Um
tribunal de Moscovo recusou novo pedido da família de Raoul
Wallenberg, diplomata sueco que salvou do Holocausto dezenas de milhares de
judeus, de acesso à documentação sobre o seu destino na URSS.
por:
José Milhazes (Observador.pt)
Oficialmente,
a polícia política soviética KGB desapareceu em 1991 com o fim da União da
URSS, mas as suas metástases russas: FSB (Serviço Federal de Segurança da
Rússia) continuam a ditar as regras de jogo à justiça. Pouco parece ter mudado,
por exemplo, na defesa dos carrascos estalinistas
Raoul Wallengerg |
O
Tribunal do Bairro Meschanski de Moscovo recusou, no dia 19 de Setembro, mais
um pedido da família de Raoul Wallengerg, diplomata sueco que salvou do
Holocausto dezenas de milhares de judeus húngaros e foi raptado pelos serviços
secretos soviéticos em Budapeste, em 1945, de acesso à documentação sobre o seu
destino na União Soviética.
Depois
de cerca de setenta anos após esse rapto e o de Vilmos Langfelder, motorista de
Wallenberg, o citado tribunal concordou com os argumentos apresentados pelos
advogados do FSB que insistem em afirmar que já foi aberto o acesso a alguns
documentos, mas não se pode publicar outros porque eles “contêm informação
sobre outras pessoas”.
Marie
Dupuy, sobrinha do diplomata sueco, considera que “há várias dezenas de anos
que [os serviços secretos russos] andam a contar contos de fadas aos parentes
de Wallenberg de que não há nenhuns documentos”, frisando que isso não
corresponde à realidade e que os documentos que foram revelados aos
historiadores tinham sido sujeitos a censura e que parte das folhas do processo
foram arrancadas.
As
circunstâncias da morte de Wallenberg continuam a ser um mistério. Em Agosto de
1947, Andrei Vychinski, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS e uma
das figuras mais tenebrosas da “justiça estalinista”, declarou oficialmente de
que Wallenberg não se encontra na União Soviética e que as autoridades de
Moscovo nada sabiam sobre o seu paradeiro.
Mas,
em Fevereiro de 1957, após numerosas insistências das autoridades suecas, o
Governo soviético de Nikita Khruschov informou que Raoul Wallenberg teria
falecido de um ataque cardíaco na prisão Lefort de Moscovo, a 17 de Julho de
1947.
Porém,
esta versão está longe de ser aceite pelos historiadores, pois existem
declarações de outros reclusos que afirmaram ter visto ou ouvido falar de
Wallenberg nos anos de 1950 noutras prisões. As autoridades suecas, por
exemplo, consideram que o diplomata foi assassinado numa prisão soviética a 31
de Julho de 1952.
Além
disso, [o general] Ivan
Serov, que dirigiu o KGB logo após a morte de Estaline, escreveu nos seus
diários que Victor Abakumov, seu antecessor no cargo e um dos mais sangrentos
carrascos do ditador soviético, reconheceu que a ordem para liquidar Wallenberg
teria sido dada por José Estaline e por Viatcheslav Molotov, seu ministro dos
Negócios Estrangeiros. Serov não tinha dúvidas de que o diplomata sueco teria
sido liquidado em 1947.
O livro de memórias do general Serov |
Após
essas revelações, Marie Dupuy e o Raoul Wallenberg Research Initiative voltaram
a tentar várias vezes, através dos tribunais russos, conseguir o acesso ao
processo completo, sem censura, a fim de saberem o destino do diplomata e do
seu motorista, mas todas as tentativas esbarram no secretismo do FSB russo.
“O
destino de Wallenberg é uma das maiores mistificações na História da Rússia. Os
documentos que os familiares de Wallenberg exigem já têm 70 anos e o acesso a
eles deve ser permitido”, defendeu o advogado Ivan Pavlov, em declarações à
agência russa “Interfax”.
O
mais estranho é que o diplomata sueco e o seu motorista foram reabilitados em
Dezembro de 2000 pela Procuradoria-Geral da Rússia, que os considerou “vítimas
de repressão política”.
Quem
é que o FSB esconde? Além dos criminosos que deram a ordem de assassinato:
Estaline e Molotov, o Serviço Federal de Segurança da Rússia não quer revelar
os nomes dos que prenderam e torturaram Wallenberg e Langfelder. Talvez algum
dos carrascos ainda esteja vivo e seja considerado mais um “herói” da Grande
Guerra Pátria, assim é chamada na Rússia a Segunda Guerra Mundial, e ainda
tenha forças para contar aos seus netos os seus “feitos na frente de combate”
contra o nazismo.
Afinal
de contas, quem manda hoje na Rússia senão os antigos agentes do KGB, tendo
como chefe máximo o coronel Vladimir Putin?
P.S.
Tenho sido acusado de difamar constantemente a Rússia e o Presidente Putin por
aqueles que consideram que a Rússia é Putin e vice-versa. Repito uma vez mais:
trata-se de um erro grave semelhante associação. Além disso, sou também acusado
de responsabilizar Putin por todos os males do seu país. Esta acusação é
verdadeira, mas é preciso acrescentar que se o autocrata concentra nas suas
mãos o poder absoluto, deve responder por tudo.
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