domingo, setembro 30, 2012

Aristocratas: comédia sobre o campo de concentração


Não sei se a propaganda nazi produzia os filmes que exaltavam as vivências laborais em Auschwitz. Mas a propaganda soviética produzia as comédias alegres sobre o dia-a-dia dos seus campos de concentração.

O Canal Mar Branco - Mar Báltico (Belomorcanal) é um projeto técnico de estalinismo inicial, superando os canais do Panamá e do Suez na sua extensão, aberto em tempo recorde de 20 meses. A sua abundante mão-de-obra escrava foi fornecida pelo campo de concentração soviético de Belbaltlag, que no pico da funcionalidade, em dezembro de 1932, encarcerava 107.900 pessoas.

Entre os prisioneiros havia muitos do delito comum, mas também um grande número de prisioneiros políticos. Na sua maioria eles eram pessoas inocentes, camponeses acusados de serem “kulaks”, privados das suas propriedades e colocados nos campos de trabalhos forçados. Havia também diversos sacerdotes, vários “inimigos de classe”, representantes da intelligentzia, principalmente os engenheiros e economistas, que desde 1928 eram falsamente acusados de sabotagem e condenados como “sabotadores”. As condições da vida em Belbaltlag eram sub-humanas: nas condições climatéricas pré-polares e recebendo a alimentação parca, os prisioneiros eram sujeitos às normas da produção bastante altas. O número total de vítimas é calculado entre 50.000 a 100.000 pessoas.

Literatura e propaganda no período estalinista

O eslavista alemão Joachim Klein, no seu artigo “Belomorkanal. Literatur und Propaganda in der Stalinzeit” (Belomorcanal: literatura e propaganda no período estalinista), publicado na revista “Zeitschrift für slavische Philologie”, № 55(1), 1995-1996, p. 53-98, analisa o papel desempenhado pela literatura soviética na propaganda estalinista, dissecando a comédia (!) do Nikolay Pogodin “Aristocratas”, dedicada à construção daquele canal.

Dramaturgo e jornalista do “Pravda”, Nikolay Pogodin (1900—1962) fez o seu nome exaltando as virtudes da industrialização e dos primeiros planos quinquenais soviéticos. Na carta à esposa escreve: “… Foi incumbido de escrever uma peça cinematográfica ou cenário literário sobre Belomorcanal… Deram me um dia para pensar. Pensei. E porque não”.

Mikhail Bulgakov, o autor do “Mestre e Margarida”, declinou a proposta semelhante e se recusou a visitar o canal. Pogodin, por sua vez, já produziu uma comédia teatral sobre a Fábrica de Tratores Estaline (1930) e uma outra sobre a vida alegre de kolkhoze (1934). Ele encarou a proposta – obrigação de escrever a comédia sobre a vida de campo de concentração como mais um trabalho cotidiano. Escreve o guião cinematográfico “Prisioneiros” e a peça teatral “Aristocratas”. O gênero é mais uma vez comédia, pois como ensinava o camarada Estaline: “Viver se tornou melhor, camaradas. Viver se tornou alegre” (discurso perante os stakhanovistas em 17 de novembro de 1935).

É claro, Pogodin não era único que dedicou o seu talento à exortação do “realismo socialista”. Ele mesmo afirma que Comité de Repertório (departamento da censura teatral) recebeu cerca de 200 peças dedicadas ao Belomorcanal. Mas a obra do Pogodin foi uma das poucas que chegou à exibição teatral nos diversos palcos soviéticos.

A estreia se deu em dezembro de 1934 no Teatro Realista de Moscovo. A segunda encenação teve lugar no Teatro Vakhtangov em maio de 1935. A esposa do Mikhail Bulgakov, Elena, caraterizou a obra como o “hino à GPU”. A peça foi vista pelo Lazar Kaganovich, pelo ex-chefe do OGPU, o comissário do NKVD Guenrikh Yagoda, pelo chefe do campo de concentração do novo canal Moscovo – Volga.

Em 1936 vários teatros de Moscovo, Leninegrado e outras cidades mostram a peça em cartaz. Mas a segunda onda do terror massificado já estava à porta e o regime soviético pretendia mudar o foco da estratégia propagandística. Centenas de milhares de detidos já não são “kulaks” ou “inimigos de classe”, são membros do partido e o tema de campos de concentração rapidamente se torna incómoda. O mesmo se pode dizer sobre a propaganda do “novo forjamento” (reeducação), com a sua premissa de reconciliação e de esperança. O livro é retirado de circulação e a peça deixa os palcos.

A situação muda completamente após 1956, quando no XX Congresso do PCUS, Nikita Khrushev denuncia os crimes do Estaline. A URSS vive a nostalgia pela alegada imaculidade dos primeiros anos pós-revolucionários, quando o socialismo ainda estava livre de “culto de personalidade” e outras “distorções”. Um dos iniciadores deste “reencontro às origens” é Bertolt Brecht, que visitou Moscovo em maio de 1955. A peça do Pogodin é traduzida em alguns línguas estrangeiras e encenada em Paris, Londres e Oslo.

Peça da propaganda estalinista

A comédia possui 48 personagens, o seu foco didático é criado pelas sentenças que marcam claramente a fronteira entre o bem e o mal. A construção do Belomorcanal é apenas o pano de fundo. O elenco principal é composto por diversos criminosos: assassinos, ladrões e prostitutas, eles desdenham o trabalho, são “aristocratas” da peça. Um deles é herói-individualista, Constantino-capitão, aventureiro com traços de salteador nobre. O contraste efetivo com o mundo criminal é feito pelo núcleo de “sabotadores”, os representantes da intelligentzia do regime pré-revolução. Os grupos são descritos como inimigos hirtos do poder soviético. No início também são inimigos entre si. No final feliz eles se reúnem em comunhão, se tornando os cidadãos soviéticos leais. O principal sentido ideológico da peça: estamos perante uma sociedade sem classes sob a bandeira do trabalho socialista.

Para o final feliz contribui sobremaneira a pedagogia inteligente do OGPU (desde 1934 NKVD). O principal chefe do OGPU encarna em si todo o poder soviético, ele não tem nome, é conhecido apenas como Chefe. Durante horas ele conversa com a criminosa Sónia para a colocar no bom caminho.

