Nas
décadas de 1970-1980 e no início da década de 1990, a TV era praticamente a única
fonte de informação aos cidadãos soviéticos sobre a vida fora da URSS — a Internet
ainda não era conhecida e as pessoas formavam a sua opinião sobre os
acontecimentos contemporâneos, seguindo a informação trazida pela TV.
É
preciso dizer que a TV soviética realmente produziu alguns programas bastante avançados
para os padrões da sua época, casos de “600 segundos”, “Vzglyad”
(Olhar), “Antes
e depois da meia-noite”, todos existentes num curto período de tempo, entre
1987 e 1991. No restante período entre 1970 e 1980, a TV soviética era maçante
e aborrecida.
A
postagem de hoje é dividida em 7 capítulos, onde serão abordados os principais
vetores da programação soviética. Além dos abordados, existiam os filmes,
séries e programas infantis e juvenis, que serão omitidos nesta postagem, dado
que não influenciavam muito o panorama geral.
1.
«Notícias»
As
“notícias” soviéticas, representadas pelo telejornal principal, programa Vremya (Horas) não informavam,
mas faziam a propaganda. Aos cidadãos soviéticos contavam dos milhões de
toneladas de centeio colhido ou da quantidade de ferro fundido efetivamente fundido,
o que deveria incutir no cidadão comum a impressão de que o seu país
está se movendo na direção certa. Todos os fenómenos de crise crescente na
economia eram abafados, e seus sintomas visíveis, tais como filas intermináveis e deficits constantes
eram explicados com “algumas falhas locais” e pelo facto de que na URSS “ainda
há os gestores públicos comerciais irresponsáveis!”
Falando
sobre os países estrangeiros em geral e dos ocidentais em particular, se dizia
que “Ocidente está se apodrecendo”. Nos EUA, ora uma loja é assaltada, ora um avião
é desviado e assim constantemente! Ao mesmo tempo, muitas vezes se fazia uma
observação de que toda a culpa é do governo militarista capitalista e que os “americanos
comuns” estão à sofrer. Às vezes, em forma de equilíbrio, se fazia uma
reportagem neutra sobre alguma exposição de pintura em Roma ou Paris.
A
principal característica da “notícia” soviética – era absolutamente impossível de
entender o que realmente estava acontecendo. Assim as “notícias” noticiavam a
catástrofe de Chornobyl ou a guerra no Afeganistão: “o nosso partido e o
governo estão fazendo todo o esforço possível para superar os problemas de um
pequeno acidente na central nuclear “Lenine” de Chornobyl” ou “as nossas tropas
internacionalistas estão ajudando aos defensores da República Democrática do
Afeganistão na construção de canais de irrigação e são forçados de se defender
dos bandos – o fenómeno aberrante de basmachestvo,
infelizmente ainda não superado neste país”. Entenderam alguma coisa?
As
notícias soviéticas sempre eram lidas por locutores com vozes fixas, confiantes
e firmes [mas nada de serem teatrais como na Coreia do Norte] – para que os
cidadãos soviéticos não tenham a menor dúvida de que a realidade pode ser
diferente.
2.
Propaganda soviética
A
propaganda estava presente até certo ponto em todos os programas, mas também
havia programas especialmente dedicados à propaganda – por exemplo: “Sirvo a
União Soviética”, “Panorama Internacional”, “Nono Estúdio” e alguns outros.
“Sirvo
a União Soviética” era um programa patético e completamente falso sobre o
exército soviético. O programa não contava que os militares soviéticos no
Afeganistão muitas vezes andavam com o fardamento esfarrapado e sem assim
chamados “coletes de descarregamento” (que nem sequer eram fabricados na URSS),
sem o calçado adequado, sofrendo constantemente as consequências de “relações
não estatutários” (os soldados com 1,5 anos do serviço militar à transformarem nos seus servos e maltratarem os recrutas); mas à cada domingo saia uma nova
reportagem de como é bom servir no exército soviético.
“Panorama
internacional” contava os horrores do capitalismo decadente – geralmente, as
decadências que decorreram na última semana. Os mujahedeens afegãos eram chamados
de basmachi e bandidos; mas qualquer grupo armado que lutava contra os
“capitalistas e neocolonialistas” era considerado como “lutadores pela
liberdade e independência”. O programa teve alguma popularidade entre os
espectadores, pois mostrava um bocadinho da vida real além da “cortina de ferro”
– muitas vezes a única oportunidade de ver como as pessoas viviam “lá”.
No
“Nono Estúdio” três analistas políticos passaram horas conversando sobre o iminente
colapso do Ocidente, a crise nos Estados Unidos, os “crimes do sionismo mundial”
e outras coisas semelhantes. Os “observadores políticos” muitas vezes usavam as
palavras inteligentes copiadas dos dicionários, de modo que os cidadãos
soviéticos não tenham a menor dúvida das suas competências e a formação.
3.
“Diários de monitoramento do crescimento de feijão”
Havia
um grupo de programas “neutros”, dedicados aos animais ou plantas, como “No
mundo dos animais” ou [“Clube das Viagens Televisivas”], os mais interessantes
na TV soviética. Outros programas podiam falar sobre as taxas de crescimento de
alguns arbustos na região de lago Baical, tema absolutamente aborrecido,
interessantes apenas aos especialistas na matéria.
