domingo, setembro 10, 2017

PCP continua com falta de pontaria

O Partido Comunista Português (PCP) está convencido de que o mundo não mudou e que pode continuar a falsificar a História. Desta vez, na festa do seu jornal “Avante!”

A julgar pelo programa musical e cinematográfico da festa do Avante! em honra do centenário da revolução [bolchevique] russa de 1917, até se podia pensar que os organizadores quiseram prestar homenagem às vítimas da censura comunista no campo da cultura.

por: José Milhazes, Observador (Portugal)

Lê-se no programa que que, “de imediato, parecia que era projecto a não criar grandes dificuldades”, mas “a Revolução Soviética gerou um período de fulgurante criatividade artística nos mais variados sectores a que música não foi alheia”.

No caso de Igor Stravinski (1882-1971), um dos compositores cujas obras estão no programa, isso é absolutamente falso, pois este grande compositor e pianista não aceitou o poder soviético e foi viver para França e, depois, para os Estados Unidos. A suite do bailado “Pássaro de Fogo”, que está programada para a festa do Avante!, foi de resto composta em 1910, sete anos antes do assalto ao poder pelos bolcheviques.

Quanto a Dmitri Schostakovitch trata-se de meias verdades, pois é do conhecimento geral que, tendo composto obras em honra de Lenine, foi dos compositores soviéticos mais perseguidos pela censura comunista.

Em 1934, quando a sua ópera “Lady Macbeth do Distrito de Mtzenski” estreou em Leninegrado, tornou-se logo alvo de ataques ferozes da imprensa comunista. Em 28 de janeiro de 1936 o “Pravda”, órgão central do Partido Comunista da União Soviética, publicou mesmo um artigo com o título “Cacofonia no lugar de música”.

Mais tarde, em 1948, o Bureau Político do Partido Comunista fez sair um documento onde se acusava Schostakovitch, tal como outros compositores soviéticos, de “formalismo”, “decadência burguesa” e “submissão face ao Ocidente”. As coisas não ficaram por aqui, pois na época em que a cultura soviética foi dirigida pelo estalinista Andrei Jdanov, Schostakovitch foi acusado de “falta de profissionalismo” e viu ser-lhe retirado o grau de professor dos conservatórios de Moscovo e de Leninegrado.

Em 1948, o grande músico compôs o ciclo vocal “Da poesia popular hebraica”, que não ousou publicar devido à campanha anti-semita iniciada pelo ditador Estaline sob a capa da “luta contra o cosmopolitismo”. O seu primeiro concerto para violino também não foi publicado.

Já o seu filho, o maestro Maxim Schostakovitch, depois de uma digressão pela República Federal da Alemanha em 1981, decidiu não regressar à URSS e ir trabalhar para os Estados Unidos.

Segundo os organizadores da Festa, “com toda a justeza, havia que referir que, pese a brutal submissão czarista, o povo russo produziu de há muito soberbas criações musicais que constituíram a resposta humana do povo e das suas criações mesmo face à tirania. Dessa criatividade recebeu a Revolução de Outubro um inestimável património”.

Não há dúvida que a revolução de outubro recebeu “um inestimável património” no que respeita à cultura russa e de outros povos, mas muito dele foi destruído e proibido.

Exemplo disso são os nomes de alguns realizadores de cinema soviético cujos filmes serão exibidos nessa comemoração. É de resto do conhecimento geral os grandes problemas que Serguei Eiseinstein teve com Estaline ao filmar algumas das suas obras-primas, como, por exemplo, “Ivan, o Terrível”.

Já o realizador Dziga Vertov teve um destino ainda mais dramático. O autor daquele que é considerado um dos documentários mais famosos da história do cinema, “Homem da Câmara de Filmar” (1929), viu-se impedido de fazer novos documentários depois de 1946. Os dirigentes do cinema soviético deixaram de aceitar os seus guiões para novos filmes e, até à sua morte, apenas o autorizaram a realizar e montar “Crónicas do Dia”, que eram depois exibidas nas salas de cinema antes dos filmes de ficção.

E nem sequer Oleksandr Dovzhenko escapou à censura soviética, embora pedisse consultas e se correspondesse com o “maior especialista em cinema”, Estaline. O seu filme “Schors” (1939) foi de resto filmado por ordem de Estaline e sob o acompanhamento do ditador. Porém, em 1943, Dovzhenko [um ucraniano], escreve o guião “Ucrânia em chamas”, mas não conseguiu produzir o filme porque o ditador soviético não gostou.

A sua última obra, “Adeus, América!”, teve ainda um destino mais complicado. Baseando-se no livro de Annabelle Bucar, funcionária da Embaixada dos Estados Unidos em Moscovo e [alegada] agente dos serviços secretos norte-americanos que decidiu desertar e ficar na URSS, Dovzhenko tentou fazer uma obra de propaganda soviética, tendo para isso introduzido grandes transformações durante as filmagens e montagem. Mesmo assim o Kremlin mandou suspender os trabalhos quando a preparação chegou ao fim e o filme chegou ao espectador apenas em 1995.

A julgar pelo programa da festa dos comunistas portugueses, fica-se com a convicção de que o PCP em nada evoluiu e de que essa força política não compreendeu ainda que os tempos mudaram e as pessoas estão mais informadas. Só assim se compreende que continue a falsear a História.

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