A peça pode ser considerada um melodrama socialista. O amor entre Constantino-capitão e a prisioneira – pequeno-burguesa é destruído por causa dos preconceitos sociais. Vários prisioneiros choram: “sabotador” olhando para o retrato da mãe, assassina Sónia não consegue falar por causa dos sentimentos, Constantino-capitão interrompe o seu discurso para limpar as lágrimas. Criminoso Alexei lê os versos compostos por ele, tocantes pela sua simplicidade, agora ele é “novamente nascido” e “chora de felicidade”.   

Ler o artigo na totalidade:

Ler o contraditório do Varlaam Shalamov: “A Sangue gatuna” (1959)

Ver o filme “Prisioneiros” (1936), baseado na peça do Pogodin e com guião da sua autoria. Uma comédia alegre sobre o dia-a-dia do campo de concentração soviético.

Ler a peça:

sexta-feira, setembro 28, 2012

Reforma da polícia à georgiana


A reforma da polícia executada na Geórgia pode e, provavelmente, deve servir de inspiração à todos os países em vias de desenvolvimento que pretendem seriamente combater o crime. O influente blogueiro russo, Drugoi (Rustem Adagamov), visitou a Geórgia recentemente e nos conta como a Revolução de Rosas conseguiu este pequeno milagre.

Polícia de Trânsito

A Polícia de Trânsito era vista na Geórgia como uma máquina implacável de extorsão aos automobilistas. Na autoestrada entre Tbilissi e Kutaisi (menos de 400 km), os carros podiam ser parados cerca de 20 vezes, qualquer desculpa servia para “pedir” dinheiro aos motoristas. Chegou-se ao ponto de os camionistas colocarem as notas nas caixinhas de fósforos, que atiravam em frente dos postos de controlo, para não perder o tempo com as constantes paragens. Por isso, o Estado optou pela liquidação total deste serviço, despedindo cerca de 14.000 polícias, durante três meses Geórgia viveu sem a polícia de trânsito.

Em 15 de agosto de 2004 uma nova Polícia de Patrulha fez-se à estrada. Dos cerca de 2500 candidatos foram escolhidos 650 cadetes, os melhores foram formados na Academia do Ministério do Interior. A nova polícia controla não apenas o trânsito, mas é responsável pela resposta rápida à qualquer situação de emergência. Todos os caros da patrulha possuem a ligação à Internet, o armamento do seu pessoal é fabricado na Croácia (HS9). As patrulhas usam as viaturas ligeiras Škoda Octávia, após um ano do uso intensivo, 24/24 horas, o carro é substituído. Um ano após o início das reformas, o nível da confiança da população para com a nova Polícia de Patrulha subiu de 5% para 90%. 

Polícia Criminal

Todas as perturbações da ordem pública fora da área de resposta rápida são de responsabilidade da Polícia Criminal. Após a reforma, essa polícia ficou com apenas 5% dos seus efetivos anteriores. Os novos quadros passaram pelo curso intensivo na Academia policial, as posições do criminologista ou de investigador podem ser preenchidos apenas pelos licenciados em Direito.

Crime organizado

Desde 2004 Geórgia começa a luta sem quartel contra os ladrões em lei (termo semelhante ao “padrinho” da máfia italiana). O Parlamento criminalizou os termos “ladrão em lei” e “mundo dos ladrões”. As forças da lei e da ordem sabiam, que pelo “código de honra” dos criminosos, nenhum líder do crime organizado podia negar publicamente o seu estatuto do “padrinho”, sem perder o mesmo aos olhos dos comparsas. A nova lei georgiana penalizava o estatuto do ladrão em lei com uma pena de prisão de 10 anos. Qualquer “padrinho” que confirmava o seu estatuto criminal durante o julgamento ia para a cadeia.

Desde maio de 2005, na Geórgia qualquer crime é registado e faz parte da estatística logo no período de investigação preliminar. Em 2006 polícia georgiana registou 62283 crimes, destes 29249 eram considerados graves. Desde 2006 o número de crimes diminui de ano para o ano. O “modelo americano” da polícia e do sistema judicial funcionou. Como disse o presidente Saakashvili: “Na Geórgia … nenhum ladrão em lei está em liberdade”.

Ivane Marabishvili, ex-ministro do Interior, atualmente o primeiro-ministro da Geórgia, disse na entrevista à edição russa da revista Forbes:

— Adotamos a nova lei sobre o acordo com o criminoso. 96% de todos os processos terminam com este acordo. Por exemplo, se o acusado enfrenta a pena de prisão entre três e seis anos, ele pode optar pela pena mínima de três anos e o caso termina em 15 minutos. Se não concorda – todo o sistema judicial o tenta condenar à pena máxima de seis anos. Anteriormente, em média, o processo judicial durava cerca de um ano e meio”.

Merabishvili também é conhecido pela sua frase: “No mundo existe apenas dois caminhos, ou se aproximar à cultura ocidental, ou não ir para lugar nenhum”.

Ministério do Interior

O edifício do novo complexo do Ministério do Interior foi desenhado pelo arquiteto italiano Michele de Lucchi. Todos os funcionários do ministério e os soldados que guarnecem o edifício comem no mesmo centro social. No edifício transparente os chefes não tem os gabinetes próprios, todos trabalham juntos. Nas tardes, o quintal do Ministério se transforma no local onde passeiam os cidadãos e ninguém os impede de usufruir deste espaço verde…

Em março de 2010 um inspetor da polícia recebia desde 390 USD, patrulheiro desde 480 USD, chefe do departamento e inspetores da polícia criminal desde 720 USD, superando o salário médio nacional. Um polícia também recebe prémios e seguro médico. A profissão da polícia se tornou uma das mais prestigiadas no país e o concurso da Academia policial é de 50 pessoas para cada lugar. Hoje, os salários da polícia superam os salários nacionais em dobro. Inspetor já ganha 400 – 500 USD, patrulheiro 600 – 1000 USD, chefes dos departamentos e inspetores da polícia criminal até 2000 USD.

Sim, a reforma policial da Geórgia é financiada pelos fundos dos EUA: por exemplo, em 2006 foi alocado 1 milhão de USD para a computorização dos carros da patrulha, em 2009 polícia recebeu 20 milhões para as diversas necessidades.

