segunda-feira, agosto 13, 2018

União Soviética: o país do controlo prisional total e absoluto

O sistema soviético de passaportização geral, colocado em prática em 1932, foi pensado para transformar a União Soviética numa “grande zona”, o território do controlo prisional total.

Recentemente o nosso blogue contou sobre o trabalho semi-escravo dos camponeses soviéticos que trabalhavam sem receber nada em troca, unicamente pelos dias-de-trabalho. No entanto, a semiescravidão e a servidão soviéticas eram “seladas legalmente”, uma das alavancas efetivas daquele sistema era o passaporte soviético [o documento de identificação pessoal interno e externo na URSS tinha o nome de passaporte], e todos os cidadãos eram submetidos à uma vigilância total.

Como era no tempo czarista?

Segundo a regulamentação estatal, o assim chamado “Estatuto dos Passaportes” de 1903 os cidadãos não eram obrigados à ter um passaporte, com respeito a todas as classes sociais – nobres, burgueses, comerciantes, camponeses, plebeus, e assim por diante. Sem possuir passaporte, o cidadão poderia ser empregado em qualquer ofício, isso dependia da sua relação com o empregador – este podia pedir a um trabalhador para “arranjar o passaporte”, ou não.
Os cidadãos da Rússia czarista não estavam sob o regime do “controlo/controle total”. Sob a supervisão especial da polícia, estavam apenas aqueles que cumpriram as suas sentenças em reclusão corretiva, prisões ou fortalezas, especialmente os reincidentes. Estes cidadãos recebiam os passaportes apenas com a permissão da polícia, o documento levava uma nota do registo criminal, e em alguns casos podia levar a nota que limitava os locais de residência do seu portador.

O “czarismo cruel” tratava de forma bastante liberal mesmo os revolucionários que se opunham à monarquia, muitas vezes com as armas nas mãos – após cumprir os seus termos prisionais, os ditos revolucionários podiam viver em qualquer lugar do império russo, eles não eram restringidas nos seus direitos.

Em 1900, Vladimir Ulyanov (Lenine), o irmão do terrorista executado, propagandista e apoiante activo do derrube da monarquia, recebeu legalmente o passaporte russo para viajar ao exterior, poderia viver e viajar sem restrições para qualquer lugar do império. Nada disso era possível na URSS. Comparado com o sistema comunista de torturas e do GULAG, todas as histórias propagandistas soviéticas sobre “dois anos pesados no exílio da Sibéria” e de “vigilância da polícia czarista” (no exílio siberiano Lenine trabalhou como professor na escola, vivia numa casa alugada de vários quartos/assoalhadas, lia o que eu queria, etc), – parecem contos infantis ridículos.

A chegada da “Grande Zona”

Após o golpe, em 1917, os bolcheviques dividiram a população da URSS em “tipos de validade”. A “sociedade socialista sem classes” marcava os grupos de “pessoas indesejadas” – fortemente privados dos direitos, e os bolcheviques ficavam felizes quando estes emigravam, morriam ou desapareciam da face da Terra. Essas pessoas eram chamadas de lishenets, literalmente “desprivilegiado”. O grupo era composto por kulaks/kurkuls, comerciantes privados, padres de vários cultos religiosos, “elementos politicamente indesejáveis”, etc [por exemplo, entre 1918 à 1936 todos eles perderam o direito de voto e vários outros direitos].
Slogan na parede: "Viva a nossa Grande Pátia socialista!"
(devido aos cassacos de cabedal/couro dos presentes, podemos supor que a foto mostra
 alguma refeição comemorativa dos operacionais de OGPU/NKVD, década de 1930
Em 1932, na URSS começou a passaportização universal, que deveria consolidar a tal desigualdade ao nível legislativo. Os cidadãos marcados como lishenets não recebiam os passaportes, e eles eram forçados a fazerem os trabalhos mais baixos e não qualificados, onde não se exigiam os passaportes. Sem passaporte era impossível de obter qualquer alojamento decente, os cartões alimentares, ou votar – em outras palavras, essas pessoas eram condenadas pelo sistema soviético à extinção.

Desde meados da década de 1930, os “elementos indesejáveis” eram alvos de rusgas, eles começaram à serem expulsos das grandes cidades – muitas vezes direitamente aos campos de concentração soviéticos – GULAG. Mais tarde eles foram proibidos de residir e eram expulsos das “proximidades dos caminhos-de-ferro”, considerados pelo regime soviético de “territórios estratégicos”.
Questionário soviético, preenchido ao se candidatar à um emprego. Contém a pergunta № 20: “Você já perdeu os seus direitos de voto, quando e por quê?”, década de 1940 | Wikipédia
Nos kolkhozes (fazendas coletivas) os camponeses não recebiam os passaportes, se transformando em servos estatais/estaduais – os camponeses eram literalmente “fixados” aos kolkhozes, não tinham nenhum direito e nenhum documento de identificação pessoal, não podiam ir a lugar algum sem a permissão do chefe do kolkhoz e aqueles que saíssem não autorizados – eram equiparados aos “escravos fugitivos”. Fisicamente, a vida dos camponeses soviéticos não diferia muito da vida dos escravos negros nos Estados Unidos no século XIX.

O país do controlo prisional total

Desde a segunda metade da década de 1930, todo o território da URSS foi aparelhado pelos órgãos de fiscalização secreta, entrelaçados com NKVD e disfarçados de “organismos públicos de movimentação da população”. De fora tudo parecia como colheita de dados estatísticos, na verdade, dessa maneira o Estado comunista controlava todos os cidadãos e caçava os “indesejáveis”. O instituto soviético de propiska (registo domiciliar) existia com aproximadamente os mesmos objetivos.
Cidadão, considerado como “inimigo” pelo poder comunista soviético já não conseguia achar nenhum trabalho decente. Ao chegar ao qualquer lugar novo, mesmo no caso de um hotel, o cidadão tinha que preencher a “folha de endereço”, que então era verificada e comparada contra índice existente. Desde 1933 nos passaportes de “elementos indesejáveis” eram feitas as anotações secretas, mais tarde tais marcas se tornaram públicas.

No monitoramento da vida dos lishenets e de outros “elementos indesejáveis”, NKVD/KGB e polícia soviéticas usavam os zeladores, varredores, vigias, bengaleiros, etc., que na novilíngua soviética eram chamados de “elementos de confiança”. Alguns deles, continuam se sentir como “agentes secretos em missão de serviço” até os dias de hoje...

Toda essa supervisão universal começou enfraquecer apenas com o início da Perestroika – quando o estado soviético deu às pessoas mais direitos e liberdades, e logo de seguida, a própria URSS se desmoronou.

Fotos: RFE/RL | arquivo | Texto: Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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