O
realizador russo de origem judaica, nascido na Ucrânia, Vitaly Mansky,
apresenta o seu novo trabalho – o filme documental Rodnye
(o titulo internacional Close Relations), uma co-produção da Letónia, Alemanha,
Estónia e Ucrânia; centrado na Ucrânia, vista através do prisma da família do próprio
realizador, espalhada pela Ucrânia e seus territórios ocupados: de Lviv à
Sebastopol, de Odessa à Donetsk.
A família Mansky, década de 1970 (?) foto @deckert-distribution.com |
O
filme do Mansky é declaradamente apolítico, embora a política está mais que
presente na sua narrativa, é uma espécie da parte integral da vida dos seus familiares,
os cidadãos comuns da Ucrânia. O filme mostra como a situação dramática em que
vive Ucrânia tocou a
vida de uma família alargada. E o realizador com muito cuidado, com uma técnica
profissional subtil, revela as suas consciências – o que eles vivem, o que sentem
e o que pensam.
O poster ucraniano do filme |
Uma
das personagens do filme é a mãe do realizador, Victoria, que vive em Lviv. Ela
responde ao filho, de forma emocional, quando ele a pergunta se haverá a guerra
entre Rússia e Ucrânia: “Me deixa com a sua política, deixe-me terminar as
panquecas!” Apesar da sua origem judaica, a mãe se sente ucraniana, toda a sua
vida ele viveu e trabalhou em Lviv. Ela pode não concordar com essa ou aquela
decisão política, mas está absolutamente segura de que Ucrânia é a sua pátria.
O
tio Mikhail (Mykhaylo), de 96 anos de idade, que vive na região de Donetsk
desde 1948, quando “Estaline e a pátria socialista” o mandaram à região para “levantar
a indústria”. Ele sabe quem são os inimigos principais: são “os fascistas americanos
que querem, ao todo custo, dividir a Rússia”.
O poster internacional do filme |
Cidade
de Odessa. O iate corta as ondas, e os primos e primas otimistas garantem ao realizador:
“Odessa não será bombardeada. Para que lutar? É melhor trabalhar ... ou negociar!”.
O jovem sobrinho Valeriy declara rindo: “sou pela Ucrânia unida, mas não vou ao
exército, à cem por cento!”; o seu pai, empresário do sucesso Igor (dono do iate
e neto do Mikhail), responde imediatamente ao filho: “Não vais como?!! Se mesmo
eu vou!”; mas depois garante categoricamente: “mais um mês ou dois, até o inverno
(a conversa decorria no verão de 2014), e a guerra na Donbas terminará”. A tia
Valentina veio à Odessa de Donetsk, mas proibia de a chamar de refugiada: “no
serviço do meu marido muitos foram aos batalhões [de terroristas], o soldado [recebe]
15.000 [rublos], o comandante – 50.000”. Ela acabou por voltar à dita “dnr”. O primo Igor, visitando a residência de Yanukovych nos arredores
de Kyiv: “aqui você pisa os maços de dólares, clip-clop”, diz ele [a sequência aparentemente não entrou na versão final do filme].
A
tia Lyuda que vive em Lviv na companhia do seu cão rafeiro (que salvou do abate),
lembra que ficou chocada quando pela primeira vez na Ucrânia demoliram o
monumento do Lenine. Em 2015 ela reclama do seu ex-ídolo, o realizador russo Nikita Mikhalkov: “Na
parede sempre estava pendurado Mikhalkov. Tão bonito! Trouxe [o poster] de Moscovo.
E agora enrolei – e coloquei junto ao papel de reciclagem...” Depois disso, absolutamente
inesperadamente, tira o póster de uma gaveta e o desdobra. Afinal, não teve a força
de vontade suficiente para se separar dele: “Quando recolher cinco quilogramas de
papel – o entrego à reciclagem!”