Mas por aceitar um suborno de 50 USD, o polícia pode ser condenado até 10 anos de cadeia. Os processos de subornos são gravados pelas câmaras ocultas, a cobertura ou não denúncia do colega corrupto também é penalizada. Os funcionários de uma inspeção especial regularmente testam os polícias; se passando pelos cidadãos oferecem os subornos ou, passando pelos parceiros cometem irregularidades, verificando depois se o polícia testado reportou essas irregularidades no relatório do serviço.

Quais são os resultados da reforma? Os dados da organização internacional Transparency International, colocam Geórgia entre os 5 países menos corruptos do mundo, ao lado da Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, Alemanha e outros países desenvolvidos. Num estudo recém-efetuado, apenas 3% dos georgianos disseram que em 2010 pagaram qualquer suborno em qualquer instituição de estado. Apenas 9% da população crê que a situação com subornos piorou e 78% consideram que a corrupção diminuiu.

A polícia georgiana continua fornecer os computadores portáteis à todos os seus funcionários. O engenho se chama PolicePad e permite aceder à base de dados da polícia para consultar os dados sobre os cidadãos.

Fonte & Fotos

Blogueiro

Nas vésperas das eleições georgianas (dia 1 de outubro), no país foi divulgado um vídeo de alegados maltratos de um alegado “ladrão em lei” numa das cadeias da Geórgia. Como reagiu o governo georgiano? Demitiu-se o ministro do Interior (cujo ministério não é responsável pelo sistema penitenciário). Demitiu-se a Ministra do Sistema Correcional e de Ajuda Jurídica, Khatuna Kalmakhelidze, com responsabilidade direta no sistema penitenciário georgiano. O novo ministro do pelouro anteriormente ocupava a posto de ombudsmen.

O caso foi entregue à Procuradoria da República, uma parte significativa dos guardas prisionais foi despedido, os seus postos foram ocupados pela polícia de patrulha até que sejam formados novos quadros. TODOS os presos receberam o direito de um encontro extra com os familiares, para que as famílias saibam que eles estão bem. Será formada uma Comissão de Inquérito, para fazer uma investigação total e absoluta deste e de todos os casos semelhantes.

Não conheço nenhum outro país, que já passou por um caso semelhante e onde o Governo teve a reação semelhante. Mas conheço vários países, onde a morte de dezenas de prisioneiros em circunstâncias nunca esclarecidas não mudou absolutamente nada no sistema penitenciário do país.

quarta-feira, setembro 26, 2012

Lobistas do Mubarak não salvam Yanukovych


Recentemente, o Senado dos EUA adotou a Resolução № 466 que “condena perseguição judicial politicamente motivada e a prisão da ex-Primeira-Ministra da Ucrânia, Yulia Tymoshenko”. A resolução exige a libertação da Yulia Tymoshenko e pede o Departamento do Estado instituir a proibição de visitar os EUA à todos responsáveis pela prisão e maus-tratos da Yulia Tymoshenko e de dezenas de outros dirigentes políticos ucranianos.

A resolução foi adotada nas vésperas da visita do presidente Yanukovych à Nova Iorque, onde ele discursará na reunião plenária da Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Para que a permanência do Yanukovych nos EUA seja mais confortavelmente possível, os detalhes da sua visita foram cuidados pelos lobistas, que anteriormente tratavam da imagem do ex-presidente egípcio, Hosni Mubarak.     

Consta-se que o lobista – chefe do regime do Yanukovych em Washington D.C., é Anthony Podesta, considerado com um dos lobistas mais influente dos EUA. Além disso, ele é irmão do John Podesta, ex-chefe da Administração do presidente Clinton e conselheiro do Barack Obama.

Os serviços do Anthony Podesta foram contratados através da companhia belga “European Centre for a Modern Ukraine”, controlada pelo Partido das Regiões da Ucrânia. As empresas próximas do Podesta, “Podesta Group Inc.” e “Mercury/Clarc & Weinstock” foram contratadas pela “European Centre for a Modern Ukraine” logo após o pré-registo da Resolução № 466 no Congresso. Na rubrica “questões específicas de lobby” está escrito: “questões ligadas às relações entre Ucrânia e os EUA”. O trabalho de lobistas custou ao Partido das Regiões (isso é, aos contribuintes ucranianos) 310.000 USD em dois meses.

Os autores da resolução foram dois senadores, democrata James Inhofe e republicano Richard Durbin. Durbin estive na Ucrânia na primavera de 2012, se reuniu com Yanukovych, primeiro-ministro Azarov e chefe do MNE, Kostiantyn Hryshenko. Após a visita, Durbin discursou perante o Senado e comparou Yanukovych com o regime do Alexander Lukashenka:


O atual governo colocou na prisão a ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko pelo contrato de gás, alegadamente ilegal, com a Rússia. Nós podemos não concordar com as decisões políticas de ex-políticos, e eu não sei ajuizar até que ponto este contrato é bom ou não. Mas eu posso dizer que a democracia não implica a prática de colocação na cadeia de adversários políticos. Isso desencoraja as pessoas de concorrer aos mandatos.

Eu diria que em tais ações há um mau gosto da ditadura de Lukashenko da vizinha Belarus, o último ditador da Europa que no dia seguinte a sua eleição colocou na prisão todos os seus adversários políticos.

Durbin também informou que durante os encontros com Yanukovych e Azarov, eles lhe prometeram resolver a questão da Yulia Tymoshenko “as soon as possible”.

Quatro meses mais tarde, a questão ainda não foi resolvida. Por isso, “as soon as possible”, a Resolução foi colocada à votação no Senado. Partido das Regiões enviou para Senado o Embaixador e vice-embaixador da Ucrânia nos EUA, a oposição ucraniana estava representada pela filha da Yulia Tymoshenko – Yeugenia Tymoshenko e pelo seu advogado Serhiy Vlasenko.

A Resolução menciona o vice-procurador-geral da Ucrânia, Renat Kuzmin, que desde outubro de 2011 acusa Yulia Tymoshenko de ser mandante de assassinatos sem apresentar qualquer acusação formal.

Único senador com cujo apoio contava Ucrânia era republicano Richard Lugar, mas ele votou com todo o “chão” do Senado, condenando Ucrânia.

