Os mecanismos usados
pela União Soviética e do seu partido comunista (PCUS) no financiamento e treino dos elementos dos “partidos amigos” não foram devidamente
estudados até agora. Neste contexto é muito útil a coletânea dos documentos secretos
do Comité Central e do Bureau Político do PCUS, disponíveis on-line para a
consulta pública. Os documentos, na sua maioria, foram copiados em 1992 pelo dissidente
Vladimir Bukovsky
(em 1976 libertado da prisão soviética em troca pelo comunista chileno Luis
Corvalán) e são conhecidos pelo nome genérico de Arquivos
Soviéticos.
O arquivo é dividido em
nove capítulos, desde a ideologia e política do PCUS, passando pelas repressões
ao movimento dissidente até a invasão do Afeganistão e situação na Polônia em
1980. Cronologicamente, o arquivo também cobre o período da Perestroica (engana-se
quem pensa que Gorbachov acabou com as ingerências da URSS e do KGB no exterior).
A título do exemplo, em 14 de fevereiro de 1990 (documento № CT112/27), o Comité
Central (adiante CC) do PCUS decidiu satisfazer o pedido da liderança dos
Partidos Comunistas da Argentina e do Chile em permitir o “treino especial” dos
5 argentinos e 4 chilenos. Os camaradas iriam aprender na URSS as “questões
ligadas à segurança do partido e dos seus líderes, incluindo os meios técnicos”.
[1]
Alias, a maioria dos
partidos comunistas e socialistas da América Latina, solicitava a URSS o treino
militar e ensino das técnicas de clandestinidade para os seus membros. No arquivo
são publicados diversos documentos com os pedidos semelhantes e as deliberações
positivas da liderança do PCUS em relação aos operativos comunistas da Argentina,
Chile, Colômbia, Costa – Rica, El Salvador, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai,
Peru, Uruguai e Venezuela.
Mas voltando ao tema do
nosso artigo, vejamos os casos do Brasil e do Portugal em pormenor…
No dia 8.V.1974, o secretário-geral
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luís Carlos Prestes escreve a carta ao
CC do PCUS, solicitando a admissão do camarada Leandro Leal para o curso da “preparação
especial”. Carlos Prestes informa que camarada Leal é membro do PCB desde 1945,
ele chefiava o partido no Paraíba, em 1964 foi colocado no Rio de Janeiro onde
se dedicava às “atividade ilegais do aparelho clandestino do Comité Central”.
Já no dia 20.V.1974, o
Secretariado do CC do PCUS deliberou (documento número CT125/145) que Leonardo
Leal será recebido na URSS por um período de três meses e frequentará o curso
de “preparação especial ligada à técnica partidária”. O curso e a “organização
do programa da permanência do camarada Leal” seriam da responsabilidade do KGB.
Já a sua “receção e serviços” seriam assegurados pelo Departamento Estrangeiro
e pela Direção dos serviços do CC do PCUS. Todos os gastos na sua permanência
na URSS, além das passagens aéreas Rio – Moscovo – Rio, iriam ser cobertas pelo
“orçamento da receção dos funcionários partidários estrangeiros”.
No mesmo documento
podemos ler que o treino se destinava a preparar Leonardo Leal para que ele esteja
à altura de “encabeçar um grupo de camaradas, que iria funcionar em paralelo e
independentemente do aparelho atual (do partido), no caso do revés do último”. O
documento informa que a questão já foi coordenada com o chefe do KGB, Viktor Chebrikov. [2]
Passando quatro anos, aos 14.XI.1978, o mesmo Carlos Prestes escreve ao CC do PCUS
solicitando a admissão do camarada Marcelo Santos, membro da Comissão Executiva
do CC do PCB, nos cursos de curta duração (3-5 dias) de “atividades
clandestinas”. O pedido é justificado pelo facto do que PCB finalmente criou o “centro
dirigente do partido”.
De seguida, aos 7.XII.1978, o CC
do PCUS deliberou (documento número CT137/29) positivamente sobre o pedido do
PCB e ordenou que o seu representante seja admitido no curso da “preparação especial
no trabalho ilegal e conspiração” com a duração de até três meses. A receção e
os serviços ao Marcelo Santos eram assegurados pelo Departamento Estrangeiro, pela
Direção dos serviços do CC do PCUS e pelo KGB. Os gastos ligados à permanência
dele na URSS e as suas viagens forma cobertas pelo orçamento do PCUS.
O CC do PCUS justifica
a necessidade de oferecer o curso do trabalho ilegal e conspiração ao facto da “necessidade
de reforçar a liderança clandestina do PCB e os seus contatos com centros
estrangeiros pelos quadros especialmente formados”. Desta vez o caso foi
coordenado com o primeiro vice-chefe do KGB, Semion Tsvigun. [3]
Na década de 1980 Portugal
vivia uma situação interna muito mais calma. Após o “verão quente” de 1975, o Partido
Comunista Português (PCP) ficou convencido que não conseguiria transformar o
país em uma ditadura comunista por via armada. Apesar disso, o PCP recebia um
subsídio fixo, avaliado pelos historiadores em cerca de 1 milhão de USD anuais.
O que não impedia o PCP fazer os pedidos “pontuais” para compra deste ou daquele
item, que fazia falta na sua luta diária contra o grande capital especulativo e
claro, pelos direitos dos trabalhadores portugueses.
Em abril de 1980, o
camarada Octávio Pato,
pediu o CC do PCUS financiar a compra dos “equipamentos especiais do fabrico
estrangeiro para garantir a segurança do partido”. Em 13 de maio do mesmo ano,
o CC do PCUS concordou (documento número CT210/62) e incumbiu o Ministério das
Finanças da URSS alocar à Direção dos serviços do CC do PCUS as divisas no
valor 2.500 rublos expressos em divisas (equivalente aos 3.000 USD). O CC do
PCUS também deu a ordem ao KGB para comprar e fornecer os equipamentos aos “amigos
portugueses”. A questão foi coordenada com o chefe do KGB, Yuri Andropov e os
gastos forma cobertos pelo orçamento do PCUS. [4]
A documentação
disponível não especifica o tipo dos tais “equipamentos especiais”, quem sabe
se não eram os aparelhos de escutas, mencionadas recentemente pela ex-deputada
Zita Seabra (ver o caso
dos ar condicionados).
Bibliografia
Consultar o Arquivo:
E claro, os
historiadores e simplesmente amantes da história, serão deliciados a consultar The
Yale Russian Archive Project (YRAP), que reúne diversa informação sobre os novos
documentos disponíveis nos arquivos da ex-URSS:
3 comentários:
Comunismo aqui no brasil veio e ficou mascarado , hoje o que o povo acordo . pra falar a verdade o Brasil hoje está sem representante as pessoas que estão a candidata a presidente e pior que os comunista .
Seria bom ver o que ficou nos arquivos da Ucrânia soviética.
Estimado José Milhazes,
os arquivos ucranianos estão abertos à sua pesquisa, por exemplo, o arquivo do SBU, quando estiver em Kyiv, passe por lá: https://portal.ehri-project.eu/institutions/ua-003309
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