4.
«Quotidiano» e os congressos do CC do PCUS
Na
década de 1970 a TV soviética começou transmitir os discursos intermináveis e
aborrecidos do Brejnev e a partir dos 1980 começaram a ser transmitidos os
congressos do Comité Central do PCUS. Isto deveria mostrar a “abertura” do
poder soviético ao povo, mas os espectadores não eram particularmente bem
servidos, pois os cidadãos não influenciavam as decisões tomadas – tornava-se apenas
ainda mais evidente a distância abismal entre a realidade diária e as teses
proclamadas, pois muitas vezes os discursantes simplesmente repetiram as teses
de propaganda lidas ou ouvidas nas “notícias” (ver o 1º ponto).
Talvez
o mais interessante foi o 27º Congresso do Comité Central do PCUS, que se
realizou em 1986, já sob a liderança do Gorbachev – pela primeira vez no
congresso apareceu a crítica do curso que a URSS tomava, pairando no ar algum
sentimento geral de que país estava indo ao “rumo errado”. Após o Congresso, os
neologismos como “perestroika”, “glasnost” e “uskorenie” (aceleração) entraram
em linguagem de uso comum.
5.
Ciência popular, programa «Óbvio – incrível»
Possivelmente,
a seção mais apelativa, logo após de “No mundo dos animais” [e “Clube das Viagens
Televisivas”]. O seu ponto fraco – frequentemente se falava sobre uma esfera
científica estritamente pormenorizada (por exemplo, o papel da Constante de
Dirac na medição do spin do electrão) e eram de pouco interesse ao público: os
físicos profissionais conheciam perfeitamente o tema, os cidadãos comuns não
entendiam nada. Por sinal, mesmo neste tipo de programas se metia a propaganda:
“vejam o equipamento do novo laboratório físico em Novosibirsk, não há igual em
nenhum país ocidental!”
Ocasionalmente,
eram produzidos programas interessantes – por exemplo, sobre os segredos das
pirâmides do Egito, Triângulo das Bermudas e outros monstros de Loch Ness – essas
edições saíam uma vez por cada 2-3 meses tornavam-se lendárias, muitas vezes eram
faladas durante anos! O que novamente confirma o nível aborrecido e maçante do
resto da “ciência popular”.
6.
Humor aprovado «em cima»
A
televisão soviética possuía os programas humorísticos – como “Kabachok (Taverninha)
13 cadeiras”, “À volta do riso”, edições da revista “Fitil” (Pavio). O humor
era bastante acinzentado, porque todas as piadas passavam pela censura prévia e
eram bastante “insonsas”. Caso se fazia piada sobre os falhanços da economia
soviética, os “culpado” sempre eram os “gestores públicos descuidados”, os “trabalhadores
negligentes” e os “preguiçosos e pequenos apropriadores dos bens”. Às vezes
surgia alguma piada realmente engraçada, mas, na maioria das vezes, o humor era
bastante forçado e primitivo.
[É
de notar que o programa “Kabachok (Taverninha) 13 cadeiras”, era baseado no
“humor dos países socialistas”, um sitcom onde os atores usavam a forma de
tratamento Sr./Sra. (Pan/Pani), situado
num imaginário barzinho polaco, foi fechado em outubro de 1980, na sequência
dos protestos do sindicato polaco Solidarność].
Algo
mudou com a Perestroika – em 1986 e após uma longa pausa desde 1972, novamente começou
ser transmitido na TV o concurso KVN
(Clube de Alegres e Inteligentes), as piadas mais ou menos boas começaram a
aparecer – principalmente após a proclamação da política de “glasnost”. No
final dos anos 1980, o KVN ganhou enorme popularidade – em parte precisamente
porque brincava com os temas que antes eram apenas sussurrados nas cozinhas. A sua
popularidade durou por mais de 20 anos...
7.
Desporto
Transmissão
de jogos de futebol, hóquei e outros ping-pongs. Era popular entre os fãs de desportos,
e na década de 1970, literalmente todos assistiam o hóquei. Mas os desportos ocupavam
uma parte muito pequena na grelha dos programas e na URSS não havia canais dedicados
ao desporto.
Como
podemos ver, a televisão soviética era chata, desinteressante e sobrecarregada
pela propaganda política. O que é de notar que os cidadãos soviéticos muitas
vezes assistiam os programas televisivas propagandistas apenas para ver como as
pessoas comuns viviam do outro lado da “cortina de ferro”.
Com
o fim da União Soviética, a maioria dos programas de televisão soviética caíram
no esquecimento, acabaram por se revelar inúteis e desinteressantes no âmbito da
livre concorrência televisiva. E desde o início da década de 2010, alguns
programas modernos de televisão [belarusa, russa ou dos países da Ásia Central]
começaram à copiar completamente os cânones soviéticos de propaganda – tanto no
seu conteúdo, como na forma de apresentar a informação. Mas esta é uma história
completamente diferente.
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