Além disso, Partido das Regiões enviou para Washington D.C., a delegação composta pelo Ministro das Finanças e pelos chefes do Banco da Ucrânia e das Alfândegas. Amigos do filho mais velho do Yanukovych e próximos à “família” do presidente, eles são vistos por alguns analíticos como futuro núcleo duro do Gabinete dos Ministros da Ucrânia.  Não se sabe se eles tentaram influenciar o sentido do voto da Resolução № 466, mas é certo que chegaram se reunir com o chefe do Departamento da Europa do vice-presidente americano.

Todo o procedimento de adopção da resolução e das suas emendas levou um minuto e 17 segundos. O lobby externo da administração do Yanukovych era um colosso com pés de barro. Milhões de dólares, dezenas empresas de RP, escritório em Bruxelas, as visitas intermináveis dos membros do Partido das Regiões à Europa e aos Estados Unidos ficaram impotentes diante de dois senadores de Illinois e Oklahoma, que compreenderam perfeitamente a natureza do atual poder ucraniano.

Fonte:
http://www.pravda.com.ua/articles/2012/09/24/6973327

domingo, setembro 23, 2012

Crimes do NKVD no Leste da Ucrânia


Apesar a fé quase religiosa dos apologistas de estalinismo, as repressões em massa dos anos 1930-1940 ceifaram não apenas a cúpula do partido comunista, mas exterminaram milhões de vidas de cidadãos absolutamente apolíticos, transformando os em “lascas” do terror soviético quer no longínquo GULAG, quer nos locais de extermínio massificado, algures perto da sua própria casa.
  
por: Dmytro Vyrovets (extrato)

Em cada capital distrital daqueles tempos, milhares de pessoas se transformavam em vítimas das repressões estatais massificadas. Para a execução das penas e ocultação apressada dos seus corpos, de propósito se alocavam os territórios nos subúrbios das cidades, longe das testemunhas. Mas ocultar totalmente estes “locais secretos” era impossível, devido à envergadura do terror contra a população civil, que ultrapassava todos os limites imaginários.

Os moradores da província ucraniana de Donetsk apontavam o campo de Rutchenkovo como um destes lugares, situado no bairro de Kirov, na cidade de Estalino (atual Donetsk). No fim de 1988 – início de 1989, os ativistas dos grupos da defesa dos direitos humanos, “Donbass-88”, grupo estudantil “Pluralismo”, sociedade “Memorial” local, enviaram os inquéritos às instituições do poder estatal perguntando sobre a existência possível das valas comuns no campo de Rutchenkovo. Todas as instituições, incluindo KGB local responderam que “não possuíam as informações” ou diziam “informações não confirmadas”.

Estranhamento, na segunda metade de 1988, o Comité executivo da cidade de Donetsk alocou o mesmo território para o desenvolvimento da cooperativa de garagens “Têxtil” (na URSS havia grande défice de garagens para as viaturas particulares). Era difícil de acreditar que o poder municipal não tinha informação sobre o uso que era dado à este local no passado.       

Na época era simplesmente impossível consultar os “arquivos especiais”, por isso ativistas pediram os moradores dos arredores compartilharem as suas memórias sobre aquela região. Uma parte dos testemunhos foi gravada, o jornal local, “Gorniatskaya Slava” (Glória Mineira), publicou o artigo sobre os segredos guardados pela estepe de Rutchenkovo.

As testemunhas contaram que desde meados da década de 1930, um murro de forma retangular, de dois-três metros de altura, cercou uma parte da estepe. O murro possuía arrame-farpado, existia uma torre com o guarda armado, no período noturno o campo era vigiado pelas patrulhas caninas. Os moradores locais sabiam que aqui foram executados os “inimigos do povo”. As pessoas eram transportadas diretamente do edifício do NKVD em Donetsk nos camiões conhecidos popularmente como “corvos negros”. Uma parte das vítimas já estava morta, outros eram trazidos para a execução. No território foram abertas as valas com o cumprimento de cerca de 100 metros, que eram preenchidos com os corpos dos executados. Uma das valas foi escavada na primavera – verão de 1989, praticamente em cima da construção das garagens, os ativistas foram informados que alguns proprietários mais apressados encontravam as ossadas e as despejaram na vala de drenagem mais próxima.  

Mas as testemunhas também contaram que autoridades soviéticas executaram os feridos do seu próprio hospital militar, localizado no hospital comum da cidade № 24, mesmo nas vésperas da ocupação nazi da cidade. Provavelmente, o mesmo destino foi dado aos estudantes das escolas de aprendizagem fabril e operária (FZU), filhos dos “inimigos do povo”, que não conseguiram ou não quiseram se evacuar.

Todos estes testemunhos terríveis necessitavam a confirmação no terreno, perante apatia total do poder estatal e municipal local. Em abril de 1989, os ativistas mal começando a cavar, descobriram as diversas ossadas massificadas. O procurador provincial, chamado para o local, “celebrizou-se” com a frase: “Mas não serão ossadas dos cães?” Os arqueólogos e antropólogos presentes confirmaram, as ossadas eram humanas. A procuradoria provincial abriu um caso criminal, começou a trabalhar a comissão oficial de inquérito.

Apesar da cobertura oficial, a força principal de escavação era constituída pelos estudantes da faculdade de história da Universidade de Donetsk, ativistas e seus amigos. O transporte, alimentação e ferramentas eram assegurados pela municipalidade local.

Durante as escavações foi encontrado um grande número de haveres pessoais: carteiras, escovas de dentes e as ossadas de mais de 500 indivíduos. A sua morte foi definitivamente violenta, os crânios com perfurações das balas, um grande número das balas espalhadas. Eram encontradas as diversas garrafas de bebidas alcoólicas, principalmente a vodka, sepultadas juntamente com os corpos. As datas de fabricação eram anteriores ao início da guerra entre Alemanha nazi e URSS. Não era crível que a bebida era servida aos executados para os acalmar, tudo indicava que os carrascos precisavam aumentar a sua “coragem”.

Numa das valas foram encontrados os restos humanos queimados, sentia-se perfeitamente o cheiro de querosena. Encontravam-se muitos haveres pessoais: lâminas de barbear, distintivos de mineiros, crucifixos, pentes, calçado masculino e feminino produzido na fábrica “Triângulo Vermelho”. A presença das escovas de dentes indicava que as vítimas podiam não saber da execução futura. Numa das escovas estava escrito o apelido Kozlovskiy, num porta-cigarros lia-se claramente “Pokarev V. D.” A investigação apontou que o porta-cigarros podia pertencer ao engenheiro mineiro da cidade de Kriviy Rih, vítima da repressão soviética.

