O
trabalho forçado era um dos pilares do sistema laboral soviético. Não era
praticado apenas em campos de concentração de GULAG, acompanhava o cidadão soviético
durante toda a sua vida, desde a escola primária até o trabalho gratuito nas
empresas no decorrer dos “sábados comunistas”. O sistema soviético estava
organizado de tal forma que o cidadão não podia recusar esse trabalho, sem ser
alvo de diversas sanções punitivas.
A
reportagem de hoje se debruçará sobre o “dever laboral” dos engenheiros e
técnicos, professores e estudantes universitários, da classe média soviética do
“colarinho branco”, que era obrigada a cumprir nas bases hortofrutícolas e
kolkhozes [à semelhança dos programas praticados na China ou Camboja comunista,
ou ultimamente proclamados na Venezuela].
Para
que os cidadãos eram enviados às bases hortofrutícolas?
O
poder soviético nunca deu grandes explicações ao processo, limitando-se aos clichés
de propaganda: “o grupo de camaradas do coletivo de trabalho decidiu
voluntariamente ajudar aos camponeses kolhozianos soviéticos no seu lavouro
árduo em benefício da nossa pátria soviética, efetuando a digressão laboral aos
campos, o que deverá unir a intelligentsia trabalhadora e os agricultores
coletivos na tarefa de construção do comunismo”.
Na
essência, a resposta real é essa: durante décadas de existência do poder
soviético, na URSS não surgiram tecnologias modernas de recolha e armazenamento
efetivo de cereais, fruta e vegetais, e graças à economia planificada, controlo
medíocre e desinteresse de todos os segmentos da produção agrícola se chegou à
situação em que o repolho apodrecia nas adegas, a batata congelava nos armazéns,
o tomate ficava machucado e facilmente se estragava. Basta lembrar as
malcheirosas lojas soviéticas de venda de fruta e vegetais, em que algo estava
constantemente apodrecendo (se não for na sala de comércio, então nos armazéns)
– uma constante imagem holística e sombria da agricultura soviética.
Não
havia como sair desse círculo vicioso, na URSS estava ausente qualquer competição,
vista como algo burguês e maléfico. Em qualquer país capitalista, as empresas
agrícolas negligentes entrariam em falência, dando o lugar à quem realmente
sabe e quer trabalhar, mas os axiomas soviéticos diziam que “a propriedade
privada é uma coisa má, a concorrência é má, mesmo o desemprego mínimo é mau”,
como resultado – “os ratos continuavam a chorar, se picar, mas comer os cactos”.
Para
tapar os buracos da agricultura soviética defeituosa, os cidadãos comuns eram enviados
para ajudar os agricultores kolkhozianos, devendo cumprir o seu “dever laboral”
que podia variar entre algumas horas e vários dias.
Escravidão
“voluntária forçada”
Quem
era enviado às bases hortofrutícolas e kolkhozes? Na maioria das vezes, eram moradores
urbanos, cidadãos afastados da agricultura, trabalhadores de empresas soviéticas
“não produtivas” e institutos de pesquisa, bem como professores e estudantes. Os
serralheiros e torneiros não eram enviados aos trabalhos agrícolas, ao campo iam
engenheiros, contabilistas e outros trabalhadores de “colarinho branco”, que
eram, por padrão, consideradas na URSS como pessoas de segunda classe, em
comparação com “operários e camponeses”.
Era
possível se recusar ir à “safra das batatas”? Teoricamente sim, mas a recusa poderia
implicar uma variedade de problemas aos “dissidentes”, dependendo da sua
empresa e da sua posição laboral. Era mais fácil para as pessoas de concordarem
para não criar problemas e para não “dar nas vistas”.
A
escolha dos “voluntários” decorria de seguinte forma: o poder superior
(ministério, departamento, etc.) enviava à empresa o número dos trabalhadores
que esta deveria providenciar ao envio para um determinado kolkhoze ou base
hortofrutícola. O chefe, que não cumpria a ordem, poderia arranjar problemas na
sua carreira – laboral e no partido comunista. Em seguida, o próprio chefe criava
o seu plano de ação – primeiro recrutando os “voluntários” (usando os argumentos
como “é, pá, você é um homem soviético / mulher soviética, deve entender!”), os
restantes membros da “incursão laboral” poderiam ser recrutados sob coação (em
caso da recusa não recebiam o voucher ao sanatório da empresa, perderiam o
direito ao prémio pela produtividade, etc.)
No
caso de uso de coação nenhum sindicato [organismo na União Soviética completamente
partidarizado e estatizado] iria defender o trabalhador. O funcionário
soviético era realmente um servo que praticamente não tinha nenhum direito e nenhum
campo de manobra nestes casos. Ele não tinha como se recusar a cumprir
quaisquer obrigações extras sem que essa recusa não tivesse consequências, pois
o próprio sistema soviético não conferia esses direitos à ele. Os slogans como
“o partido disse que se deve – o Komsomol respondeu sim”, essencialmente cobriam
a escravidão laboral habitual, quando as pessoas não tinham o direito de
escolher as suas próprias atividades.
O romantismo
do repolho podre
O
que exatamente os citadinos urbanos faziam nestas “viagens de vegetais”? Existiam
vários tipos de trabalhos – carga / descarga de legumes, arrastar os sacos ou
cestas de legumes de um lugar para outro, colocar as batatas nos sacos, triagem
de repolho podre – das cabeças do repolho malcheiroso se deveria retirar as
folhas podres, e assim, dar ao vegetal uma aparência mais ou menos apresentável.
Era
um trabalho duro, sujo e desagradável que nos países desenvolvidos era e é
executado pelos trabalhadores menos qualificados, já na URSS, era efetuado, em
regime da “pressão compulsiva voluntária” por estudantes de boas universidades,
engenheiros e docentes universitários.
Surpreendentemente,
hoje muitos dos ex-cidadãos soviéticos lembram estas viagens com um certo amor
e carinho [“bebíamos vodca”; “comi a Marina da contabilidade”] que, em princípio,
pode dizer muito sobre o fenómeno do amor dos cidadãos para com a União
Soviética – as pessoas apenas se recordam da sua juventude, quando o mundo
inteiro era visto às cores do arco-íris. Dificilmente essas pessoas concordariam,
hoje em dia, de ir à algum lugar sem condições no outono cinza e frio para
fazer gratuitamente a triagem do repolho podre.
O
“grande país”, a União Soviética – desconseguiu estabelecer a agricultura moderna,
as reportagens anuais da safra pareciam os relatórios da frente da batalha (“incursões
laborais” vs “batalha pela colheita”), mas também bastante legalmente utilizando
o trabalho semi-escravo de seus cidadãos, enviando-os aos trabalhos gratuitos.
[E
você, o nosso querido leitor, gostaria de fazer gratuitamente a triagem do
repolho podre em algum kolkhoze longínquo? Pense duas vezes: como o pagamento
pelo seu trabalho você poderia receber 1-2 cabeças de repolho quase nada podre
ou 1-2 kg de cenoura / beterraba forrageira. Praticamento isso pode ser
considerado como a prática do socialismo científico: “de cada um pelas
capacidades, ao cada um pelo trabalho” ;-)]
Fotos
@Internet | Texto Maxim
Mirovich e [Ucrânia em África]
1 comentário:
Estou amando o blog. Tenho aprendido muito. Boa sorte para a Ucrânia. Que Deus à abençoe!
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