domingo, maio 19, 2019

A história do soldado russo que participou na invasão da Ucrânia

Vyacheslav (nome fictício) é um ex-soldado russo de 21 anos, com contrato da 76ª Divisão aerotransportada de Pskov, que participou na invasão da Ucrânia em agosto de 2014. Sobreviveu, foi condecorado, mas preferiu sair do exército russo. Agora contou ao jornal russo Novaya Gazeta toda a sua história.

— Após exercícios na região de Pskov — fomos levados ao aeródromo de Pskov e de lá ao Rostov. Em Rostov, o comandante do grupo disse, que estamos indo ao Luhansk. […] Disseram que temos que acompanhar a coluna com ajuda humanitária.

— Ainda em Rostov nos disseram retirar [os sinais de identificação]. Dos telemóveis retirar as baterias. Pois através dos telemóveis poderiam nos detectar. Qualquer um. Inimigos.

— Éramos o grupo tático de combate — ​90 pessoas.

—  Tínhamos armamento abundante. Segundo o estatuto. Eu tinha espingarda/fuzil de assalto. Possuimos [blindados ligeiros] BMD, [camiões/caminhões] KamAZ. Os de artilharia tinham [canhões autopropulsados] «NONA». Equipamentos novos. Ninguém explicava nada. Nenhum de nos perguntava nada. Não fomos preparados para aquilo que vinha à seguir. Mas sabíamos disparar, éramos preparados para a guerra. Entendíamos onde estávamos e o que está à acontecer. Não discutíamos isso, pensávamos apenas em voltar vivos. Muitos tinham esposas, filhos. Prometeram nos o pagamento extra. 50 dólares por cada dia.

— Uma semana depois disseram que devíamos atacar duas aldeias, um deles não esquecerei nunca – Novosvitlivka/ Novosvetlovka.
A moradora de Novosvitlivka - Svitlana no seu apartamento atingido pelo fogo de morteiros, região de Luhansk, 2014,
foto: Anna Artemyeva / «Novaya Gazeta»
— Nos disseram que tínhamos que ... por assim dizer aniquilar ... estes que chamávamos de “banderistas” [exército ucraniano ou mais possivelmente as unidades voluntárias, batalhões “Aydar”, “Azov”, “Donbas”, etc.].

— Eles não nos atacaram. Mas nos recebemos uma ordem assim.

— Percebemos claramente [que estamos agir no território de um outro país]. Mas era uma ordem. Na aldeia [de Novosvitlivka] metade do grupo foi ferida, quase todos de estilhaços de morteiros. Usamos [os blindados ligeiros] BMD contra aldeia, disparávamos os canhões. O combate demorou cerca de uma hora. Nos disparamos, contra nós dispararam, matamos uns, outros fugiram. Quem era, muito sinceramente não sei, não capturamos ninguém vivo.
Os moradores de Novosvitlivka, região de Luhansk, 2014, foto: Anna Artemyeva / «Novaya Gazeta»
— Depois daquele combate por dois dias ficamos naquela aldeia, fomos reunidos para ir até aeroporto de Luhansk. Mas não chegamos até lá, paramos nas proximidades, no dia seguinte nos disseram: acabou, vamos para casa. Não tivemos outros combates. Voltamos ao Rostov, depois à casa.

— Vós pagaram aqueles 50 dólares extra que prometeram?
— Não. Disseram que não estávamos lá. Simplesmente se perdemos quando estávamos nos exercícios militares. E não pagaram nada. Não estava no nosso alcance conseguir que nos paguem. Depois perdemos o prémio, quase 20.000 rublos (308 dólares). Devíamos receber 50 dólares diários, mais o prémio, e não recebemos nada.

— Os feridos também não receberam?
— Os feridos receberam 1 milhão de rublos (15.440 dólares). Nas outras unidades as esposas, mães dos mortos também receberam 1 milhão de rublos.

— Como aconteceu que você deixou exército?
— Depois disso tudo – deixei. Queriam nos mandar pela segunda vez. Muitos recusaram. Depois acabaram por aceitar. Outros, como eu, não aceitaram. Disseram nós fazer o relatório. Escrevi e sai [do exército].

— Contra quem e porque vocês sentiam ódio? Foram vocês que vieram ter com os “banderistas”, eles não foram ter convosco.
— Somos o que? Recebemos a ordem, somos serviçais.

— Mas porque este ódio?
— Sei lá… Outros simplesmente gostavam [...] Principalmente um. Ele era assim ... muito político. Permanentemente tocava os temas políticos. Geralmente eram apenas os palavrões. Que estes ucranianos… simplesmente se devia os queimar.

— Você entendia que poderia morrer nos arredores de Luhansk? Pela glória, pela Pátria, mesmo pelo dinheiro?
— Poderia morrer por uma coisa de nada. Mas entendi isso apenas depois. Simplesmente tínhamos a ordem. Em resultado, nem a glória, nem “pela Pátria”, nem o dinheiro.

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