Mais tarde, o grupo das escavações aproximou-se à resolução da questão mais gritante, execução dos soldados feridos e dos estudantes das escolas FZU, filhos de “inimigos do povo”, ocorrida em outubro de 1941, nas vésperas da ocupação da cidade de Donetsk pelos nazis. A verdade terrível já era contada pelos moradores locais, mas nem todos queriam acreditar nela, por causa do aproveitamento da tragédia feita pelas autoridades nazis após a tomada da cidade em 1941.

A imprensa generalista ucraniana, provincial e local não ousou a contar sobre a execução dos soldados do Exército Vermelho efetuada pelo NKVD. Apenas o jornal “Gorniatskaya Slava”, com a tiragem de 2.000 exemplares, publicou a recordação de um testemunho que no outono de 1941 viu “soldados soviéticos mortos, alguns amputados, ao seu lado estavam muitas muletas”. Havia testemunhos de dezenas de outros moradores, que confirmavam a informação.

No verão de 1989, 48 anos após os acontecimentos trágicos, o grupo de escavação desenterrou vários objetos caraterísticos de um hospital militar: ligaduras ensanguentadas, membros engessados, máscaras de oxigénio, loiça sanitária da época. Num buraco à parte foram encontrados os restos das camisas, muito parecidas com as uniformes usadas nas escolas FZU…

Em 4 de julho de 1989, o jornal “Pravda”, órgão central do PCUS, publica o artigo crítico e bastante honesto do seu correspondente ucraniano, Glotov, “Lá onde decidiram construir as garagens…” O jornalista visitou o local das escavações, falou com testemunhas, com representantes do poder municipal, entrevistou o investigador judicial e o perito da medicina legal. O artigo não mencionava os militares fuzilados, mas dizia abertamente que Rutchenkovo é o local das repressões em massa na província de Donetsk. Glotov criticava KGB provincial pela falta de cooperação na investigação do caso criminal e criticou o poder estatal pela burocracia e falta de profissionalismo. O artigo até mencionava o número total das vítimas das repressões na província de Donetsk na década 1930 – 40.000 pessoas. Embora o número mais tarde foi contestado, mas fornecido pelos “órgãos” locais não podia ser exagerado, mais certo que o número das vítimas das repressões era maior.

Segundo a lógica partocrática soviética, o artigo do “Pravda” foi um poderoso sinal de cima para baixo para os órgãos locais do poder estatal. O caso foi divulgado na televisão ucraniana, Comissão da cidade de Donetsk reconheceu o facto da existência da sepultura massificada…

No entanto, muito em breve, a mesma Comissão decidiu terminar as escavações e começar a transladação dos restos mortais descobertos. Seria impossível que uma decisão daquele tipo foi tomada sem consentimento de Moscovo, pois o caso foi recentemente e amplamente divulgado. Os ativistas ficaram convencidos que a principal razão dessa decisão tinha a ver com o caso dos soldados e estudantes de FZU executados. As escavações e os estudos do caso eram desde início muito mal vistos pela Direção provincial do KGB.

No dia 16 de setembro de 1989 foram solenemente transladados os restos mortais de 540 vítimas. No comício popular estavam presentes os representantes do poder local, membros da sociedade Memorial, representantes dos estudantes que participaram nas escavações. Os oradores diziam que o local da tragédia deveria preservar as memórias das vítimas do terror estalinista. Mas apenas 16 anos depois, em 2005, no Dia da Memória das vítimas do Holodomor e das repressões políticas na Ucrânia, naquele local foi inaugurado o monumento em memória dos cidadãos que se tornaram as “lascas” anónimas na tentativa do regime soviético “com a mão de ferro empurrar a humanidade à felicidade”.

Em 2007, o autor destas linhas visitou novamente o local. O campo de Rutchenkovo tinha um ar descuidado e abandonado. Aqui e ali foram abertas as pequenas hortas, a cooperativa de garagens se separou do monumento com um murro de concreto. O cemitério local se aproxima cada vez mais. Um grupo de jovens desocupadas bebia e fumava ao lado do monumento, fugindo antes de as puderam perguntar se elas faziam a ideia da história do local. O céu sobre o campo era tenso e desassossegado…

Fonte

quinta-feira, setembro 20, 2012

As crianças no GULAG soviético

O regime comunista soviético, à semelhança da sua congénere nazi, deportava as crianças e adolescentes para os campos de concentração de GULAG. Uma tragedia até hoje pouco conhecida pelo grande público.

Essa lacuna de conhecimento é preenchida pelo realizador americano Chris Swider, cujo filme documentário “Children in Exile”, venceu em 2011 o Festival de Cinema de Amsterdão, ganhando o prémio Van Gogh de Melhor Filme sobre o tema de Direitos Humanos.

Chris Swider fez o filme por causa da própria conexão pessoal: o seu pai, médico polaco, sobreviveu o campo de concentração do GULAG na cidade de Uchta. Em 1991 o realizador viajou até a Uchta, capital da República Komi, no oeste da Rússia, onde encontrou nos arquivos da cidade o processo do NKVD relativo ao seu pai. Ele também entrevistou diversas pessoas em Uchta: alguns eram polacos, outros não, mas a maioria ou eram ex-prisioneiros ou seus descendentes, que para sempre assentaram naquela região.

Para o filme Swider selecionou as pessoas que tinham 18 anos ou menos, quando foram deportados para GULAG. Eles contam a sua história. Não há no filme um único perito, historiador ou qualquer espécie da autoridade. Além da introdução, que utiliza imagens de arquivo para explicar a II G.M., todos relatam a experiência na primeira pessoa. O resultado é um olhar sincero e profundo que descreve os horrores que essas crianças presenciaram e sofreram no GULAG.

Há muita história no filme – contexto necessário que explica os meandros históricos e políticos e as complexidades sociais daqueles tempos, que ditaram o destino das crianças e das suas nações no conflito mais mortífero do continente europeu.

