domingo, setembro 23, 2012

Crimes do NKVD no Leste da Ucrânia


Apesar a fé quase religiosa dos apologistas de estalinismo, as repressões em massa dos anos 1930-1940 ceifaram não apenas a cúpula do partido comunista, mas exterminaram milhões de vidas de cidadãos absolutamente apolíticos, transformando os em “lascas” do terror soviético quer no longínquo GULAG, quer nos locais de extermínio massificado, algures perto da sua própria casa.
  
por: Dmytro Vyrovets (extrato)

Em cada capital distrital daqueles tempos, milhares de pessoas se transformavam em vítimas das repressões estatais massificadas. Para a execução das penas e ocultação apressada dos seus corpos, de propósito se alocavam os territórios nos subúrbios das cidades, longe das testemunhas. Mas ocultar totalmente estes “locais secretos” era impossível, devido à envergadura do terror contra a população civil, que ultrapassava todos os limites imaginários.

Os moradores da província ucraniana de Donetsk apontavam o campo de Rutchenkovo como um destes lugares, situado no bairro de Kirov, na cidade de Estalino (atual Donetsk). No fim de 1988 – início de 1989, os ativistas dos grupos da defesa dos direitos humanos, “Donbass-88”, grupo estudantil “Pluralismo”, sociedade “Memorial” local, enviaram os inquéritos às instituições do poder estatal perguntando sobre a existência possível das valas comuns no campo de Rutchenkovo. Todas as instituições, incluindo KGB local responderam que “não possuíam as informações” ou diziam “informações não confirmadas”.

Estranhamento, na segunda metade de 1988, o Comité executivo da cidade de Donetsk alocou o mesmo território para o desenvolvimento da cooperativa de garagens “Têxtil” (na URSS havia grande défice de garagens para as viaturas particulares). Era difícil de acreditar que o poder municipal não tinha informação sobre o uso que era dado à este local no passado.       

Na época era simplesmente impossível consultar os “arquivos especiais”, por isso ativistas pediram os moradores dos arredores compartilharem as suas memórias sobre aquela região. Uma parte dos testemunhos foi gravada, o jornal local, “Gorniatskaya Slava” (Glória Mineira), publicou o artigo sobre os segredos guardados pela estepe de Rutchenkovo.

As testemunhas contaram que desde meados da década de 1930, um murro de forma retangular, de dois-três metros de altura, cercou uma parte da estepe. O murro possuía arrame-farpado, existia uma torre com o guarda armado, no período noturno o campo era vigiado pelas patrulhas caninas. Os moradores locais sabiam que aqui foram executados os “inimigos do povo”. As pessoas eram transportadas diretamente do edifício do NKVD em Donetsk nos camiões conhecidos popularmente como “corvos negros”. Uma parte das vítimas já estava morta, outros eram trazidos para a execução. No território foram abertas as valas com o cumprimento de cerca de 100 metros, que eram preenchidos com os corpos dos executados. Uma das valas foi escavada na primavera – verão de 1989, praticamente em cima da construção das garagens, os ativistas foram informados que alguns proprietários mais apressados encontravam as ossadas e as despejaram na vala de drenagem mais próxima.  

Mas as testemunhas também contaram que autoridades soviéticas executaram os feridos do seu próprio hospital militar, localizado no hospital comum da cidade № 24, mesmo nas vésperas da ocupação nazi da cidade. Provavelmente, o mesmo destino foi dado aos estudantes das escolas de aprendizagem fabril e operária (FZU), filhos dos “inimigos do povo”, que não conseguiram ou não quiseram se evacuar.

Todos estes testemunhos terríveis necessitavam a confirmação no terreno, perante apatia total do poder estatal e municipal local. Em abril de 1989, os ativistas mal começando a cavar, descobriram as diversas ossadas massificadas. O procurador provincial, chamado para o local, “celebrizou-se” com a frase: “Mas não serão ossadas dos cães?” Os arqueólogos e antropólogos presentes confirmaram, as ossadas eram humanas. A procuradoria provincial abriu um caso criminal, começou a trabalhar a comissão oficial de inquérito.

Apesar da cobertura oficial, a força principal de escavação era constituída pelos estudantes da faculdade de história da Universidade de Donetsk, ativistas e seus amigos. O transporte, alimentação e ferramentas eram assegurados pela municipalidade local.

Durante as escavações foi encontrado um grande número de haveres pessoais: carteiras, escovas de dentes e as ossadas de mais de 500 indivíduos. A sua morte foi definitivamente violenta, os crânios com perfurações das balas, um grande número das balas espalhadas. Eram encontradas as diversas garrafas de bebidas alcoólicas, principalmente a vodka, sepultadas juntamente com os corpos. As datas de fabricação eram anteriores ao início da guerra entre Alemanha nazi e URSS. Não era crível que a bebida era servida aos executados para os acalmar, tudo indicava que os carrascos precisavam aumentar a sua “coragem”.

