O
Partido Comunista Português (PCP) está convencido de que o mundo não mudou e
que pode continuar a falsificar a História. Desta vez, na festa do seu jornal “Avante!”
A
julgar pelo programa musical e cinematográfico da festa do Avante! em honra do
centenário da revolução [bolchevique] russa de 1917, até se podia pensar que os
organizadores quiseram prestar homenagem às vítimas da censura comunista no
campo da cultura.
por:
José Milhazes, Observador
(Portugal)
Lê-se
no programa que que, “de imediato, parecia que era projecto a não criar grandes
dificuldades”, mas “a Revolução Soviética gerou um período de fulgurante
criatividade artística nos mais variados sectores a que música não foi alheia”.
No
caso de Igor Stravinski (1882-1971), um dos compositores cujas obras estão no
programa, isso é absolutamente falso, pois este grande compositor e pianista
não aceitou o poder soviético e foi viver para França e, depois, para os
Estados Unidos. A suite do bailado “Pássaro de Fogo”, que está programada para
a festa do Avante!, foi de resto composta em 1910, sete anos antes do assalto
ao poder pelos bolcheviques.
Quanto
a Dmitri Schostakovitch trata-se de meias verdades, pois é do conhecimento
geral que, tendo composto obras em honra de Lenine, foi dos compositores
soviéticos mais perseguidos pela censura comunista.
Em
1934, quando a sua ópera “Lady Macbeth do Distrito de Mtzenski” estreou em
Leninegrado, tornou-se logo alvo de ataques ferozes da imprensa comunista. Em
28 de janeiro de 1936 o “Pravda”, órgão central do Partido Comunista da União
Soviética, publicou mesmo um artigo com o título “Cacofonia no lugar de
música”.
Mais
tarde, em 1948, o Bureau Político do Partido Comunista fez sair um documento
onde se acusava Schostakovitch, tal como outros compositores soviéticos, de
“formalismo”, “decadência burguesa” e “submissão face ao Ocidente”. As coisas
não ficaram por aqui, pois na época em que a cultura soviética foi dirigida
pelo estalinista Andrei Jdanov, Schostakovitch foi acusado de “falta de
profissionalismo” e viu ser-lhe retirado o grau de professor dos conservatórios
de Moscovo e de Leninegrado.
Em
1948, o grande músico compôs o ciclo vocal “Da poesia popular hebraica”, que
não ousou publicar devido à campanha anti-semita iniciada pelo ditador Estaline
sob a capa da “luta contra o cosmopolitismo”. O seu primeiro concerto para
violino também não foi publicado.
Já
o seu filho, o maestro Maxim Schostakovitch, depois de uma digressão pela
República Federal da Alemanha em 1981, decidiu não regressar à URSS e ir
trabalhar para os Estados Unidos.
Segundo
os organizadores da Festa, “com toda a justeza, havia que referir que, pese a
brutal submissão czarista, o povo russo produziu de há muito soberbas criações
musicais que constituíram a resposta humana do povo e das suas criações mesmo
face à tirania. Dessa criatividade recebeu a Revolução de Outubro um
inestimável património”.
Não
há dúvida que a revolução de outubro recebeu “um inestimável património” no que
respeita à cultura russa e de outros povos, mas muito dele foi destruído e
proibido.
Exemplo
disso são os nomes de alguns realizadores de cinema soviético cujos filmes
serão exibidos nessa comemoração. É de resto do conhecimento geral os grandes
problemas que Serguei Eiseinstein teve com Estaline ao filmar algumas das suas
obras-primas, como, por exemplo, “Ivan, o Terrível”.
Já
o realizador Dziga
Vertov teve um destino ainda mais dramático. O autor daquele que é
considerado um dos documentários mais famosos da história do cinema, “Homem da
Câmara de Filmar” (1929), viu-se impedido de fazer novos documentários depois
de 1946. Os dirigentes do cinema soviético deixaram de aceitar os seus guiões
para novos filmes e, até à sua morte, apenas o autorizaram a realizar e montar
“Crónicas do Dia”, que eram depois exibidas nas salas de cinema antes dos
filmes de ficção.
E
nem sequer Oleksandr
Dovzhenko escapou à censura soviética, embora pedisse consultas e se
correspondesse com o “maior especialista em cinema”, Estaline. O seu filme
“Schors” (1939) foi de resto filmado por ordem de Estaline e sob o
acompanhamento do ditador. Porém, em 1943, Dovzhenko [um ucraniano], escreve o
guião “Ucrânia em chamas”, mas não conseguiu produzir o filme porque o ditador
soviético não gostou.
A
sua última obra, “Adeus, América!”, teve ainda um destino mais complicado.
Baseando-se no livro de Annabelle Bucar, funcionária da Embaixada dos Estados
Unidos em Moscovo e [alegada] agente dos serviços secretos norte-americanos que
decidiu desertar e ficar na URSS, Dovzhenko tentou fazer uma obra de propaganda
soviética, tendo para isso introduzido grandes transformações durante as
filmagens e montagem. Mesmo assim o Kremlin mandou suspender os trabalhos
quando a preparação chegou ao fim e o filme chegou ao espectador apenas em
1995.
A
julgar pelo programa da festa dos comunistas portugueses, fica-se com a
convicção de que o PCP em nada evoluiu e de que essa força política não
compreendeu ainda que os tempos mudaram e as pessoas estão mais informadas. Só
assim se compreende que continue a falsear a História.
Bónus
Como
a URSS financiava o PCP:
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