Em 22 de junho de 1941, a Alemanha nazi ataca a URSS, o seu aliado recente. Os soviéticos precisam de homens para a frente de combate, por isso assinam um pacto com os britânicos e com o governo polaco em exílio, chamado de “anistia”, uma farsa, considerando os polacos abrangidos pelo acordo nunca tinham cometido nenhum crime. A condição é que os polacos que queriam sair do GULAG deveriam se juntar ao exército polaco e combater os alemães. Uma missão bastante complicada, porque os homens e as suas famílias precisavam de uma autorização para sair da União Soviética, documento emitido pelo NKVD.

Uma das entrevistas mais surpreendentes do filme é com Wojciech Jaruzelski, último líder comunista da Polônia, que foi deportado para Cazaquistão em 1941, aos 16 anos, considerado pelas autoridades soviéticas como “elemento social indesejável”.

Janina Kepinska tinha 11 anos, quando foi deportada, se recorda que havia 48 pessoas no vagão que levou ela e a sua família para o Cazaquistão. Não havia instalações sanitárias, apenas um buraco no chão. Através do qual, perturbadoramente, os deportados poderiam ter uma noção de quantos tinham ido antes deles sobre as mesmas trilhas, que foram preenchidos com pilhas intermináveis ​​de dejetos humanos.

Uma das partes mais difíceis da viagem era quando os comboios passavam a fronteira polaco-soviética. Mieczyslaw Wutke, que tinha 12 anos, conta que é um momento que nunca irá esquecer. Wesley Adamczyk começou a cantar o hino nacional polaco, mas os guardas soviéticos o mandaram calar, ameaçando o alvejar “como um cão”.

A viagem para GULAG durava, em média, um mês. Muitos não conseguiram chegar. Mas aqueles que sobreviviam eram imediatamente colocados a trabalhar, independentemente de sua idade. Aos sete anos de idade Wesley Adamczyk aprendeu que “quem não trabalha, não come”, pois ele é um “inimigo do povo”. Assim, ele e a sua irmã recolhiam o esterco de gado para o usar na fogueira. Pelo trabalho as crianças recebiam os “suprimentos de inverno”. A família do Jacek Furdyna recebeu dois pães e uma melancia. Isso é para toda a família, para todo o inverno.

Além do frio, fome e piolhos, aconteciam os estupros. Feliks Milan tinha 17 anos e recorda que não se passava um dia sem os estupros. No campo de concentração havia muitos prisioneiros do delito comum, eles eram cruéis para com os presos políticos, sem nenhuma proteção dos guardas do campo. Eles estupravam as meninas, os meninos, alguns até a morte – na frente de suas famílias. Feliks fica perturbado, recordando os horrores: “Isso irá ficar comigo até o fim da minha vida”.

Uma das piores coisas que aconteceu depois foi a incompreensão que as crianças sobreviventes do GULAG receberam da sociedade, quando finalmente voltaram para a Polônia. As pessoas diziam: “se os campos eram tão horrível, como eles tinham sobrevivido. Talvez realmente eram espiões?” Esse foi o castigo final dos sobreviventes, eles podem encontrar o consolo apenas entre os seus.

O filme “Children in Exile” foi exibido em 28 festivais de cinema e ganhou oito prêmios, incluindo o de Melhor Filme Documentário de menos de 60 minutos no Festival Internacional San Luis Obispo de 2008. Mas para o público norte-americano GULAG e os seus sobreviventes é um assunto que encontra pouca ressonância e pouco interesse. As pessoas se desculpam, dizendo que “a Cortina de Ferro já caiu e o Muro de Berlim já foi abaixo”.

Durante as deportações de 1939 – 1941, naqueles vagões de gado, as crianças morriam nos braços das suas mães. As mães morriam segurando os seus bebês, diz Feliks Milan. “Esta é a maior tragédia. Quem hoje se lembra dessas crianças?

***

Em 1939, o pai do realizador, Konstanty Swider era capitão do Corpo Médico do exército polaco, doutorado em neurologia e psiquiatria. Foi preso pela NKVD nos arredores da cidade de Lviv e enviado para um campo de concentração na cidade de Uchta, onde primeiro trabalhou como lenhador, depois conseguiu o emprego como médico, o que provavelmente o salvou. Quando a tal anistia surgiu em 1941, ele se juntou ao Exército polaco do general Anders e através do Mar Cáspio seguiu para o Irão, Iraque, Palestina e Egipto. Participou na famosa Batalha de Monte Cassino, onde as tropas polacas venceram os alemães e italianos.

A mãe de Chris Swider, Maria Baranowska Swider, havia sobrevivido a Revolta de Varsóvia de 1944. Conheceu o seu futuro marido em Verona, em 1947 a família emigrou para a Inglaterra e em 1951 se mudou para os EUA.

O seu pai continuou trabalhando como médico, passando de estagiário à residente em Nova Iorque. Morreu em 1965 sem nunca mais visitar a Polônia.

Fonte:

domingo, setembro 16, 2012

O comércio da solidariedade internacional

A “solidariedade internacional”, este ativo imaterial da “humanidade progressista” tinha altos custos financeiros, suportados pelos impostos, maioritariamente, de cidadãos soviéticos, e em menor escala dos cidadãos dos outros países da Europa do Leste.

Em 1969 Moscovo criou o “Fundo Internacional de ajuda às organizações operárias de esquerda” no valor de 16,55 milhões de dólares anuais. Moscovo era o dador principal, contribuía com 14 milhões, checoslovacos, romenos, polacos e húngaros – 500 mil cada, búlgaros – 350 mil e RDA – 200 mil USD. Naquele mesmo ano o fundo era distribuído entre 34 recetores, os comunistas da Itália levaram 3,7 milhões para o período de 6 meses, comunistas franceses dois milhões, comunistas americanos um milhão e o chefe do partido comunista da Sri-Lanka, camarada S.A. Wickremesinghe, recebeu 6 mil. Tudo isso continuou até 1990, mas já em 1981 o número dos beneficiantes aumentou até 58 e os comunistas americanos ficaram com dois milhões de USD. Em 1990, último ano da sua existência, fundo distribuiu 22 milhões, o número dos recetores chegou até 73, entre os “partidos e organizações comunistas, operárias e revolucionárias – democráticas”.

