A famosa anedota
soviética dizia que na URSS não apenas o futuro, mas também o passado eram
imprevisíveis. O esquema tecnológico dessa “correção da história” é descrito ao
pormenor na distopia “1984” do George Orwell. Na URSS, os funcionários do
“ministério da verdade”, não possuíam nem o Photoshop atual, nem a maquinaria
orwelliana, mas usando métodos muito simples e temendo se transformar na
estatística repressiva, faziam pequenos milagres de simplesmente fazer sumir
todos os que caiam em desgraça política.
O britânico David King,
designer e colecionador da arte soviética, o autor do álbum “The Commissar
Vanishes: The Falsification of Photographs and Art in Stalin's Russia” (edição
russa “Comissários desaparecidos. Falsificação das fotografias e das obras de
arte na época de Estaline”), demonstra que na era do
estalinismo na URSS mentiam até as fotografias.
No seu livro King reúne
os originais das fotografias e as suas cópias “retocadas” pelos gráficos, para
apagar as caras de certas pessoas, “retirar” objeto, pessoa (ou até o grupo de
pessoas) da imagem.
A censura estalinista
das fotografias era apenas uma parte de uma política mais ampla de falsificação
da própria história. Desde os meados dos anos 1930, na URSS era impossível
publicar, mostrar, afirmar em público, praticamente nada daquilo que poderia pôr
minimalmente em duvida a autoridade suprema do Estaline como o chefe do povo
soviético e líder das forças progressistas mundiais. O culto da personalidade se
baseava no terror policial sem precedentes, chegando ao seu pico no fim dos anos
1930, mas continuava com pequenos “afrouxamentos” até a sua morte, em 1953.
Neste contexto funcionavam
as falsificações, eles deveriam convencer o povo soviético que as aventuras
catastróficas eram vitórias épicas, deveriam obrigar o povo a endeusar os
criadores do sistema totalitário, exterminar qualquer pensamento mais leve
sobre a possibilidade de caminhos ou resoluções alternativas. Qualquer pessoa
que discordava do culto de personalidade do Estaline era imediatamente
considerada criminoso, e até a memória da sua existência era apagada dos anais
da história. Em primeiro lugar, o “desaparecimento” atingiu os líderes do
partido-estado comunista.
David King não explica
no seu álbum porque isso aconteceu, apenas mostra a tecnologia e a temporização
deste desaparecimento (extrato de http://lib.rus.ec/b/369125).
Lavrentiy Beria: a sua cabeça, retirada da foto real, em fato civil, foi colocada no fardamento militar (Beria gostou da foto e não pretendia "perder" o seu tempo com a mudança de fatos) |
Uma foto icónica,
Lenine e Krupskaia, com as crianças na aldeia de Kashino. Na foto original eles estavam
rodeados pelos adultos, mais tarde, vítimas da luta contra os kulaks e quase
todos presos ou deportados. Como resultado, os adultos foram eliminados e o fundo da fotografia
foi escurecido.
Entre oito personagens genuínas, retocador deixou apenas quatro. Na foto original, Frunze (segundo à esquerda),
Voroshilov (quinto), Estaline (sexto) e Ordzhonikidze (oitavo), estão
separados. Foram recortados com um bisturi fino e recolocados. O retocador
falhou, no casaco do Frunze aparece uma sombra…
Um passeio junto ao
canal Moscovo – Volga, último à direita é o Comissário Popular do Interior,
Nikolay Yezhov. Mais tarde preso, julgado e fuzilado. Assim no seu lugar
aparece um vazio, apenas a balaustrada e a água do canal.
Em 1948l o quadro
“Lenine proclama o poder soviético no 2° Congresso dos Sovietes”, do pintor
Vladimir Serov, ganhou o prémio Estaline. Neste quadro Estaline ficava ao lado
do Lenine, o que quase certo, agradava o ditador. Já em 1962, durante a política
de destalinização, o próprio Serov muda radicalmente as imagens do quadro.
Juntamente com Estaline desaparecem Sverdlov e Dzherzhinsky: o trio é
substituído pelas figuras alegóricas dos soldados revolucionários.
A mostra fotográfica
“Comissário Desaparecido” em Moscovo:
Exposição “Comissário
Desaparecido” online:
1 comentário:
O artigo está muito bom, já o publiquei no meu blog:
www.venenopuro2010.blogspot.com
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