Por muitos anos, o Serviço russo para a Proteção da Ordem Constitucional e a Luta contra o Terrorismo (SZKSBТ), também conhecido como 2º Serviço
do FSB, funcionou efetivamente como a versão russa da Gestapo — uma força policial secreta responsável pela repressão e pelo terror internos.
Foram agentes desse mesmo serviço que envenenaram político Alexei Navalny, escritor russo Dmitry Bykov e político e ativista Vladimir Kara-Murza. Agentes do Segundo Serviço
também foram responsáveis por rastrear Boris Nemtsov nas últimas semanas antes de seu assassinato. Além disso, eles estão por trás dos assassinatos do analista político
Nikita Isaev, do jornalista Timur Kuashev e do ativista Ruslan Magomedragimov. Em uma entrevista exclusiva ao The Insider, o ex-oficial do Segundo Serviço do FSB, Alexander Fedotov, revela internamente como o serviço
opera. Fedotov oferece uma visão detalhada de como os envenenadores de Navalny ascenderam na hierarquia e explica como o FSB continua a construir um sistema que mantém vigilância total sobre figuras da
oposição e ativistas, estejam esses inimigos do regime dentro ou fora da rússia.
“Trabalhei no mesmo andar que Girkin”
A estrutura do Segundo Serviço é a seguinte: no topo está o General do Exército Alexei Semyonovich Sedov, com um primeiro-adjunto com a patente de coronel-general.
Abaixo deles, estão quatro diretorias principais: a Diretoria de Proteção da Ordem Constitucional (UZKS), a Diretoria Operacional-Investigativa (ORU), a Diretoria Organizacional-Operacional (OOU) e a Diretoria
de Combate ao Terrorismo (UBT).
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| A torre «Priboy», literalmente preia-mar, a sede do 2º serviço do FSB em Moscovo |
Eu, por exemplo, trabalhava no vigésimo andar. Entre as figuras conhecidas por perto o Sr. Igor Girkin («Strelkov»). Ele trabalhava no departamento que tratava de questões
chechenas e extremismo islâmico. Seu escritório ficava a uma ou duas portas de distância do meu. Frequentemente nos cruzávamos nos corredores. Ele era uma pessoa peculiar — no seu escritório,
um sabre cossaco estava pendurado na parede.
“Na Donbas, Girkin agiu em coordenação com o FSB”
Cerca de seis meses antes dos eventos na Crimeia, Igor Girkin («Strelkov») deixou o FSB. Naquela época, ele trabalhava com o empresário [o oligarca ortodoxo] Konstantin
Malofeev. Girkin é um homem a quem se pode delegar uma tarefa, e ele fará tudo o que estiver ao seu alcance para realizá-la. É claro que, na Crimeia e, posteriormente, em Donbas, Girkin cooperou
com o FSB. Acho que isso facilitou a coordenação com a liderança local, representada por [general Alexander] Tatko.
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| Coronel do FSB Igor «Strelkov» Girkin, atualmente um prisioneiro |
[O operacional do FSB, Igor Girkin e seu grupo iniciaram a intervenção militar clandestina, a chamada «guerra híbrida» no leste da Ucrânia em 2014. Mais
tarde, cidadão russo Girkin, usando o nom de guerre Strelkov, se torna o primeiro «ministro da defesa» da dita «dnr». É responsável direto do abate do Boeing-777 do voo MH-17 sob
os céus da Ucrânia. Atualmente está cumprir a pena numa cadeia russa, por criticar o regime russo à direita, exigindo atacar e aniquilar Ucrânia de uma forma mais brutal, mais impiedosa e muito mais eficiente.]
“Até Sobchak estava sob vigilância”
Os protestos da Praça Bolotnaya [em 2011-2012] não assustaram exatamente as autoridades [russas]. Foram mais uma surpresa — com a quantidade de pessoas dispostas a ir às
ruas e expressar abertamente sua discordância. Foi inesperado. Alguns policiais simpatizaram com os manifestantes. Eu estava entre eles.
Dentro do Serviço, ocorreu uma reorganização. Em vez de seis departamentos, foram criados treze. As pessoas foram divididas em áreas de responsabilidade mais estreitas
para que cada uma pudesse se concentrar mais profundamente em suas tarefas específicas. A vigilância de figuras da oposição se expandiu após os protestos — um círculo mais amplo
de pessoas foi colocado sob controle operacional. O objetivo era identificar aqueles capazes de organizar grandes aglomerações rapidamente.