Do ano para ano aumentava a contribuição soviética para o fundo, na década de 1980 – 15,5 milhões, em 1986 – 17 milhões, em 1987 – 17,5 milhões e em 1990 a totalidade – 22 milhões. Desde o final da década de 1970 deixaram de pagar os camaradas polacos e romenos, desde 1987 foram húngaros, justificando a sua decisão pelas dificuldades econômicas e a falta de divisas. Em 1988 e 1989, a PSUA da RDA e partidos comunistas da Checoslováquia e Bulgária não pagaram as suas quotas sem nenhuma explicação formal. Em 1987 estes três partidos contribuíam com 2,3 milhões de USD, cerca de 13% do valor total do fundo. O chefe do Departamento Internacional do PCUS, Valentin Falin, informava o CC do PCUS sobre a receção dos “pedidos devidamente motivados” para o novo 1990, onde alguns partidos pediam o “aumento considerável” do subsídio.

A Perestroica já estava decorrer há três anos, o Ocidente financiava a URSS e os “reformadores” do PCUS procuravam as maneiras de substituir os subsídios diretos pela ajuda financeira via “empresas amigas”. Caminho complicado, como Anatoli Dobrynin, informava o CC do PCUS: “muitas empresas, controladas pelos partidos comunistas são economicamente fracas, com limitadas ligações e possibilidades comerciais, até dão prejuízo. Apenas as empresas de alguns partidos irmãos – francesas, gregas, cipriotas, portuguesas são capazes de realizar a cooperação comercial com as organizações soviéticas de comércio externo obtendo lucros consideráveis”.

Através deste Fundo, os comunistas franceses receberam entre 1969 e 1990 não menos que 44 milhões de USD, comunistas americanos cerca de 35 milhões, os italianos beneficiaram mais do que qualquer outro partido. No total, Moscovo distribuiu cerca de 400 milhões de USD, sem contar com outras formas de financiamento. Parcialmente isso era o dinheiro ocidental, que os capitalistas ocidentais emprestaram à URSS para salvar os comunistas da “ala liberal” perante o ataque dos “conservadores”.  

Amigos italianos e espanhóis

Bureau Político mandava não apenas no partido, mas no estado. Por isso deliberou incumbir o Ministério do Comércio Externo à vender à empresa italiana “Interexpo” 600 mil toneladas de petróleo e 150 mil toneladas de gasóleo, com desconto de 1% à crédito no período de três-quatro meses para que a empresa obtivesse o lucro de cerca de 4 milhões de USD.

Oferecendo este tipo de lucros fabulosos, a URSS iria querer alguma coisa em troca. Vejamos o caso da empresa espanhola “Prodag S.A.” (ainda hoje ativa na Argentina), que negociava com União Soviética desde 1959 e em 1979 era responsável pelo 50% do comércio bilateral entre dois países. O presidente da empresa, Ramón Mendoza, ex-vice-presidente de Real Madrid, já em 1979, afirmava numa entrevista que “não tinha a mínima vinculação com os serviços de informação soviéticos” (ABC 25/04/1979, p. 93), isso é, logo após publicar na Espanha o livro de Leonid Brejnev: “Paz, desarmamento e as relações soviético – americanas”.

Em 1981 estas “empresas amigas” abriram em Moscovo 123 representações suas. Será que alguém sabe o que elas faziam além do comércio e mais importante, o que fazem agora?

Frente ideológica

Empresa V/O Mezhdunarodnaya Kniga (pediu a bancarrota judicial em 2012) se dedicava à abertura das livrarias que vendiam os livros e imprensa soviética no estrangeiro. A criação e funcionamento das lojas eram cobertos pelos créditos soviéticos, quase nunca devolvidos, as dividas do próprio comércio eram perdoadas consoante “pedidos das lideranças dos amigos”. As despesas eram variáveis. A abertura da livraria “Collets” em Londres custou 80 mil libras. A abertura de uma loja semelhante em Montreal custou apenas 10.000 dólares canadianos. Os valores “perdoados” também diferem, entre 12.300 rublos expressos em divisas (1 rublo expresso em divisas equivalia à cerca de 1,33 USD) à livraria do PC de Israel, «Popular bookshop» em 1969, 56.500 rublos expressos em divisas à livraria do PC belga «Du monde entier» até 300.000 USD às empresas dos comunistas americanos «Four Continent Book Corporation», «Cross World Books & Periodicals» e «V. Kamkin». Até na longínqua Austrália a empresa do partido socialista local «New Era Books & Records» devia à Moscovo 80.000 rubos expressos em divisas.

É difícil avaliar o prejuízo total deste “comércio”, mas se sabe que em 1967 “Mezhdunarodnaya Kniga” exportou aos países capitalistas no valor de 3,9 milhões de rublos expressos em divisas, o valor total da divida por pagar era 2,46 milhões e divida não paga 642 mil. Mas as exportações continuaram e em 1982 foram “perdoadas” as dívidas no valor de 460.000 USD às empresas do PC americano, «Imported Publications» e «International Publishers».

Além disso, a URSS fornecia gratuitamente o papel para as edições dos “partidos irmãos”, através de um fundo especial, criado em 1974. Apenas em 1980, este fundo forneceu ao estrangeiro 13.000 toneladas de papel, aos preços soviéticos isso poderia custar algo como 3,5 milhões de rublos por ano (1 USD equivalia aos 0,59 rublo). No dia 1 de janeiro de 1989 o fundo foi liquidado e o primeiro-ministro soviético, Nikolay Ryzhkov ordenou que “os gastos, ligados à fabricação e fornecimento de papel de jornal, pelas contas do fundo especial, criado para satisfação das necessidades dos partidos irmãos, devem constar na rubrica do orçamento estatal da URSS para a concessão da ajuda graciosa aos países estrangeiros”.

A URSS também praticava a compra das publicações produzidas pelos “partidos irmãos”, alegadamente, para a venda aos turistas estrangeiros e estudantes dentro da URSS. Não se sabe ao certo quando foi gasto nesta rubrica, mas só em 1989 a URSS adquiria e transportava 90 publicações dos 42 países, gastando para o efeito 6 milhões de USD por ano (4,5 milhões de rublos expressos em divisas).

