20
anos atrás, no dia 17 de agosto de 1998 Rússia anunciou o default — o rublo
russo se desvalorizou pesadamente face às divisas estrangeiras e estado russo
parou de garantir os seus próprios títulos da dívida pública. Visa e American Express
começaram bloquear os bancos russos e vários deles entram na bancarrota.
Muitos
russos recordam agosto de 1998 por longas filas junto às casas de câmbios, os
cidadãos tentavam adquirir a moeda ocidental forte, como dólares americanos ou
marcas alemãs – porque a taxa de câmbio do rublo caia praticamente à cada hora.
Como
tudo começou?
Em
1991, a União Soviética colapsou e Rússia declarou-se a sua sucessora legal – herdando
todos os ativos e todos os passivos da URSS. Descobriu-se que a “poderosa e
indestrutível” União Soviética vivia de dinheiro emprestado – a dívida
acumulada em 1991 equivalia 96,6 bilhões dólares “fortes”.
Após
o fim da União Soviética, a Rússia optou pela não lustração, e a Duma Estatal estava
quase inteiramente composta pelos ex-funcionários soviéticos – que
constantemente atrapalhavam o governo do Boris Yeltsin e não deixavam realizar as
reformas liberais, na esperança de “voltar tudo como era antes”.
De esquerda para a direita: Boris Nemtsov, Sergei Kirienko e Boris Yeltsin |
Na
Rússia, na década de 1990 tinha poucas fábricas novas e os antigos itens industriais
se vendiam bastante mal – a cadeia económica soviética quebrou, e nos mercados
externos ninguém queria os produtos das antigas fábricas soviéticas, de baixa
qualidade e sem originalidade. Ao mesmo tempo, nos mercados internacionais caiu
o preço do petróleo, responsável pela parte muito significativa do orçamento geral
russo – o que agravou ainda mais a situação.
Embora
os fãs da URSS dizem que default de 1998 era o “resultado da políticas liberais”,
na verdade era uma consequência de política soviética dos últimos setenta anos –
em União Soviética construía os “ciclos económicos fechados”, isolando-se do
resto do mundo.
Os
antecedentes do default
Em
1998 o petróleo pesado russo de marca Urals era vendido por 10-15 dólares por
baril [no dia 1 de agosto de 1998 o preço do baril do brent se fixa em 12,04 dólares],
e como consequência – as reservas cambiais do Banco Central russo começaram
escassear. Para resolver problemas económicos, o governo começou a emitir aos
mutuários títulos da dívida pública de curto prazo. Para pagar os títulos eram emitidos
mais títulos à uma taxa de juros mais alta – uma espécie de uma pirâmide
financeira.
Título da dívida pública no valor de 10 rublos, 2º plano quinquenal |
Título da dívida pública no valor de 500 rublos, 3º empréstimo estatal |
Título da dívida pública no valor de 100 rublos, emissão de 1956 |
Título da dívida pública no valor de 10 rublos, emissão de 1953 |
Os “empréstimos obrigacionistas do Estado” eram mais um traço do sistema soviético, especialmente populares na União Soviética nas décadas de 19330-1950 – o regime comunista usava este esquema para se apropriar dos ativos financeiros da população, financiando assim a sua “industrialização” [os cidadãos soviéticos eram obrigados à comprarem os bilhetes, e depois, o estado soviético, podia, em qualquer momento, deixar de os pagar, tal como realmente aconteceu em 1957].
As
regiões russas – principalmente com a maioria da população não russa, começaram
adotar maciçamente as suas próprias constituições, se recusando à enviar grande
parte de dinheiro arrecadado para Moscovo – ficando com os fundos para os
orçamentos locais. O orçamento federal se ressentia disso. A “velha guarda”
comunista no Duma estatal exigia cada vez mais e mais dinheiro para as “despesas
sociais” – sem se aperceber (ou fazendo de propósito) que tudo isso levava ao
desastre.
Como
tudo começou
Na
sexta-feira dia 14 de agosto de 1998 o presidente Boris Yeltsin afirmou, usando
as palavras “firmemente e claramente” que não haverá a desvalorização:
Mas
já em 17 de agosto, o primeiro-ministro russo, Sergei Kiriyenko, fala sobre o “complexo
de medidas que visam a normalização da política financeira e fiscal”. Traduzido
para uma linguagem comum, isso significa que a Rússia se reconhece como estado falido
e começa a desvalorizar o rublo.