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| O futuro todo-o-poderoso putin, no papel do assessor do mayor de São Petersburgo, 1990xx |
A vigilância teve como alvo todos os envolvidos em atividades da oposição, sem exceção. Todos foram vigiados. Até Ksenia Sobchak [jornalista, socialité
e alegada afilhada do Putin, que no início da sua carreira era um assessor / moço de recados do seu pai, o político liberal imperialista e mayor de São Petersburgo, Anatoly Sobchak] estava sob observação —
posso afirmar isso com certeza porque recebi pessoalmente relatos sobre ela.
Pessoalmente, não considero Ksenia Sobchak uma figura da oposição em princípio — não se pode esperar que laranjas cresçam de álamos. Ela
era monitorada em termos de seus movimentos: se ela comprasse uma passagem — de comboio/trem ou avião —, isso se tornava imediatamente conhecido. É altamente provável que seus telefones estivessem
sob escuta/grampeados. Mas duvido seriamente que ela tivesse agentes de segurança a seguindo 24 horas por dia, 7 dias por semana. O caso de Sobchak é especial: ela tem conexões diretas com as autoridades
e não é uma figura de oposição de base. Portanto, os materiais coletados sobre ela eram «arquivados» mais do que utilizados ativamente.
“Os envenenamentos de Navalny e outros foram coordenados com Putin”
O FSB prefere eliminar figuras da oposição de maneiras que pareçam morte natural. Ser atingido na cabeça com um tijolo em um beco — mesmo assim é uma
morte violenta. Os golpes deixam marcas visíveis. O veneno, no entanto, muitas vezes é impossível de detectar.
Envenenamentos são de responsabilidade do Segundo — o departamento da “oposição” do UZKS, que opera em conjunto com o [Instituto de Pesquisa Científica]
NII2. Organizar um envenenamento requer entender como uma toxina interage com o corpo humano e o ambiente (evapora mais rápido em ambientes externos), onde aplicá-la (em uma bebida, na pele, nas roupas), qual
dose usar e como calculá-la. Os próprios agentes operativos não têm esse conhecimento, então especialistas das unidades relevantes são chamados.
As decisões sobre envenenamentos são cem por cento coordenadas com Putin, porque tais ações inevitavelmente atraem a atenção internacional. Nada disso
é realizado sem a sua aprovação. Há dois vetores possíveis. O primeiro: a decisão é tomada pessoalmente por Putin e é transmitida. O segundo: uma iniciativa vem de baixo
como uma recomendação — «se isso não for feito agora, os movimentos de protesto podem crescer no futuro ou problemas políticos podem surgir no cenário internacional». Em
ambos os casos, a palavra final pertence a Putin. Ele dá a ordem ou concede a aprovação. O método e o momento, no entanto, são deixados para os executores.
“A anexação da Crimeia foi conduzida pelo General Tatko do FSB, do Segundo Serviço”
Quando os protestos populares começaram em Kyiv, no final de 2013, oficiais do Segundo Serviço do FSB foram enviados para lá. Um papel fundamental foi desempenhado pelo
então Tenente-General Alexander Evgenyevich Tatko, Primeiro Vice-Chefe do Serviço. Em termos de autoridade, Tatko estava acima de Alexei Zhalo, Vice-Chefe do Serviço e Chefe da UZKS. Até onde eu
sei, ninguém estava acima de Tatko lá. Na prática, era ele quem dirigia todos esses processos.
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| General Alexander Tatko, 1º vice-chefe do 2º Serviço do FSB |
Inicialmente, a tarefa era ajudar Viktor Yanukovych a permanecer no poder e lidar com o Maydan — em particular, envolvendo militantes [pró-russos] da «Oplot» de Kharkiv.
Recomendações foram feitas sobre como agir. Mas Yanukovych revelou-se um homem covarde — às vezes, dava ordens para dispersar os manifestantes, apenas para imediatamente chamar as unidades especiais
de volta. No final, ele não conseguiu manter o controlo/e.
Quando ficou claro que Yanukovych não resistiria, a decisão foi tomada em relação à Crimeia. A partir de novembro de 2013, Tatko fez três longas viagens
para lá — cada uma com duração de cerca de um mês, com breves retornos à rússia (por exemplo, durante os feriados de Ano Novo). Após a última viagem, um «referendo»
foi realizado e ele retornou definitivamente ao Moscovo/ou.