terça-feira, setembro 11, 2012

Brasil e Portugal nos Arquivos Soviéticos

Os mecanismos usados pela União Soviética e do seu partido comunista (PCUS) no financiamento e treino dos elementos dos “partidos amigos” não foram devidamente estudados até agora. Neste contexto é muito útil a coletânea dos documentos secretos do Comité Central e do Bureau Político do PCUS, disponíveis on-line para a consulta pública. Os documentos, na sua maioria, foram copiados em 1992 pelo dissidente Vladimir Bukovsky (em 1976 libertado da prisão soviética em troca pelo comunista chileno Luis Corvalán) e são conhecidos pelo nome genérico de Arquivos Soviéticos.

O arquivo é dividido em nove capítulos, desde a ideologia e política do PCUS, passando pelas repressões ao movimento dissidente até a invasão do Afeganistão e situação na Polônia em 1980. Cronologicamente, o arquivo também cobre o período da Perestroica (engana-se quem pensa que Gorbachov acabou com as ingerências da URSS e do KGB no exterior). A título do exemplo, em 14 de fevereiro de 1990 (documento № CT112/27), o Comité Central (adiante CC) do PCUS decidiu satisfazer o pedido da liderança dos Partidos Comunistas da Argentina e do Chile em permitir o “treino especial” dos 5 argentinos e 4 chilenos. Os camaradas iriam aprender na URSS as “questões ligadas à segurança do partido e dos seus líderes, incluindo os meios técnicos”. [1]

Alias, a maioria dos partidos comunistas e socialistas da América Latina, solicitava a URSS o treino militar e ensino das técnicas de clandestinidade para os seus membros. No arquivo são publicados diversos documentos com os pedidos semelhantes e as deliberações positivas da liderança do PCUS em relação aos operativos comunistas da Argentina, Chile, Colômbia, Costa – Rica, El Salvador, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Mas voltando ao tema do nosso artigo, vejamos os casos do Brasil e do Portugal em pormenor…

No dia 8.V.1974, o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luís Carlos Prestes escreve a carta ao CC do PCUS, solicitando a admissão do camarada Leandro Leal para o curso da “preparação especial”. Carlos Prestes informa que camarada Leal é membro do PCB desde 1945, ele chefiava o partido no Paraíba, em 1964 foi colocado no Rio de Janeiro onde se dedicava às “atividade ilegais do aparelho clandestino do Comité Central”.

Já no dia 20.V.1974, o Secretariado do CC do PCUS deliberou (documento número CT125/145) que Leonardo Leal será recebido na URSS por um período de três meses e frequentará o curso de “preparação especial ligada à técnica partidária”. O curso e a “organização do programa da permanência do camarada Leal” seriam da responsabilidade do KGB. Já a sua “receção e serviços” seriam assegurados pelo Departamento Estrangeiro e pela Direção dos serviços do CC do PCUS. Todos os gastos na sua permanência na URSS, além das passagens aéreas Rio – Moscovo – Rio, iriam ser cobertas pelo “orçamento da receção dos funcionários partidários estrangeiros”.

No mesmo documento podemos ler que o treino se destinava a preparar Leonardo Leal para que ele esteja à altura de “encabeçar um grupo de camaradas, que iria funcionar em paralelo e independentemente do aparelho atual (do partido), no caso do revés do último”. O documento informa que a questão já foi coordenada com o chefe do KGB, Viktor Chebrikov. [2]

Passando quatro anos, aos 14.XI.1978, o mesmo Carlos Prestes escreve ao CC do PCUS solicitando a admissão do camarada Marcelo Santos, membro da Comissão Executiva do CC do PCB, nos cursos de curta duração (3-5 dias) de “atividades clandestinas”. O pedido é justificado pelo facto do que PCB finalmente criou o “centro dirigente do partido”.

De seguida, aos 7.XII.1978, o CC do PCUS deliberou (documento número CT137/29) positivamente sobre o pedido do PCB e ordenou que o seu representante seja admitido no curso da “preparação especial no trabalho ilegal e conspiração” com a duração de até três meses. A receção e os serviços ao Marcelo Santos eram assegurados pelo Departamento Estrangeiro, pela Direção dos serviços do CC do PCUS e pelo KGB. Os gastos ligados à permanência dele na URSS e as suas viagens forma cobertas pelo orçamento do PCUS.

O CC do PCUS justifica a necessidade de oferecer o curso do trabalho ilegal e conspiração ao facto da “necessidade de reforçar a liderança clandestina do PCB e os seus contatos com centros estrangeiros pelos quadros especialmente formados”. Desta vez o caso foi coordenado com o primeiro vice-chefe do KGB, Semion Tsvigun. [3]

Na década de 1980 Portugal vivia uma situação interna muito mais calma. Após o “verão quente” de 1975, o Partido Comunista Português (PCP) ficou convencido que não conseguiria transformar o país em uma ditadura comunista por via armada. Apesar disso, o PCP recebia um subsídio fixo, avaliado pelos historiadores em cerca de 1 milhão de USD anuais. O que não impedia o PCP fazer os pedidos “pontuais” para compra deste ou daquele item, que fazia falta na sua luta diária contra o grande capital especulativo e claro, pelos direitos dos trabalhadores portugueses.

Em abril de 1980, o camarada Octávio Pato, pediu o CC do PCUS financiar a compra dos “equipamentos especiais do fabrico estrangeiro para garantir a segurança do partido”. Em 13 de maio do mesmo ano, o CC do PCUS concordou (documento número CT210/62) e incumbiu o Ministério das Finanças da URSS alocar à Direção dos serviços do CC do PCUS as divisas no valor 2.500 rublos expressos em divisas (equivalente aos 3.000 USD). O CC do PCUS também deu a ordem ao KGB para comprar e fornecer os equipamentos aos “amigos portugueses”. A questão foi coordenada com o chefe do KGB, Yuri Andropov e os gastos forma cobertos pelo orçamento do PCUS. [4]

A documentação disponível não especifica o tipo dos tais “equipamentos especiais”, quem sabe se não eram os aparelhos de escutas, mencionadas recentemente pela ex-deputada Zita Seabra (ver o caso dos ar condicionados).  

Bibliografia


Consultar o Arquivo:

E claro, os historiadores e simplesmente amantes da história, serão deliciados a consultar The Yale Russian Archive Project (YRAP), que reúne diversa informação sobre os novos documentos disponíveis nos arquivos da ex-URSS:

3 comentários:

francisco júnior disse...

Comunismo aqui no brasil veio e ficou mascarado , hoje o que o povo acordo . pra falar a verdade o Brasil hoje está sem representante as pessoas que estão a candidata a presidente e pior que os comunista .

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Seria bom ver o que ficou nos arquivos da Ucrânia soviética.

Jest nas Wielu disse...

Estimado José Milhazes,
os arquivos ucranianos estão abertos à sua pesquisa, por exemplo, o arquivo do SBU, quando estiver em Kyiv, passe por lá: https://portal.ehri-project.eu/institutions/ua-003309