O
que acontecia nas ruas
Imediatamente após disso caiu o câmbio do rublo russo – de 6 rublos por dólar de manha do dia 17 de agosto, para 19 rublos por dólar naquela mesma tarde (até o fim de 1998 o câmbio do dólar se fixará em 21 rublos; em março de 1999 já era 26-27 rublos). O jornal económico russo “Kommersant” saiu com o título principal “Nós acordamos num outro país” – o que apenas aumentou o pânico entre a população russa.
"Senhores!!! (Valores) acima de 1000 dóalres são atendidos fora da fila" |
A fila junto à uma das agências de câmbio em Moscovo, setembro de 1998 |
Troca de moeda fora dos câmbios, estação dos caminhos-de-ferro Kievsky em Moscovo, agosto-setembro de 1998 |
Imediatamente
após disso caiu o câmbio do rublo russo – de 6 rublos por dólar de manha do dia
17 de agosto, para 19 rublos por dólar naquela mesma tarde (até o fim de 1998 o
câmbio se fixará em 21 rublos). O jornal económico russo “Kommersant” saiu com
o título principal “Nós acordamos num outro país” – o que apenas aumentou o
pânico entre a população russa.
Fila junto à um dos poucos ATM moscovitas, agosto-setembro de 1998 |
Agência de câmbios, 26 de agosto de 1998 | pressa.tv |
O segurança impede a fotografia junto ao ATM, 14/09/1998 | pressa.tv |
Fila junto à uma das poucas casas de câmbio abertas em Moscovo, 27/08/1998 | press.tv |
O
rublo caia à cada hora que passava, e as pessoas começaram a invadir as casas
de câmbio – tentando trocar os rublos desvalorizados por dólares, na maior
parte dos câmbio as divisas acabaram antes de hora de almoço, mas em todos os
lugares havia filas enormes – pessoas esperavam a chegada de mais dólares ou marcas
alemãs.
A classe média na corrida de compra dos fogões, geleiras ou máquinas de lavar roupa |
Os mais pobres correram à comprar os alimentos mais baratos |
"Fechado", inscrição numa loja mercearia de Moscovo, 30/08/1999 | pressa.tv |
A
outra parte da população correu para comprar, em rublos, os bens duradouros – mas
até a hora do almoço do dia 17 de agosto os preços nas lojas dos produtos
importados crescem em dobro – os bens são comprados por moeda convertível, e
nenhum dos comerciantes queria os vender por rublos, rapidamente depreciados.
A fila junto à casa de câmbio. Uma mulher idosa compra meias no mercado paralelo. 26/08/1998 foto: pressa.tv |
A compra no mercado dos alimentos baratos, novembro de 1998 |
A compra e venda de alimentos e dodca, possivelmente junto à estação dos caminhos-de-ferro |
As
empresas Visa e American Express começaram a bloquear os cartões dos bancos
russos – já em 20 de agosto de 1998, a maioria destes estava à beira da
falência. Os bancos também pararam de aceitar os títulos do governo – mais uma
vez estes se transformaram em simples pedaços de papel. Muitas pessoas, para sobreviver,
foram novamente obrigadas à sair às ruas para vender qualquer coisa que seja (na foto em cima).
Ecos
do default
Uma das últimas raras fotos realistas do Vladimir Putin, 2018 |
Um
ano após o default, em 9 de agosto de 1999, Putin se tornou o chefe interino do
governo russo. Boris Yeltsin o declara como seu “sucessor”, e mais tarde Putin
será indicado para ser eleito presidente da Rússia – os russos votarão nele
pela “estabilidade”. O que aconteceu depois vocês já sabem.
Blogueiro: de acordo com os cálculos da União Bancária de Moscovo, as perdas da economia
russa em agosto de 1998 totalizaram 96 bilhões de dólares, dos quais o setor
corporativo perdeu mais 30 bilhões e a população cerca de 19 bilhões (fonte).
Consta-se também, que só na cidade de Moscovo em agosto-setembro de 1998 faliram cerca de
500.000 empresas.
A
crise russa também atingiu outros países do espaço pós-soviético,
principalmente nos segmentos da economia com fortes ligações ao mercado consumidor russo.
Mas isso aconteceu de forma gradual e o choque foi muito menos violento.
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