O
sexo na União Soviética passou por quatro grandes transformações fundamentais, desde
a libertinagem sexual e propaganda de “esposas comuns” entre os bolcheviques da
década de 1920, a castidade gélida estalinista, seguida do “degelo”
do Brezhnev e, finalmente, um boom sexual nos meados da década de 1980.
“Doze
Mandamentos Sexuais do Proletariado Revolucionário”
Após
o golpe bolchevique de outubro de 1917, no “país renovado dos sovietes”, muita
coisa era feita sob o princípio “de qualquer forma, mas não como na época czarista”.
O construtivismo substituiu o eclectismo arquitetónico, os fatos elegantes
deram lugar ao “minimalismo proletário”, e muitos outros aspectos do quotidiano
foram revistos, por exemplo, acreditava-se que não deveriam existir os tabus ou
proibições na vida pessoal, que as mulheres deveriam se tornar quase a “propriedade
pública”.
Na
década de 1920, em Moscovo e em outras grandes cidades da URSS, ainda existiam
diversos bordeis e [a prostituição homossexual masculina era exercida nos
banhos públicos ou praticada entre alta liderança do RKKA e armada soviética, a
mesma foi proibida e punida em termos da lei na Rússia Soviética, no período entre
março de 1934 e
junho de 1993].
Em 1924, a Universidade Comunista Sverdlov [formava quadros comunistas entre 1918 e 1937] publicou o famoso livro “12 mandamentos sexuais do
proletariado”, uma espécie de mandamentos de uma nova fé comunista, que pregava,
por exemplo que “a seleção sexual deve ser construída ao longo da linha da conveniência
revolucionária da classe proletária. Na relação amorosa não devem existir os elementos
de flirt, namoro, coqueteria e outros métodos de conquista sexual especial” (9º
mandamento); [“não devem existir ciúmes” (10º mandamento) ou “não devem existir
as perversões sexuais” (11º mandamento)].
O
texto completo dos mandamentos sexuais soviéticos:
Com
a chegada ao poder do Estaline, a atitude em relação ao sexo começou a mudar radicalmente
– os impulsos “revolucionários” dos bolcheviques da primeira leva foram gradualmente
suprimidos, o tema do sexo desapareceu, quase por completo, do
discurso público. Ninguém escrevia, nem falava abertamente sobre sexo, nos
jornais médicos desapareceram as menções do orgasmo feminino. Em geral, o
nascimento do famoso conceito: “na URSS não há sexo!” (a frase dita num “ponto
televisivo” entre URSS e EUA em 1986), pode ser atribuído ao estalinismo.
“O
sexo é imoral!”
Cena de um filme soviético |
Nas
décadas 1950-1960, as crianças eram frequentemente educadas com a ideia de que
o sexo é algo imoral. Não se falava sobre o sexo em voz alta; as crianças nasciam,
mas o processo de sua concepção era considerado algo “impuro”. Os filmes
soviéticos do realismo socialista não abordavam o tema. Um filme típico sobre as
relações entre dois géneros parecia com isto: o jovem tratorista Ivan vem ter com
a robusta operadora leiteira Masha (ambos vestidos com casacos acolchoados),
eles se passeiam pela aldeia de mãos dados. Ivan toca acordeão e conta à Masha
das realizações dos planos quinquenais, após disso, quase imediatamente, aparece
uma criança, saindo da maternidade toda rosada e com os dentes do bebé de seis
meses.
Naturalmente,
o sexo existia na URSS. Nos apartamentos comunais, na situação de limitação da
vida privada e défice do espaço pessoal, muitas vezes tomava as formas bizarras
– o sexo era praticado nos banheiros ou durante a noite numa cozinha comunal,
atrás da porta fechada. Devido à falta do mais elementar conhecimento da
sexualidade, a União Soviética teve um enorme número de abortos legais e
clandestinos (abortos eram proibidos na URSS entre 1936 e 1955) – de acordo com
os médicos, chegava-se aos 40 abortos por turno, algumas mulheres faziam abortos
à cada 2-3 meses. As relações entre os géneros eram bastante atrasadas
culturalmente, ao estilo “bate é porque ama”, o orgasmo feminino era considerado
como uma opção dispensável, uma mulher deveria “dar” à primeira demanda do “sexo
mais forte”.
