia. As empresas explicam que a decisão foi tomada devido a introdução das sanções económicas, impostas pelos Estados Unidos em 2014.

A política ocidental em relação a Crimeia sempre foi absolutamente clara: tornar a ocupação da Crimeia extremamente cara para Kremlin, e não apenas em termos de gastos diretos com o território ocupado, mas também em forma de perdas e prejuízos indirectos. Ocidente pode esperar um ano ou dez, isso não importa. A tarefa é recuperar o antigo status quo do território, com a transferência de todas as perdas ao passivo russo. Aproximadamente assim aconteceu no Iraque – país está pagar pela sua libertação do regime anterior, tal como Líbia, viu confiscadas quase todas as suas participações fora do país. A Rússia, neste sentido, não difere em nada.

A ocupação e anexação da Crimeia criou uma série de contradições pesadíssimas. A decisão acabou com a ordem anterior no espaço pós-soviético, destruiu o sistema existente de confiança e segurança, eliminou de vez o único projeto estratégico da Rússia – o projeto da União Aduaneira Euro-asiática. Em troca da anexação Rússia ganhou uma mão cheia de nada. O seu fracasso no espaço pós-soviético tornou-se um fator extremamente ameaçador para a estabilidade da própria Rússia, com consequências negativas a médio e longo prazos. As sanções ocidentais, em comparação com esta ameaça e este problema são, por enquanto, a mera ninharia.

O colapso da URSS – um evento potencialmente extremamente conflituoso, manteve-se dentro de limites aceitáveis, impedindo a repetição do cenário jugoslavo. Em grande parte devido ao uso da fórmula para o consentimento de todas as partes interessadas: as fronteiras administrativas das antigas repúblicas soviéticas no momento do colapso da URSS foram reconhecidas como as fronteiras dos novos estados independentes. Em termos gerais, não foram disputados os “direitos históricos” sobre essa ou aquela parcela dos seus territórios, adquiridos ou perdidos após a II G.M. Por isso, e até 2008, este princípio foi razoavelmente observado – nenhuma região autoproclamada era reconhecida como independente (Alto Karabakh, Transnístria ou Chechénia), cada conflito regional era encarado (em termos de princípios gerais) como questão puramente interna de cada respectivo estado.

Em 2008 decorreu a guerra russo-georgiana, um evento em si extraordinário, mas com as consequências muito mais grave após o reconhecimento da Rússia das “independências” da Abecásia e da Ossétia do Sul, destruindo, de vez, os princípios do equilíbrio de todo o espaço pós-soviético. Uma decisão absolutamente desastrosa do ponto de vista das consequências ao médio e longo prazos. A partir deste momento no espaço pós-soviético foi criado o precedente de mudar as fronteiras de um Estado de ex-URSS sem o seu próprio consentimento.
A ocupação e anexação da Crimeia pela Rússia, mais uma vez e ainda mais minou os princípios da organização do espaço pós-soviético, em consonância com a situação na Abecásia e na Ossétia do Sul. Ou seja, a liderança russa enfraqueceu ainda mais toda a estrutura pós-soviética da organização do espaço da ex-URSS, o que, é claro, afetou negativamente todo o sistema de segurança desse espaço.

Além disso, a ocupação e anexação da Crimeia pela Rússia mudou a situação estratégica em toda a região. A mudança nas fronteiras da Rússia e da Ucrânia inevitavelmente afetou os interesses de todos os países da bacia do Mar Negro, tendo em conta que a maioria dos países pertencem à União Europeia e ao NATO/OTAN. De facto, anexando a Crimeia, Kremlin fez um claro gesto ameaçador contra o bloco político-militar e o principal parceiro económico da Rússia. É lógico que tanto a NATO/OTAN, como a UE tenham reagido de uma forma hostil e, tomem todas as medidas possíveis para eliminar essa nova ameaça à sua própria segurança.
A ocupação e anexação da Crimeia, forçou todos os países vizinhos da Rússia considerar a situação como inaceitável. Os países que surgiram após o colapso da ex-União Soviética receberam um sinal inequívoco de que seus territórios podem ser anexados pela Rússia. A segurança do espaço pós-soviético foi seriamente minada, e é absurdo esperar que mesmo últimos aliados russos, Belarus ou Cazaquistão, possam reconhecer a anexação da Crimeia, uma vez que eles percebem que muito facilmente podem ser próximos. Sem falar de todos os outros países da região que também avaliaram a decisão russa de forma extremamente negativa, uma vez que, pela primeira vez desde o fim da II G. M., houve uma mudança violenta das fronteiras de um dos países europeus.

Os fãs da Rússia podem, como é habitual, apontar os dedos aos EUA, usando argumento de que “os americano fazem isso e muito mais”. Mas “os americano” sempre foram criando as alianças estratégicas com os seus aliados, além disso, os EUA são o praticamente único emissor de uma moeda mundialmente aceite, como tal, o país tem a possibilidade de transferir uma parte dos seus problemas económicos ao resto do mundo. As perdas, decorrentes das aventuras de Putin são e serão pagas exclusivamente pela Rússia e pelos cidadãos russos.

A recusa da Visa e do MasterCard de trabalhar na Crimeia é apenas um pequeno pedaço de um quebra-cabeça comum, que é discretamente arrumado pelo Ocidente. A liderança não muito brilhante do Kremlin não faz a mínima ideia da aparência futura deste mesmo quebra-cabeças. Nem está por aí para perceber ameaça, para isso precisaria de um mínimo de inteligência. E onde é que os ex-tenentes do KGB, rodeados pelos moços das periferia teriam o tal luxo?

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