A “solidariedade
internacional”, este ativo imaterial da “humanidade progressista” tinha altos
custos financeiros, suportados pelos impostos, maioritariamente, de cidadãos
soviéticos, e em menor escala dos cidadãos dos outros países da Europa do
Leste.
Em 1969 Moscovo criou o
“Fundo Internacional de ajuda às organizações operárias de esquerda” no valor
de 16,55 milhões de dólares anuais. Moscovo era o dador principal, contribuía
com 14 milhões, checoslovacos, romenos, polacos e húngaros – 500 mil cada,
búlgaros – 350 mil e RDA – 200 mil USD. Naquele mesmo ano o fundo era distribuído
entre 34 recetores, os comunistas da Itália levaram 3,7 milhões para o período
de 6 meses, comunistas franceses dois milhões, comunistas americanos um milhão
e o chefe do partido comunista da Sri-Lanka, camarada S.A. Wickremesinghe, recebeu
6 mil. Tudo isso continuou até 1990, mas já em 1981 o número dos beneficiantes aumentou
até 58 e os comunistas americanos ficaram com dois milhões de USD. Em 1990,
último ano da sua existência, fundo distribuiu 22 milhões, o número dos
recetores chegou até 73, entre os “partidos e organizações comunistas,
operárias e revolucionárias – democráticas”.
Do ano para ano
aumentava a contribuição soviética para o fundo, na década de 1980 – 15,5
milhões, em 1986 – 17 milhões, em 1987 – 17,5 milhões e em 1990 a totalidade –
22 milhões. Desde o final da década de 1970 deixaram de pagar os camaradas
polacos e romenos, desde 1987 foram húngaros, justificando a sua decisão pelas
dificuldades econômicas e a falta de divisas. Em 1988 e 1989, a PSUA da RDA e
partidos comunistas da Checoslováquia e Bulgária não pagaram as suas quotas sem
nenhuma explicação formal. Em 1987 estes três partidos contribuíam com 2,3
milhões de USD, cerca de 13% do valor total do fundo. O chefe do Departamento
Internacional do PCUS, Valentin
Falin, informava o CC do PCUS sobre a receção dos “pedidos devidamente
motivados” para o novo 1990, onde alguns partidos pediam o “aumento
considerável” do subsídio.
A Perestroica já estava
decorrer há três anos, o Ocidente financiava a URSS e os “reformadores” do PCUS
procuravam as maneiras de substituir os subsídios diretos pela ajuda financeira
via “empresas amigas”. Caminho complicado, como Anatoli Dobrynin,
informava o CC do PCUS: “muitas empresas, controladas pelos partidos comunistas
são economicamente fracas, com limitadas ligações e possibilidades comerciais,
até dão prejuízo. Apenas as empresas de alguns partidos irmãos – francesas, gregas,
cipriotas, portuguesas são capazes de realizar a cooperação comercial com as
organizações soviéticas de comércio externo obtendo lucros consideráveis”.
Através deste Fundo, os
comunistas franceses receberam entre 1969 e 1990 não menos que 44 milhões de
USD, comunistas americanos cerca de 35 milhões, os italianos beneficiaram mais do
que qualquer outro partido. No total, Moscovo distribuiu cerca de 400 milhões
de USD, sem contar com outras formas de financiamento. Parcialmente isso era o
dinheiro ocidental, que os capitalistas ocidentais emprestaram à URSS para
salvar os comunistas da “ala liberal” perante o ataque dos
“conservadores”.
Amigos italianos e
espanhóis
Bureau Político mandava
não apenas no partido, mas no estado. Por isso deliberou incumbir o Ministério
do Comércio Externo à vender à empresa italiana “Interexpo” 600 mil toneladas
de petróleo e 150 mil toneladas de gasóleo, com desconto de 1% à crédito no
período de três-quatro meses para que a empresa obtivesse o lucro de cerca de
4 milhões de USD.
Oferecendo este tipo de
lucros fabulosos, a URSS iria querer alguma coisa em troca. Vejamos o caso da empresa
espanhola “Prodag S.A.” (ainda hoje ativa na Argentina), que negociava com
União Soviética desde 1959 e em 1979 era responsável pelo 50% do comércio
bilateral entre dois países. O presidente da empresa, Ramón Mendoza, ex-vice-presidente
de Real Madrid, já em 1979, afirmava numa entrevista que “não tinha a mínima
vinculação com os serviços de informação soviéticos” (ABC
25/04/1979, p. 93), isso é, logo após publicar na Espanha o livro de Leonid
Brejnev: “Paz, desarmamento e as relações soviético – americanas”.
Em 1981 estas “empresas
amigas” abriram em Moscovo 123 representações suas. Será que alguém sabe o que
elas faziam além do comércio e mais importante, o que fazem agora?