Em 1989 em Moscovo viviam 33 correspondentes destas “edições irmãs”, ocupando 30 apartamentos e 7 escritórios. Além dos salários, eles tinham telefone, telex e correio gratuito, reparações grátis dos apartamentos e escritórios, viagens dentro e fora da URSS, assistência médica e tratamentos climáticos, tudo isso pago pela Cruz Vermelha Soviética (desde década de 1950, provavelmente por razões de conspiração). Praticamente todos os correspondentes tinham um secretário-referente que também recebia o salário no Comité Executivo da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho da URSS. A totalidade dos gastos relacionados com este grupo superou 1 milhão de USD.

E claro, sem esquecer os líderes dos “partidos irmãos”. Em 1971, o CC do PCUS alocou 3,2 milhões de rublos expressos em divisas para a recepção no país da chefia destes partidos, esperando receber 2900 pessoas, dos quais 100 pretendiam passar por algum tratamento médico.

Caso de El Salvador

Uma outra forma de “solidariedade internacional”, praticada pela URSS, era chamada nos documentos secretos soviéticos de “preparação especial”. Em apenas dez anos, entre 1979 e 1989, mais de 500 ativistas de 40 partidos comunistas e “operárias” dos diversos cantos do mundo passaram essa preparação, incluindo os membros dos comités centrais e bureau políticos destes partidos.

O caso de El Salvador é um exemplo gritante dessa “solidariedade internacional” e da cegueira política ocidental. Já assisti dezenas de filmes americanos dedicados de uma ou de outra maneira à “culpa dos EUA no El Salvador” (RED – Aposentados e Perigosos; Crimes em Primeiro Grau) e não conheço nenhum que revelasse o papel ativo da URSS e do KGB no conflito.

No dia 23 de julho de 1980, Schafik Handal, secretário-geral do partido comunista do El Salvador (PCS) escreve aos “queridos camaradas” em Moscovo e pede a receção dos “30 membros da nossa juventude comunista” aos cursos de preparação militar: 6 camaradas para o perfil de “inteligência militar”; 8 para “comandantes das unidades insurgentes”; 5 para “chefes da artilharia”; 5 para “chefes das unidades de sabotagem”; 6 para “radiocomunicações”.

O Departamento Internacional do CC do PCUS concorda, ordena a organização dos respetivos cursos com duração de 6 meses e delibera que todos os gastos inerentes dos mesmos, além do transporte dos “estudantes” até El Salvador serão pagos pelo Ministério da Defesa da URSS (Mikhail Gorbachov está entre os responsáveis que assinaram a deliberação).

À seguir, o CC do PCUS ordena o transporte de 60-80 toneladas de armamento ligeiro e munições do fabrico ocidental [1], (oferecido ao PCS pelo Vietname), da cidade de Hanói para Havana em setembro-outubro de 1980, para a entrega através dos “camaradas cubanos” aos “amigos salvadorenhos”. O responsável pelo transporte é o Ministério da Aviação Civil da URSS; o financiamento é assegurado pelo fundo do orçamento estatal da URSS da “ajuda graciosa aos países estrangeiros”. Mais uma vez, Gorbachov assina o documento.

O embaixador soviético em Havana recebe o telegrama secreto: “Repassem ao secretário-geral do CC do Partido Comunista de El Salvador, camarada Schafik Handal […] que o seu pedido sobre o transporte de armas do fabrico ocidental de Vietname para Cuba foi visto na instituição e recebeu a decisão positiva. […] Para o vosso conhecimento: a entrega das armas será feita pelos aviões de Aeroflot. Oferecem a colaboração necessária para a organização da entrega na cidade de Havana desta carga aos camaradas cubanos para os amigos salvadorenhos. Informem sobre a execução”.

E por fim, a parte final: crise repentina naquele país, o sofrimento das populações e os crimes, mas não dos grupos da sabotadores comunistas, que receberam a “preparação especial” na URSS, mas do governo local que se defende como pode e que é chamado na imprensa “progressista” de “junta sangrenta”. Um pequeno trecho da “solidariedade internacional” que até nos dias de hoje produz as suas sequelas violentas.

Psiquiatria punitiva
Mas nem todos os “amigos da URSS” eram obrigatoriamente pagos, por vezes as pessoas pretendiam servir a ditadura soviética por razões ideológicas. Um dos casos é do psiquiatra e neuropatologista português, deputado do PS, Professor António Fernandes da Fonseca. No último dia da sua visita à URSS, em 1977, o Professor informou o jornalista e representante soviético, Yuri Zhukov, sobre os alegados “perigos” do VI Congresso Mundial de Psiquiatria (Honolulu – Havaí, 28/8 – 3/9 de 1977), onde os “ativistas anti-soviéticos americanos” pretendiam “organizar uma campanha anti-soviética feroz”, baseada nas “afirmações caluniosas” que URSS usava as clínicas psiquiátricas para o internamento compulsivo dos dissidentes.

Professor Fernandes da Fonseca pretendia receber, da parte soviética, os dados relativos aos casos, que ele pretendia compartilhar com “os psiquiatras proeminentes dos outros países da língua oficial portuguesa”. Fernandes da Fonseca estava decidido provar a “absurdidade das acusações americanas”, por isso queria ver “o diagnóstico e os dados do tratamento” dos dissidentes, casos de Leonid Plyushch, Vladimir Bukovsky e outros, para provar que eles não são “vítimas inocentes”.

Fontes:
Vladimir Bukovsky, “Processo de Moscovo” / “Jugement à Moscou”:

Blogueiro:

Em Portugal, os médicos que colaboravam com PIDE-DGS foram ostracizados pela classe após 25 de abril. Aqui temos um caso do médico português que procura os contatos com uma ditadura para oferecer os seus serviços, tentando justificar os atropelos da lei e as torturas terríveis, infringidas às pessoas cuja única culpa era o delito de opinião. O psiquiatra estava disposto a divulgar os dados pessoais dos prisioneiros de consciência, sem reparar na falta gritante da ética desta intenção e não se importar com a violação clara do Juramento de Hipócrates do caso. Após a queda do Murro de Berlim, António Fernandes da Fonseca nunca pediu desculpa às vítimas do regime soviético. Dr. Fonseca faleceu em 16 de dezembro de 2014 sem nunca aproveitar a oportunidade de pedir as desculpas públicas ou mesmo privadas pela sua colaboração com o regime opressivo soviético no encobrimento de crimes da ditadura comunista…