segunda-feira, agosto 06, 2018

Escravidão soviética. Pagamentos em “dias-de-trabalho”

Entre 1930 à 1966 nos kolkhozes soviéticos os camponeses deixaram de receber os salários, trabalhando pelos “dias-de-trabalho” contabilísticos, que teoricamente poderiam ser trocados pelos alimentos ou outros géneros. Os fãs da URSS costumam argumentar que tudo é uma mentira, mas, por outro lado, assim é que era um socialismo melhor.
A propaganda comunista monumental algures na Ucrânia soviética
Na verdade, o sistema de “dias-de-trabalho” foi a legalização real de trabalho escravo na União Soviética, seguida pela privação dos camponeses dos seus documentos de identificação (para impedir que eles fugissem para as cidades, tentando se libertar dessa mesma escravidão comunista) – o que, claro, aproximou mais o sistema soviético ao esclavagismo real.

Como tudo começou
Slogan: Kolkhozianos na base de coletivização total, liquidaremos kulak como classe
(algures na Rússia soviética)
Em 1917, no império russo decorreu o golpe bolchevique que colocou no poder grandes demagogos e populistas. No início, bolcheviques até aprovaram alguns decretos decentes ​​(“Decreto sobre a Terra”, “Decreto sobre a Paz”), após o falhanço da sua política de “comunismo da guerra”, chegaram à proclamar o proto-capitalismo chamado NEP (Nova Política Económica). Ao mesmo tempo tornava-se cada vez mais claro que os cidadãos livres não precisavam de bolcheviques para grande coisa, e que nas eleições livres e justas, os estes jamais vencerão.

Também se tornou claro que o “poder popular soviético”, não era nem popular, nem soviético: o poder comunista não consultava ninguém, os sindicatos livres foram proibidos e os que sobreviveram tornaram-se meros servidores do “partido e do governo”, e no campo, os bolcheviques falharam em todos os aspectos – os camponeses laboriosos chumbavam os bolcheviques nas eleições locais, expondo a sua demagogia ao ridículo e votando em gestores inteligentes.

Como resultado – os bolcheviques começaram a onda de repressão contra todos os “dissidentes”: os restantes partidos políticos foram declarados “inimigos” e destruídos; os camponeses abastados e independentes foram declarados de kulaks/kurkuls e deportados, os trabalhadores que exigiam o controlo “soviético” nas fábricas e nas unidades fabris – eram levados ao GPU/OGPU, acusados de ser “contra-revolucionários”.

Até 1930, na URSS se estabeleceu uma ditadura da falta de liberdade vezes mais poderosa do que a czarista. Se no período de 1905-1917, os operários gozavam do direito da livre reunião, tinham direito de protestar, de criar comités grevistas e publicar os seus próprios jornais – agora quaisquer protestos eram esmagados de vez, os “instigadores” eram deportados ou fuzilados, ao campo voltou a escravidão.

Dias-de-trabalho e a servidão soviética

O sistema de jornada de trabalho foi introduzido em 1930, durante o período do estalinismo inicial e funcionou até maio de 1966. Os camponeses deixaram de receber os salários, em vez disso eram lhes contabilizados os “dias úteis de trabalho”, sistema extremamente cruel e parecido com o sistema de contabilidade nos campos de concentração nazis ou soviéticos. Pelos trabalhos físicos pesados ​no kolkhoz, os camponeses recebiam os dias contabilísticos nos livros de contas. Mais tarde, estes dias-de-trabalho virtuais, podiam ser trocados pelos alimentos, ou então, eram simplesmente anulados por qualquer infração menor, por exemplo, pelo “não cumprimento de metas” (extremamente altas), os camponeses eram descontados até 25% destes dias úteis.
Os dias-de-trabalho medidos em gramas de grãos
Na década de 1930, os kolkhozes pobres pagavam por cada dia-de-trabalho 30 copeque em dinheiro – neste valor um camponês podia receber a quantidade correspondente de grãos ou de lã. Como resultado – a fome maciça e incrível pobreza entre os camponeses. Caso possuíssem a sua própria horta/roça/machamba, os camponeses tinham que pagar os impostos exorbitantes (na imagem em baixo) – o que os arruinava ainda mais.

Os novos senhores feudais eram os chefes dos kolhozes – agora eles decidiam a emissão de livre-condutas que permitiam aos camponeses deixar a sua aldeia – mandando completamente no destino deles e até dos seus filhos. Os jovens tentavam ao máximo escapar desta escravidão coletiva: por exemplo, poucos rapazes retornavam aos seus kolkhozes após servirem no exército soviético, as moças tentavam se casar com alguém que já vivia na cidade, etc.

Devido à pobreza geral, os kolkhozes praticamente não pagavam as pensões/reformas aos mais velhos. Muitas vezes essa pensão era de apenas 2 rublos (3,38 dólares) ao mês.

Como tudo acabou

Em 1959 nos kolkhozes foi introduzido “pagamento mínimo garantido” – para que as pessoas não morressem de fome (como muitas vezes acontecia no final da década de 1940), em maio de 1966 foram cancelados os dias-de-trabalho – introduzindo o direito garantido de pagamento da jornada de trabalho. No mesmo ano, os camponeses começaram obter os documentos de identificação – após quase 50 anos no poder, o governo comunista dos “operários e camponeses”, finalmente reconheceu aos camponeses o poder de serem cidadãos soviéticos de pleno direito.
Aldeia Udachne, região de Donetsk, década de 1930, a família ucraniana expulsa
da sua própria casa por serem membros de uma família kurkul...
No decorrer da Perestroika, o sistema dos dias-de-trabalho foi deninciada como trabalho escravo não remunerado, reconhecido pelo poder central como “um erro”. No resultado do qual várias gerações de camponeses soviéticos viveram na escravidão real, falta de direitos e muitas vezes morrendo de fome...

Atualmente, os dias-de-trabalho foram novamente reintoduzidos na auto-proclamada “república popular de Luhansk”, onde os trabalhos agrícolas comuns são contbilizados em livros de registo, com a promessa de posteriormente pudessem ser trocados por géneros alimentícios. Um lugar realmente maravilhoso para todos os fãs da URSS – vocês todos podem migrar para Luhansk e apreciar a “grandeza socialista”. E provavelmente saborear um delicioso sorvete local. Ou não.

Fotos: arquivo | Texto: Maxim Mirovich

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