Frente ideológica
Empresa V/O Mezhdunarodnaya Kniga
(pediu a bancarrota judicial em 2012) se dedicava à abertura das livrarias que
vendiam os livros e imprensa soviética no estrangeiro. A criação e funcionamento
das lojas eram cobertos pelos créditos soviéticos, quase nunca devolvidos, as
dividas do próprio comércio eram perdoadas consoante “pedidos das lideranças
dos amigos”. As despesas eram variáveis. A abertura da livraria “Collets” em
Londres custou 80 mil libras. A abertura de uma loja semelhante em Montreal
custou apenas 10.000 dólares canadianos. Os valores “perdoados” também diferem,
entre 12.300 rublos expressos em divisas (1 rublo expresso em divisas equivalia
à cerca de 1,33 USD) à livraria do PC de Israel, «Popular bookshop» em 1969, 56.500
rublos expressos em divisas à livraria do PC belga «Du monde entier» até 300.000
USD às empresas dos comunistas americanos «Four Continent Book Corporation»,
«Cross World Books & Periodicals» e «V. Kamkin». Até na longínqua Austrália
a empresa do partido socialista local «New Era Books & Records» devia à
Moscovo 80.000 rubos expressos em divisas.
É difícil avaliar o
prejuízo total deste “comércio”, mas se sabe que em 1967 “Mezhdunarodnaya Kniga”
exportou aos países capitalistas no valor de 3,9 milhões de rublos expressos em
divisas, o valor total da divida por pagar era 2,46 milhões e divida não paga
642 mil. Mas as exportações continuaram e em 1982 foram “perdoadas” as dívidas
no valor de 460.000 USD às empresas do PC americano, «Imported Publications» e
«International Publishers».
Além disso, a URSS
fornecia gratuitamente o papel para as edições dos “partidos irmãos”, através
de um fundo especial, criado em 1974. Apenas em 1980, este fundo forneceu ao
estrangeiro 13.000 toneladas de papel, aos preços soviéticos isso poderia custar
algo como 3,5 milhões de rublos por ano (1 USD equivalia aos 0,59 rublo). No dia
1 de janeiro de 1989 o fundo foi liquidado e o primeiro-ministro soviético,
Nikolay Ryzhkov ordenou que “os gastos, ligados à fabricação e fornecimento de
papel de jornal, pelas contas do fundo especial, criado para satisfação das
necessidades dos partidos irmãos, devem constar na rubrica do orçamento estatal
da URSS para a concessão da ajuda graciosa aos países estrangeiros”.
A URSS também praticava
a compra das publicações produzidas pelos “partidos irmãos”, alegadamente, para
a venda aos turistas estrangeiros e estudantes dentro da URSS. Não se sabe ao certo
quando foi gasto nesta rubrica, mas só em 1989 a URSS adquiria e transportava
90 publicações dos 42 países, gastando para o efeito 6 milhões de USD por ano
(4,5 milhões de rublos expressos em divisas).
Em 1989 em Moscovo
viviam 33 correspondentes destas “edições irmãs”, ocupando 30 apartamentos e
7 escritórios. Além dos salários, eles tinham telefone, telex e correio gratuito,
reparações grátis dos apartamentos e escritórios, viagens dentro e fora da
URSS, assistência médica e tratamentos climáticos, tudo isso pago pela Cruz
Vermelha Soviética (desde década de 1950, provavelmente por razões de
conspiração). Praticamente todos os correspondentes tinham um
secretário-referente que também recebia o salário no Comité Executivo da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho da URSS. A totalidade dos gastos relacionados com
este grupo superou 1 milhão de USD.
E claro, sem esquecer os
líderes dos “partidos irmãos”. Em 1971, o CC do PCUS alocou 3,2 milhões de
rublos expressos em divisas para a recepção no país da chefia destes partidos,
esperando receber 2900 pessoas, dos quais 100 pretendiam passar por algum
tratamento médico.
Caso de El Salvador
Uma outra forma de
“solidariedade internacional”, praticada pela URSS, era chamada nos documentos
secretos soviéticos de “preparação especial”. Em apenas dez anos, entre 1979 e
1989, mais de 500 ativistas de 40 partidos comunistas e “operárias” dos
diversos cantos do mundo passaram essa preparação, incluindo os membros dos
comités centrais e bureau políticos destes partidos.
O
caso de El Salvador é um exemplo gritante dessa “solidariedade internacional” e
da cegueira política ocidental. Já assisti dezenas de filmes americanos
dedicados de uma ou de outra maneira à “culpa dos EUA no El Salvador” (RED –
Aposentados e Perigosos; Crimes em Primeiro Grau) e não conheço nenhum que revelasse o papel ativo da URSS e do KGB no conflito.