Numa das valas foram encontrados os restos humanos queimados, sentia-se perfeitamente o cheiro de querosena. Encontravam-se muitos haveres pessoais: lâminas de barbear, distintivos de mineiros, crucifixos, pentes, calçado masculino e feminino produzido na fábrica “Triângulo Vermelho”. A presença das escovas de dentes indicava que as vítimas podiam não saber da execução futura. Numa das escovas estava escrito o apelido Kozlovskiy, num porta-cigarros lia-se claramente “Pokarev V. D.” A investigação apontou que o porta-cigarros podia pertencer ao engenheiro mineiro da cidade de Kriviy Rih, vítima da repressão soviética.

Mais tarde, o grupo das escavações aproximou-se à resolução da questão mais gritante, execução dos soldados feridos e dos estudantes das escolas FZU, filhos de “inimigos do povo”, ocorrida em outubro de 1941, nas vésperas da ocupação da cidade de Donetsk pelos nazis. A verdade terrível já era contada pelos moradores locais, mas nem todos queriam acreditar nela, por causa do aproveitamento da tragédia feita pelas autoridades nazis após a tomada da cidade em 1941.

A imprensa generalista ucraniana, provincial e local não ousou a contar sobre a execução dos soldados do Exército Vermelho efetuada pelo NKVD. Apenas o jornal “Gorniatskaya Slava”, com a tiragem de 2.000 exemplares, publicou a recordação de um testemunho que no outono de 1941 viu “soldados soviéticos mortos, alguns amputados, ao seu lado estavam muitas muletas”. Havia testemunhos de dezenas de outros moradores, que confirmavam a informação.

No verão de 1989, 48 anos após os acontecimentos trágicos, o grupo de escavação desenterrou vários objetos caraterísticos de um hospital militar: ligaduras ensanguentadas, membros engessados, máscaras de oxigénio, loiça sanitária da época. Num buraco à parte foram encontrados os restos das camisas, muito parecidas com as uniformes usadas nas escolas FZU…

Em 4 de julho de 1989, o jornal “Pravda”, órgão central do PCUS, publica o artigo crítico e bastante honesto do seu correspondente ucraniano, Glotov, “Lá onde decidiram construir as garagens…” O jornalista visitou o local das escavações, falou com testemunhas, com representantes do poder municipal, entrevistou o investigador judicial e o perito da medicina legal. O artigo não mencionava os militares fuzilados, mas dizia abertamente que Rutchenkovo é o local das repressões em massa na província de Donetsk. Glotov criticava KGB provincial pela falta de cooperação na investigação do caso criminal e criticou o poder estatal pela burocracia e falta de profissionalismo. O artigo até mencionava o número total das vítimas das repressões na província de Donetsk na década 1930 – 40.000 pessoas. Embora o número mais tarde foi contestado, mas fornecido pelos “órgãos” locais não podia ser exagerado, mais certo que o número das vítimas das repressões era maior.

Segundo a lógica partocrática soviética, o artigo do “Pravda” foi um poderoso sinal de cima para baixo para os órgãos locais do poder estatal. O caso foi divulgado na televisão ucraniana, Comissão da cidade de Donetsk reconheceu o facto da existência da sepultura massificada…

No entanto, muito em breve, a mesma Comissão decidiu terminar as escavações e começar a transladação dos restos mortais descobertos. Seria impossível que uma decisão daquele tipo foi tomada sem consentimento de Moscovo, pois o caso foi recentemente e amplamente divulgado. Os ativistas ficaram convencidos que a principal razão dessa decisão tinha a ver com o caso dos soldados e estudantes de FZU executados. As escavações e os estudos do caso eram desde início muito mal vistos pela Direção provincial do KGB.

No dia 16 de setembro de 1989 foram solenemente transladados os restos mortais de 540 vítimas. No comício popular estavam presentes os representantes do poder local, membros da sociedade Memorial, representantes dos estudantes que participaram nas escavações. Os oradores diziam que o local da tragédia deveria preservar as memórias das vítimas do terror estalinista. Mas apenas 16 anos depois, em 2005, no Dia da Memória das vítimas do Holodomor e das repressões políticas na Ucrânia, naquele local foi inaugurado o monumento em memória dos cidadãos que se tornaram as “lascas” anónimas na tentativa do regime soviético “com a mão de ferro empurrar a humanidade à felicidade”.

Em 2007, o autor destas linhas visitou novamente o local. O campo de Rutchenkovo tinha um ar descuidado e abandonado. Aqui e ali foram abertas as pequenas hortas, a cooperativa de garagens se separou do monumento com um murro de concreto. O cemitério local se aproxima cada vez mais. Um grupo de jovens desocupadas bebia e fumava ao lado do monumento, fugindo antes de as puderam perguntar se elas faziam a ideia da história do local. O céu sobre o campo era tenso e desassossegado…

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