quinta-feira, setembro 20, 2012

As crianças no GULAG soviético

O regime comunista soviético, à semelhança da sua congénere nazi, deportava as crianças e adolescentes para os campos de concentração de GULAG. Uma tragedia até hoje pouco conhecida pelo grande público.

Essa lacuna de conhecimento é preenchida pelo realizador americano Chris Swider, cujo filme documentário “Children in Exile”, venceu em 2011 o Festival de Cinema de Amsterdão, ganhando o prémio Van Gogh de Melhor Filme sobre o tema de Direitos Humanos.

Chris Swider fez o filme por causa da própria conexão pessoal: o seu pai, médico polaco, sobreviveu o campo de concentração do GULAG na cidade de Uchta. Em 1991 o realizador viajou até a Uchta, capital da República Komi, no oeste da Rússia, onde encontrou nos arquivos da cidade o processo do NKVD relativo ao seu pai. Ele também entrevistou diversas pessoas em Uchta: alguns eram polacos, outros não, mas a maioria ou eram ex-prisioneiros ou seus descendentes, que para sempre assentaram naquela região.

Para o filme Swider selecionou as pessoas que tinham 18 anos ou menos, quando foram deportados para GULAG. Eles contam a sua história. Não há no filme um único perito, historiador ou qualquer espécie da autoridade. Além da introdução, que utiliza imagens de arquivo para explicar a II G.M., todos relatam a experiência na primeira pessoa. O resultado é um olhar sincero e profundo que descreve os horrores que essas crianças presenciaram e sofreram no GULAG.

Há muita história no filme – contexto necessário que explica os meandros históricos e políticos e as complexidades sociais daqueles tempos, que ditaram o destino das crianças e das suas nações no conflito mais mortífero do continente europeu.

Em 22 de junho de 1941, a Alemanha nazi ataca a URSS, o seu aliado recente. Os soviéticos precisam de homens para a frente de combate, por isso assinam um pacto com os britânicos e com o governo polaco em exílio, chamado de “anistia”, uma farsa, considerando os polacos abrangidos pelo acordo nunca tinham cometido nenhum crime. A condição é que os polacos que queriam sair do GULAG deveriam se juntar ao exército polaco e combater os alemães. Uma missão bastante complicada, porque os homens e as suas famílias precisavam de uma autorização para sair da União Soviética, documento emitido pelo NKVD.

Uma das entrevistas mais surpreendentes do filme é com Wojciech Jaruzelski, último líder comunista da Polônia, que foi deportado para Cazaquistão em 1941, aos 16 anos, considerado pelas autoridades soviéticas como “elemento social indesejável”.

Janina Kepinska tinha 11 anos, quando foi deportada, se recorda que havia 48 pessoas no vagão que levou ela e a sua família para o Cazaquistão. Não havia instalações sanitárias, apenas um buraco no chão. Através do qual, perturbadoramente, os deportados poderiam ter uma noção de quantos tinham ido antes deles sobre as mesmas trilhas, que foram preenchidos com pilhas intermináveis ​​de dejetos humanos.

Uma das partes mais difíceis da viagem era quando os comboios passavam a fronteira polaco-soviética. Mieczyslaw Wutke, que tinha 12 anos, conta que é um momento que nunca irá esquecer. Wesley Adamczyk começou a cantar o hino nacional polaco, mas os guardas soviéticos o mandaram calar, ameaçando o alvejar “como um cão”.

A viagem para GULAG durava, em média, um mês. Muitos não conseguiram chegar. Mas aqueles que sobreviviam eram imediatamente colocados a trabalhar, independentemente de sua idade. Aos sete anos de idade Wesley Adamczyk aprendeu que “quem não trabalha, não come”, pois ele é um “inimigo do povo”. Assim, ele e a sua irmã recolhiam o esterco de gado para o usar na fogueira. Pelo trabalho as crianças recebiam os “suprimentos de inverno”. A família do Jacek Furdyna recebeu dois pães e uma melancia. Isso é para toda a família, para todo o inverno.

Além do frio, fome e piolhos, aconteciam os estupros. Feliks Milan tinha 17 anos e recorda que não se passava um dia sem os estupros. No campo de concentração havia muitos prisioneiros do delito comum, eles eram cruéis para com os presos políticos, sem nenhuma proteção dos guardas do campo. Eles estupravam as meninas, os meninos, alguns até a morte – na frente de suas famílias. Feliks fica perturbado, recordando os horrores: “Isso irá ficar comigo até o fim da minha vida”.

Uma das piores coisas que aconteceu depois foi a incompreensão que as crianças sobreviventes do GULAG receberam da sociedade, quando finalmente voltaram para a Polônia. As pessoas diziam: “se os campos eram tão horrível, como eles tinham sobrevivido. Talvez realmente eram espiões?” Esse foi o castigo final dos sobreviventes, eles podem encontrar o consolo apenas entre os seus.

O filme “Children in Exile” foi exibido em 28 festivais de cinema e ganhou oito prêmios, incluindo o de Melhor Filme Documentário de menos de 60 minutos no Festival Internacional San Luis Obispo de 2008. Mas para o público norte-americano GULAG e os seus sobreviventes é um assunto que encontra pouca ressonância e pouco interesse. As pessoas se desculpam, dizendo que “a Cortina de Ferro já caiu e o Muro de Berlim já foi abaixo”.

Durante as deportações de 1939 – 1941, naqueles vagões de gado, as crianças morriam nos braços das suas mães. As mães morriam segurando os seus bebês, diz Feliks Milan. “Esta é a maior tragédia. Quem hoje se lembra dessas crianças?

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Em 1939, o pai do realizador, Konstanty Swider era capitão do Corpo Médico do exército polaco, doutorado em neurologia e psiquiatria. Foi preso pela NKVD nos arredores da cidade de Lviv e enviado para um campo de concentração na cidade de Uchta, onde primeiro trabalhou como lenhador, depois conseguiu o emprego como médico, o que provavelmente o salvou. Quando a tal anistia surgiu em 1941, ele se juntou ao Exército polaco do general Anders e através do Mar Cáspio seguiu para o Irão, Iraque, Palestina e Egipto. Participou na famosa Batalha de Monte Cassino, onde as tropas polacas venceram os alemães e italianos.

A mãe de Chris Swider, Maria Baranowska Swider, havia sobrevivido a Revolta de Varsóvia de 1944. Conheceu o seu futuro marido em Verona, em 1947 a família emigrou para a Inglaterra e em 1951 se mudou para os EUA.

O seu pai continuou trabalhando como médico, passando de estagiário à residente em Nova Iorque. Morreu em 1965 sem nunca mais visitar a Polônia.

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