Além
do analfabetismo geral e da falta de informação no domínio de sexualidade, a
vida sexual também era dificultada pela quase total ausência de meios de
contracepção. A URSS produzia preservativos, o “produto №2”, da foto em baixo, foi
fabricado em setembro de 1955, mas, na realidade, até os meados da década de 1970, os
preservativos eram um produto raríssimo e absolutamente escasso [a URSS
produzia cerca de 17 preservativos por cada cidadão sexualmente ativo ao ano],
quer nas cidades principais, e em um grau muito maior nas zonas rurais. Os preservativos
estrangeiros eram contrabandeados na URSS, por exemplo, pelos marinheiros da marinha
mercante, mas eram casos raros e representavam uma gota na défice geral dos
contraceptivos.
A
borracha do preservativo soviético era de tal maneira grossa, que era
perfeitamente possível fazer dele uma fisga / estilingue e matar um pardal.
«Tetas – mamas»
Na
época do Brezhnev, nas décadas de 1960-1970, lentamente, aos passos de caracol,
mas a situação começou a mudar para melhor. Sobre o sexo ainda não se falava abertamente,
mas os filmes e programas de TV já deixavam passar as dicas sexuais veladas. Na
URSS, de repente, se lembraram de que uma mulher pode vestir não apenas um
casaco acolchoado e um lenço terrível de mohair, mas também um poncho elegante
e um lindo fato de banho/maiô. Na imprensa tornaram-se bastante admissíveis as fotos,
absolutamente impensáveis na década de 1950:
A
atriz Svetlana Svetlichnaya
se tornou a lenda do cinema soviético, após exibir, na comédia “O Braço de Diamante” (1968),
por um par de segundos, cerca de um terço do seu peito nu [embora sem o mamilo visível].
Não se sabe como este episódio foi aceite pela censura soviética, provavelmente
o realizador (que era um grande mestre nessa matéria) conseguiu provar-lhes que
se tratava de “uma mostra de vida capitalista desenfreada, tão estranha ao
homem comum soviético”.
Enquanto isso, os “homens soviéticos”, literalmente “caçavam”
as fotos da Svetlichnaya e, vezes, sem conta, iam assistir o filme, apenas por
casa do episódio, com a duração ligeiramente superior à um minuto.
Revolução
sexual
Tudo
mudou radicalmente em 1985 após o início de Perestroika. De repente, tornou-se
POSSÍVEL falar e escrever sobre temas que eram banidas e impensáveis ainda ontem,
as pessoas começaram assistir e ler tudo aquilo o que era proibido na URSS por
décadas. Começou aparecer bastante literatura dedicada ao sexo (tanto no samizdat,
quanto de fontes oficiais), na moda entraram as roupas femininas reduzidas e
maquilhagem brilhante – se tornou popular tudo aquilo que havia sido proibido até
então.
A propaganda oficial soviética anti-SIDA/AIDA "SIDA/AIDS não dorme!" |
Na
mesma época começaram as primeiras campanhas de “alfabetização” para eliminar o
analfabetismo sexual, apareceram os meios contraceptivos acessíveis e baratos; as
tais medidas, em grande parte foram tomadas em conexão com a ameaça emergente
da SIDA/AIDS.
Em geral, tornou-se óbvio para todos (incluindo para muita gente no poder) que
é impossível continuar à se desenvolver isoladamente do resto do mundo – no
ambiente do puritanismo soviético, em que o sexo era considerado algo “vergonhoso”,
e a energia sexual dos “camaradas cidadãos” só poderia ser sublimada através da
participação em alguma obra excepcionalmente colossal de “construção socialista”.
Fotos
@GettyImages e Internet | Texto @Maxim
Mirovich e [@Ucrânia em África]
2 comentários:
O FB não deixa compartilhar pois diz que é spam !
Se quiser publicar no FB tem que ser sem nenhuma foto ;-) pode usar este link:
https://www.facebook.com/blogueUinA/posts/1156652517768204
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