quinta-feira, novembro 09, 2017

Papel higiénico na URSS: do desconhecimento absoluto ao deficit total

No dia 3 de novembro, se passou despercebida uma outra data histórica importante, em 1968, e pela primeira vez, a União Soviética começou fabricar o papel higiénico moderno, até ai, um “luxo burguês” disponível apenas à uma certa elite ligada ao partido comunista.
Em 1968, na fábrica de celulose e papel da cidade de Syasstroy (região de Leninegrado), foram montadas duas máquinas britânicas de produção de papel higiénico. No dia 3 de novembro de 1969, nas vésperas da “grande revolução de outubro”, começou a produção do papel em série. Que, no entanto, recebeu a procura praticamente nula da população: os cidadãos soviéticos simplesmente não sabiam o que fazer com este produto.
Somente após uma campanha publicitária em larga escala (o produto foi divulgado em forma de filmes publicitários nos cinemas soviéticos), começou um boom real. O meio de higiene pessoal, tão familiar em todo o mundo, na URSS imediatamente se tornou um deficit tremendo e até a década de 1980 só poderia ser obtido pelo cidadão após passar por enormes e intermináveis filas. 
Que, por vezes, eram de tal maneira gigantescos, que quando o produto era “deitado fora” (eufemismo soviético para a “venda livre”), as lojas organizavam a sua venda na rua, fora dos recintos comerciais, para que a multidão em procura do deficit não perturbasse, por completo, o comércio restante. Os “felizardos” compravam 10-20-30 rolos de cada vez, colocando as numa cordinha e transportando ao tiracolo. Tal & qual os marinheiros revolucionários em 1917, na sua luta pelo mundo melhor, isso é, pelo mundo da “democracia popular”, rumo ao “comunismo científico”.
O seu primeiro contato com o papel higiénico em uma casa de banho / banheiro em Paris foi descrito pelo Vladimir Mayakovsky no verso “Parisiense” (1929): a incompreensível palavra “pipifax” era desconhecida pela absoluta maioria dos seus leitores.

Quem não viveu na URSS tem a dificuldade de imaginar essa situação. Os cidadãos soviéticos tinham a maior dificuldade de acreditar que no exército americano aos militares forneciam o papel higiénico. “Como é possível?!!” – clamavam os representantes da inteligentzia soviética, – “um soldado não deve ser tão mimado! E como fica o seu espírito de luta e do sacrifício?!!”   
Até a data, os cidadãos usavam os jornais: “Pravda”, “Izvestia”, “Trud”, os matutinos e vespertinos regionais. Os jornais recortados não podiam ser colocados dentro das sanitas, as entupiam. Por isso nas casas de banho / banheiros eram colocados os baldes, geralmente metálicos. Os baldes permitiam queimar os montinhos de jornais, quando estes começavam à transbordar. Nas décadas do terror estalinista, os cidadãos que usavam o papel dos jornais nos komunalkas (apartamentos comunais) recortavam das folhas usadas os retratos dos queridos líderes. Devido aos diversos casos anteriores, em que os vizinhos maldosos denunciavam os seus outros vizinhos de serem “inimigos do povo”, por se limparem com os retratos dos líderes bolcheviques da época. O delito maior, naturalmente cometiam aqueles “trotskistas da direita” que ousassem atentar contra a imagem do chefe dos chefes – Estaline. Havia casos, em que as denúncias eram acompanhadas de “provas materiais”. Infelizmente, estes casos não são nem exagero, nem a invenção. A pura e triste realidade da sociedade soviética da época.
No início da década de 1980, nas vésperas dos Jogos Olímpicos de Moscovo, no comércio moscovita apareceu o papel higiénico finlandês de marca Nokia. Os operários e camponeses da pátria socialista entravam em choque cultural, pois “Nokia Silk” era dupla e de qualidade superior. Muito mais fofinha do que a folha do jornal “Pravda”. Na província soviética o papel higiénico apareceu apenas na segunda metade da década de 1980 e continuava ser deficit comercial.
Depois chegou o capitalismo selvagem e os cidadãos se esqueceram das boas tradições socialistas do passado, deixaram de sentir a proximidade com os líderes do povo...

“Filhos meus, viram os suplementos dos jornais russos?
Viram os eleitos, os melhores, os dignos e mais certos dos certos?
Contemplem, caladamente, os seus rostos, amarfanhando o papel nas mãos,
Saudando silenciosamente a sabedoria da natureza gentil”.    

Blogueiro

No Dicionário Mercantil soviético, que continha a descrição de todos os itens produzidos na URSS, na sua edição de 1956 realmente está presente o papel higiénico:
Na Lituânia, na cidade de Grigiškės, na fábrica de papel Grigiškės, fundada em 1823 por um industrial polaco/polonês, a produção de papel higiénico foi iniciada antes da II G.M. Possivelmente, após a ocupação da Lituânia pela URSS, a fábrica poderia produzir o papel higiénico, em quantidades muito reduzidas e disponíveis apenas às elites soviéticas, ligadas ao partido comunista.
Mais, o já mencionado Dicionário Mercantil descreve o papel higiénico soviético de seguinte forma: “é fabricado à partir do papel não colado [...] de cor natural de fibra não esbranquiçada  [...] a composição não é normalizada”. Ou seja, antes de 3 de novembro de 1969 a URSS comercializava sob o nome do papel higiénico o simples papel castanho, também usado para a escrita, apenas cortado em retángulos de 130 x 135 (ou 170 x 135). Ao preço entre 68 à 80 copeque / kg (1,15 – 1,35 dólares / kg) e com as sensações que os nossos leitores podem experimentar, usando para o efeito o papel que das vossas impressoras caseiras.
Não é de estranhar, que praticamente até a queda da URSS os cidadãos soviéticos preferiam os jornais. Eram muito mais baratos (cada jornal custava apenas 3-5 copeque, para garantir a disseminação mais larga da propaganda estatal e um rolo já custava 28 copeque, ou seja 0,47 dólares) e no decorrer do processo se podia ficar etretido e informado sobre a atualidade política, cultural ou desportiva, com a sorte mesmo da internacional.
Fonte 1; Fonte 2; Fonte 3.

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