Vyacheslav
(nome fictício) é um ex-soldado russo de 21 anos, com contrato da 76ª Divisão
aerotransportada de Pskov, que participou na invasão da Ucrânia em agosto de
2014. Sobreviveu, foi condecorado, mas preferiu sair do exército russo. Agora contou
ao jornal russo Novaya
Gazeta toda a sua história.
— Após
exercícios na região de Pskov — fomos levados ao aeródromo de Pskov e de lá ao
Rostov. Em Rostov, o comandante do grupo disse, que estamos indo ao Luhansk. […]
Disseram que temos que acompanhar a coluna com ajuda humanitária.
— Ainda
em Rostov nos disseram retirar [os sinais de identificação]. Dos telemóveis
retirar as baterias. Pois através dos telemóveis poderiam nos detectar. Qualquer
um. Inimigos.
— Éramos
o grupo tático de combate — 90 pessoas.
—
Tínhamos armamento abundante. Segundo o estatuto. Eu tinha espingarda/fuzil de
assalto. Possuimos [blindados ligeiros] BMD, [camiões/caminhões] KamAZ. Os de artilharia
tinham [canhões autopropulsados] «NONA». Equipamentos novos. Ninguém explicava nada. Nenhum de
nos perguntava nada. Não fomos preparados para aquilo que vinha à seguir. Mas sabíamos disparar, éramos preparados
para a guerra. Entendíamos onde estávamos e o que está à acontecer. Não discutíamos isso, pensávamos apenas
em voltar vivos. Muitos tinham esposas, filhos. Prometeram nos o pagamento
extra. 50 dólares por cada dia.
— Uma
semana depois disseram que devíamos atacar duas aldeias, um deles não
esquecerei nunca – Novosvitlivka/ Novosvetlovka.
A moradora de Novosvitlivka - Svitlana no seu apartamento atingido pelo fogo de morteiros, região de Luhansk, 2014, foto: Anna Artemyeva / «Novaya Gazeta» |
— Nos
disseram que tínhamos que ... por assim dizer aniquilar ... estes que chamávamos
de “banderistas” [exército ucraniano ou mais possivelmente as unidades voluntárias,
batalhões “Aydar”, “Azov”, “Donbas”, etc.].
— Eles
não nos atacaram. Mas nos recebemos uma ordem assim.
— Percebemos
claramente [que estamos agir no território de um outro país]. Mas era uma ordem.
Na aldeia [de Novosvitlivka] metade do grupo foi ferida, quase todos de
estilhaços de morteiros. Usamos [os blindados ligeiros] BMD contra aldeia,
disparávamos os canhões. O combate demorou cerca de uma hora. Nos disparamos,
contra nós dispararam, matamos uns, outros fugiram. Quem era, muito sinceramente
não sei, não capturamos ninguém vivo.
Os moradores de Novosvitlivka, região de Luhansk, 2014, foto: Anna Artemyeva / «Novaya Gazeta» |
— Depois
daquele combate por dois dias ficamos naquela aldeia, fomos reunidos para ir
até aeroporto de Luhansk. Mas não chegamos até lá, paramos nas proximidades, no
dia seguinte nos disseram: acabou, vamos para casa. Não tivemos outros combates. Voltamos ao Rostov, depois à casa.
— Vós
pagaram aqueles 50 dólares extra que prometeram?
— Não.
Disseram que não estávamos lá. Simplesmente se perdemos quando estávamos nos
exercícios militares. E não pagaram nada. Não estava no nosso alcance conseguir
que nos paguem. Depois perdemos o prémio, quase 20.000 rublos (308 dólares). Devíamos receber 50 dólares diários, mais
o prémio, e não recebemos nada.
— Os
feridos também não receberam?
— Os
feridos receberam 1 milhão de rublos (15.440 dólares). Nas outras unidades as esposas,
mães dos mortos também receberam 1 milhão de rublos.
— Como
aconteceu que você deixou exército?
— Depois
disso tudo – deixei. Queriam nos mandar pela segunda vez. Muitos recusaram. Depois
acabaram por aceitar. Outros, como eu, não aceitaram. Disseram nós fazer o
relatório. Escrevi e sai [do exército].
— Contra
quem e porque vocês sentiam ódio? Foram vocês que vieram ter com os “banderistas”,
eles não foram ter convosco.
— Somos
o que? Recebemos a ordem, somos serviçais.
— Mas
porque este ódio?
— Sei
lá… Outros simplesmente gostavam [...] Principalmente um. Ele
era assim ... muito político. Permanentemente tocava os temas políticos. Geralmente
eram apenas os palavrões. Que estes ucranianos… simplesmente se devia os queimar.
— Você
entendia que poderia morrer nos arredores de Luhansk? Pela glória, pela Pátria,
mesmo pelo dinheiro?
— Poderia
morrer por uma coisa de nada. Mas entendi isso apenas depois. Simplesmente tínhamos
a ordem. Em resultado, nem a glória, nem “pela Pátria”, nem o dinheiro.
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