Entre
1930 à 1966 nos kolkhozes soviéticos os camponeses deixaram de receber os salários,
trabalhando pelos “dias-de-trabalho” contabilísticos, que teoricamente poderiam
ser trocados pelos alimentos ou outros géneros. Os fãs da URSS costumam argumentar
que tudo é uma mentira, mas, por outro lado, assim é que era um socialismo melhor.
A propaganda comunista monumental algures na Ucrânia soviética |
Na
verdade, o sistema de “dias-de-trabalho” foi a legalização real de trabalho
escravo na União Soviética, seguida pela privação dos camponeses dos seus
documentos de identificação (para impedir que eles fugissem para as cidades,
tentando se libertar dessa mesma escravidão comunista) – o que, claro, aproximou
mais o sistema soviético ao esclavagismo real.
Como
tudo começou
Slogan: Kolkhozianos na base de coletivização total, liquidaremos kulak como classe (algures na Rússia soviética) |
Em
1917, no império russo decorreu o golpe bolchevique que colocou no poder grandes
demagogos e populistas. No início, bolcheviques até aprovaram alguns decretos
decentes (“Decreto sobre a Terra”, “Decreto sobre a Paz”), após o falhanço da
sua política de “comunismo da guerra”, chegaram à proclamar o proto-capitalismo
chamado NEP (Nova Política Económica). Ao mesmo tempo tornava-se cada vez mais claro
que os cidadãos livres não precisavam de bolcheviques para grande coisa, e que nas
eleições livres e justas, os estes jamais vencerão.
Também
se tornou claro que o “poder popular soviético”, não era nem popular, nem
soviético: o poder comunista não consultava ninguém, os sindicatos livres foram
proibidos e os que sobreviveram tornaram-se meros servidores do “partido e do
governo”, e no campo, os bolcheviques falharam em todos os aspectos – os camponeses
laboriosos chumbavam os bolcheviques nas eleições locais, expondo a sua demagogia
ao ridículo e votando em gestores inteligentes.
Como
resultado – os bolcheviques começaram a onda de repressão contra todos os “dissidentes”:
os restantes partidos políticos foram declarados “inimigos” e destruídos; os
camponeses abastados e independentes foram declarados de kulaks/kurkuls e
deportados, os trabalhadores que exigiam o controlo “soviético” nas fábricas e nas
unidades fabris – eram levados ao GPU/OGPU, acusados de ser “contra-revolucionários”.
Até
1930, na URSS se estabeleceu uma ditadura da falta de liberdade vezes mais
poderosa do que a czarista. Se no período de 1905-1917, os operários gozavam do
direito da livre reunião, tinham direito de protestar, de criar comités grevistas
e publicar os seus próprios jornais – agora quaisquer protestos eram esmagados de
vez, os “instigadores” eram deportados ou fuzilados, ao campo voltou a escravidão.
Dias-de-trabalho
e a servidão soviética
O
sistema de jornada de trabalho foi introduzido em 1930, durante o período do estalinismo
inicial e funcionou até maio de 1966. Os camponeses deixaram de receber os
salários, em vez disso eram lhes contabilizados os “dias úteis de trabalho”, sistema
extremamente cruel e parecido com o sistema de contabilidade nos campos de
concentração nazis ou soviéticos. Pelos trabalhos físicos pesados no kolkhoz,
os camponeses recebiam os dias contabilísticos nos livros de contas. Mais
tarde, estes dias-de-trabalho virtuais, podiam ser trocados pelos alimentos, ou
então, eram simplesmente anulados por qualquer infração menor, por exemplo, pelo
“não cumprimento de metas” (extremamente altas), os camponeses eram descontados
até 25% destes dias úteis.
Os dias-de-trabalho medidos em gramas de grãos |
Na
década de 1930, os kolkhozes pobres pagavam por cada dia-de-trabalho 30 copeque
em dinheiro – neste valor um camponês podia receber a quantidade correspondente
de grãos ou de lã. Como resultado – a fome maciça e incrível pobreza entre os
camponeses. Caso possuíssem a sua própria horta/roça/machamba, os camponeses
tinham que pagar os impostos exorbitantes (na imagem em baixo) – o que os arruinava ainda mais.
Para
impedir a fuga dos camponeses às cidades, as autoridades comunistas deixaram de
emitir-lhes os documentos de identificação, legalizando, desde 1932 a verdadeira
escravidão real – assim os camponeses deixaram de poder mover-se livremente,
escolher o tipo de atividade que queriam fazer, etc.
Os
novos senhores feudais eram os chefes dos kolhozes – agora eles decidiam a
emissão de livre-condutas que permitiam aos camponeses deixar a sua aldeia – mandando
completamente no destino deles e até dos seus filhos. Os jovens tentavam ao
máximo escapar desta escravidão coletiva: por exemplo, poucos rapazes retornavam
aos seus kolkhozes após servirem no exército soviético, as moças tentavam se
casar com alguém que já vivia na cidade, etc.
Devido
à pobreza geral, os kolkhozes praticamente não pagavam as pensões/reformas aos
mais velhos. Muitas vezes essa pensão era de apenas 2 rublos (3,38 dólares) ao
mês.
Como
tudo acabou
Em
1959 nos kolkhozes foi introduzido “pagamento mínimo garantido” – para que as pessoas
não morressem de fome (como muitas vezes acontecia no final da década de 1940),
em maio de 1966 foram cancelados os dias-de-trabalho – introduzindo o direito
garantido de pagamento da jornada de trabalho. No mesmo ano, os camponeses começaram
obter os documentos de identificação – após quase 50 anos no poder, o governo comunista
dos “operários e camponeses”, finalmente reconheceu aos camponeses o poder de
serem cidadãos soviéticos de pleno direito.
Aldeia Udachne, região de Donetsk, década de 1930, a família ucraniana expulsa da sua própria casa por serem membros de uma família kurkul... |
No
decorrer da Perestroika, o sistema dos dias-de-trabalho foi deninciada como
trabalho escravo não remunerado, reconhecido pelo poder central como “um erro”.
No resultado do qual várias gerações de camponeses soviéticos viveram na
escravidão real, falta de direitos e muitas vezes morrendo de fome...
Atualmente,
os dias-de-trabalho foram novamente reintoduzidos na auto-proclamada “república
popular de Luhansk”, onde os trabalhos agrícolas comuns são contbilizados em
livros de registo, com a promessa de posteriormente pudessem ser trocados por géneros
alimentícios. Um lugar realmente maravilhoso para todos os fãs da URSS – vocês todos podem
migrar para Luhansk e apreciar a “grandeza socialista”. E provavelmente saborear
um delicioso sorvete local. Ou não.
Fotos:
arquivo | Texto: Maxim
Mirovich
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