Nas
ruas de Lviv, a câmara cruza com a procissão fúnebre com mais um caixão do
militar ucraniano que tomou na defesa da Pátria, a procissão passa lentamente
pela linda vitrina do café, onde estão fofocando, Halyna, a concunhada do
realizador e a sua filha.
A cidade de Lviv, fim do 2014 |
Na
Crimeia, em Sebastopol, o gorducho Max, filho na Natália, primo do 1º grau do realizador
e ex-marinheiro da armada ucraniana do Mar Negro, está assistir na TV ucraniana
e discurso do presidente Petró Poroshenko: “Ucrânia não se vende!” Mais tarde,
no dia 31 de dezembro de 2014, a sua família celebra o Ano Novo, primeiro no horário
russo e uma hora depois no horário ucraniano...
O
episódio mais emotivo do filme é uma conversa via Skype entre Natália, que vive
em Sebastopol e a sua sobrinha Lyuda (filha da irmã da Natália – Tamara) que
vive em Lviv (e pratica a dança de ventre). Filhas do mesmo pai e da mesma mãe,
Natália e Tamara estão viver Maydan, ocupação da Crimeia e a guerra russo-ucraniana
de uma forma absolutamente antagonista. A Natália assiste, com lágrimas de
felicidade nos olhos, os fogos-de-artifício de Ano Novo em Sebastopol (em 31 de
dezembro de 2014), já sob a bandeira russa e grita, via Skype, com a sua irmã Tamara:
“Se você quer falar comigo, é só sobre os familiares. Fechamos o tema! Fechamos!
Pare! Stop! Não falamos sobre política, quero conversar consigo!” Sem sair da
Crimeia, ela chama o exército ucraniano de “carrascos” e não entende porque
razão Tamara não quer conversar com ela, enjoada dos clichés da propaganda
russa. Durante toda a “conversa”, as irmãs não chegaram à conversar diretamente...
A família Mansky na década de 1940 (?), de esquerda à direita: Natália (hoje em Sebastopol); avó do realizador (já falecida); Tamara e Victoria (com uma trança, ambas de Lviv); Lyuda (a mais pequena) |
A
rejeição da propaganda, a vontade de não se identificar com os líderes políticos
que provocam o seu desgosto é uma reação defensiva natural dos familiares do
realizador, mas, infelizmente, não pode garantir-lhes a paz e segurança. O
filme mostra muito bem que a pertença étnica, não é uma separação principal que
divide os ucranianos e cidadãos da Ucrânia. Na família Mansky, por exemplo, o
elemento étnico ucraniano não é significativo, nem é predominante, mas muitos membros
da família, especialmente os mais novos, consideram Ucrânia como a sua Pátria,
estão prontas à defendê-la (no fim do filme, Yevheniy, o filho da Lyuda de 17
anos de idade e um nerd “inútil” na opinião da avó, é chamado às Forças Armadas
da Ucrânia, ele responde à chamada e se dirige à base do exército). Ao mesmo tempo, a Ucrânia para os moradores de Lviv significa a
Europa, eles se consideram ainda pobres, mas sem dúvida, europeus.
Grupo de dança folclórica "Yunist" (Juventude), da cidade de Lviv, onde trabalha a concunhada do realizador Halyna e onde dança a filha dela |
Estas
situações interessantes, complexas e controversas, mostradas no filme do Mansky,
oferecem uma oportunidade aos seus espetadores de sentir a essência do que está
hoje acontecendo na Ucrânia. Aquilo que as pessoas realmente pensam e sentem, e
como é difícil manter as relações humanas nessa situação, permanecer humano.
Neste aspeto o filme não é exclusivamente sobre Ucrânia ou as consequências
familiares da guerra russo-ucraniana, mas também sobre outros países que vivem hoje
os tempos muito conturbados e complexos, envenenando-se com a propaganda, fobias
e os medos de uma possível guerra.
Ver
o filme em versão integral:
(o vídeo foi removido pelo seu autor)
(o vídeo foi removido pelo seu autor)
Sem comentários:
Enviar um comentário