No dia 23 de julho de 1980, Schafik Handal,
secretário-geral do partido comunista do El Salvador (PCS) escreve aos “queridos
camaradas” em Moscovo e pede a receção dos “30 membros da nossa juventude
comunista” aos cursos de preparação militar: 6 camaradas para o perfil de “inteligência
militar”; 8 para “comandantes das unidades insurgentes”; 5 para “chefes da
artilharia”; 5 para “chefes das unidades de sabotagem”; 6 para “radiocomunicações”.
O Departamento Internacional do CC do
PCUS concorda, ordena a organização dos respetivos cursos com duração de 6
meses e delibera que todos os gastos inerentes dos mesmos, além do transporte
dos “estudantes” até El Salvador serão pagos pelo Ministério da Defesa da URSS
(Mikhail Gorbachov está entre os responsáveis que assinaram a deliberação).
À seguir, o CC do PCUS ordena o
transporte de 60-80 toneladas de armamento ligeiro e munições do fabrico
ocidental [1], (oferecido ao PCS pelo Vietname), da cidade de Hanói para Havana
em setembro-outubro de 1980, para a entrega através dos “camaradas cubanos” aos
“amigos salvadorenhos”. O responsável pelo transporte é o Ministério da Aviação
Civil da URSS; o financiamento é assegurado pelo fundo do orçamento estatal da
URSS da “ajuda graciosa aos países estrangeiros”. Mais uma vez, Gorbachov
assina o documento.
O embaixador soviético em Havana recebe
o telegrama secreto: “Repassem ao secretário-geral do CC do Partido Comunista
de El Salvador, camarada Schafik Handal […] que o seu pedido sobre o transporte
de armas do fabrico ocidental de Vietname para Cuba foi visto na instituição e
recebeu a decisão positiva. […] Para o vosso conhecimento: a entrega das armas
será feita pelos aviões de Aeroflot. Oferecem a colaboração necessária para a
organização da entrega na cidade de Havana desta carga aos camaradas cubanos
para os amigos salvadorenhos. Informem sobre a execução”.
E por fim, a parte final: crise
repentina naquele país, o sofrimento das populações e os crimes, mas não dos
grupos da sabotadores comunistas, que receberam a “preparação especial” na
URSS, mas do governo local que se defende como pode e que é chamado na imprensa
“progressista” de “junta sangrenta”. Um pequeno trecho da “solidariedade
internacional” que até nos dias de hoje produz as suas sequelas violentas.
Psiquiatria punitiva
Mas nem todos os “amigos da URSS” eram obrigatoriamente
pagos, por vezes as pessoas pretendiam servir a ditadura soviética por razões ideológicas.
Um dos casos é do psiquiatra e neuropatologista português, deputado do PS, Professor António Fernandes da
Fonseca. No último dia da sua visita à URSS, em 1977, o Professor informou o jornalista e representante soviético, Yuri Zhukov,
sobre os alegados “perigos” do VI Congresso Mundial de Psiquiatria
(Honolulu – Havaí, 28/8 – 3/9 de 1977), onde os “ativistas anti-soviéticos americanos”
pretendiam “organizar uma campanha anti-soviética feroz”, baseada nas “afirmações
caluniosas” que URSS usava as clínicas psiquiátricas para o internamento
compulsivo dos dissidentes.
Professor Fernandes da Fonseca pretendia receber, da parte soviética, os dados relativos aos casos, que ele pretendia compartilhar com “os
psiquiatras proeminentes dos outros países da língua oficial portuguesa”. Fernandes
da Fonseca estava decidido provar a “absurdidade das acusações americanas”, por
isso queria ver “o diagnóstico e os dados do tratamento” dos dissidentes, casos
de Leonid Plyushch, Vladimir Bukovsky e outros, para provar que eles não são “vítimas
inocentes”.
Fontes:
Vladimir Bukovsky, “Processo de Moscovo” / “Jugement à Moscou”:
Vladimir Bukovsky, “Processo de Moscovo” / “Jugement à Moscou”:
http://www.lexpress.fr/culture/livre/jugement-a-moscou_799600.html
(extrato, francês)
Blogueiro:
Em Portugal, os médicos que colaboravam
com PIDE-DGS foram ostracizados pela classe após 25 de abril. Aqui temos um
caso do médico português que procura os contatos com uma ditadura para oferecer
os seus serviços, tentando justificar os atropelos da lei e as torturas
terríveis, infringidas às pessoas cuja única culpa era o delito de opinião. O psiquiatra
estava disposto a divulgar os dados pessoais dos prisioneiros de consciência,
sem reparar na falta gritante da ética desta intenção e não se importar com a
violação clara do Juramento de Hipócrates do caso. Após a queda do Murro de
Berlim, António Fernandes da Fonseca nunca pediu desculpa às vítimas do regime
soviético. Dr. Fonseca faleceu em 16 de dezembro de 2014 sem nunca aproveitar a oportunidade de pedir as desculpas públicas ou mesmo privadas pela sua colaboração com o regime opressivo soviético no encobrimento de crimes da ditadura comunista…
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