Em 1937 engenheiro Roman Shukhevych saiu da cadeia polaca e não conseguia arranjar o emprego, considerado “politicamente hostil” a Polónia. Por isso decidiu criar a sua própria agência publicitária que em apenas dois anos de existência dominou por completo o mercado publicitário da Ucrânia Ocidental.
Agência se chamava “Fama”, palavra latina compreendida pelos polacos e ucranianos. Em 2005 foi publicado o livro de memórias de um dos sócios da agência, engenheiro Bohdan Czakowskyj, chamado “Fama: Agência de Publicidade do Roman Shukhevych” (ISBN 966846110X). A edição se esgotou rapidamente, hoje publicamos a tradução portuguesa dos trechos mais interessantes do livro.
Os segredos de negócio
Houve uma pessoa graduada pela escola comercial polaca que queria organizar a sua própria agência de publicidade. Para neutraliza-lo, “Fama” o contratou por três meses, pagando o salário fabuloso de 700 zloty mensais (o salário médio na indústria em 1935 na Polónia era de 95 zloty). O seu contracto de trabalho dizia que após a saída da “Fama”, ele não poderia abrir a sua própria agência. O homem da Varsóvia “comeu” todo o capital da “Fama”, não ajudou a empresa em nada (por não saber mais do que os sócios ucranianos) e foi civilizadamente despedido no fim do contracto.
Como vencer o cliché que “ucranianos não são talhados para o negócio”
|
Roman Shukhevych e a sua esposa Natalia |
A “Fama” começou receber os anúncios publicitários. O jornal ucraniano Dilo concordou em oferecer 75% do desconto na publicação dos anúncios. O jornal do partido ucraniano legal, a Frente da Unidade Nacional (FNE), ofereceu 80% ou 85% do desconto. Ivan Tyktor, o presidente da “Imprensa ucraniana”, a maior casa editorial da Galiza ucraniana dos anos 1930 no início não quis falar com agência. Ele dizia que já tive ocasião de perceber que os ucranianos não são talhados para negócio e não vale a pena negociar com eles. Meio ano mais tarde, ele próprio ligou para “Fama” e avaliando o trabalho da agência ofereceu 65% do desconto na publicação da publicidade nos seus jornais.
Agência oferecia o desconto de 50% na publicação em todos os jornais das poderosas cooperativas ucranianas União Central e Maslosojuz, ganhando a margem variável nos diferentes jornais ucranianos.
Mais tarde, “Fama” batia quase diariamente as portas das várias empresas comerciais, “Prazin”, cigarros “Kalyna”, tentando conseguir os anúncios. Várias empresas ucranianas encomendaram-lhe a sua publicidade, principalmente “Elegant” (creme para sapatos), “Nova Fortuna”, entre outros. “Fama” produzia os anúncios gráficos, criava os slogans publicitários. Mais tarde, as empresas confiavam de tal maneira na “Fama” que nem verificavam o produto final da agência.
Erótica – motor da publicidade
|
Publicidade da "Fama" |
A “Fama” criava os anúncios onde por vezes usava algum sentido erótico. Por exemplo, em um dos anúncios, a menina desenhada mostrava o joelho, algo que chocava a sociedade ucraniana bastante conservadora. Alguns até reclamavam: “Para que vocês mostram o joelhos? Isso é indecente!”
Para ter os modelos a copiar Roman Shukhevych e Bohdan Czakowskyj iam a livraria na rua Kopernikowa em Lviv, que vendia a literatura estrangeira. Lá trabalhava uma jovem mulher judia, trintona, morena, muito bonita. Ela lhes arranjava as revistas eróticas francesas com as modelos nus e semi-nus. As revistas com modelos semi-nus eram mais caras. A vendedora dizia que eles são uns putos e não entendem que quando a modelo esteja ligeiramente tapada, fica muito espaço para a imaginação. Quanto vemos a nudez integral, não ficava nada para imaginar.
Contabilidade paralela para OUN
A agência possuía duas contabilidades: uma oficial para os impostos, outra “debaixo da mesa”, para ajudar a OUN. Geralmente, OUN recebia 100 zloty de cada vez, os colectava a irmã do activista Vasyl Bilas, enforcado pelos polacos e levava o dinheiro para a resistência ucraniana.
A “Fama” crescia rapidamente, cada dois – três meses abria novos departamentos: decoração de montras, publicidade, anúncios, impressão, feiras e decoração nos leilões. Os funcionários eram ex-prisioneiros políticos ucranianos que não conseguiam arranjar o emprego nas instituições polacas. Ao mesmo tempo, eram patriotas, intelectuais e bons trabalhadores.
Da publicidade aos projectos editoriais
O recém–criado departamento de decoração de montras trabalhava quase exclusivamente para as lojas da União Central e Maslosojuz, que mudavam as suas montras quarto vez por ano. “Fama” usava as tintas spray e padrões pré – fabricadas, por isso conseguia fazer rapidamente várias decorações absolutamente idênticas. Agência encomendava aos artistas e depois produzia cartões postais de Natal, Páscoa e oferecia os aos seus clientes. Decoravam as montras das lojas da União Central e Maslosojuz nas vésperas dos grandes feriados, em Lviv, Stanislaviv (hoje Ivano – Frankivsk), Ternopil, Striy. Mais tarde começaram produzir os cartazes das reuniões e eventos solenes.
Espionagem industrial
A “Fama” possuía um serviço de inteligência bem estruturado. As operadoras das estações telefónicas avisavam a agência sempre quando o director da União Central queria falar com um outro director sobre as questões políticas, comerciais ou contra a “Fama”. A operadora fazia uma ligação paralela e avisava “Atenção”. Ai o engenheiro Czakowskyj ficava quieto escutando a conversa.
Crescimento no estrangeiro e a rede da OUN
A “Fama” começou a crescer, tinha representações em Varsóvia e Cracóvia, publicando os anúncios nos jornais polacos, como Ilustrowany Kurier Codziennye, lançavam a publicidade na Alemanha e Hungria. Mais tarde a agência apostou em criação da rede das representações onde eram empregados os quadros do OUN que estavam no desemprego, discriminados pelos polacos. Assim a “Fama” começou ter as representações em todos os distritos, acabando de vez com a proibição polaca de ter as empresas ucranianas na Volyn.
Publicidade nas cinemas: a guerra comercial com os polacos
Com o tempo, a agência começou fazer a publicidade nos cinemas, também publicitava as salas de cinema pequenas. Os cinemas na época estavam bastante vazios pois eram demasiadamente caros para os ucranianos. Por isso “Fama” propôs as directores dos cinemas um negócio: eles aceitavam os cupões de desconto com o carimbo da “Fama” e agência angariava os clientes. Assim os bilhetes ucranianos custavam 49 dinheiros e os bilhetes polacos 90 dinheiros. Mais tarde, até os cinemas grandes cooperavam com a “Fama”, por sua vez a agência ganhava o dinheiro na venda dos bilhetes, colocando a sua publicidade antes das secções cinematográficas.
Os reis das RP
A “Fama” introduziu os light-box publicitários na Galiza, que colocava nas paragens dos eléctricos para publicitar os produtos ucranianos. Por vezes a agência criava as histórias que passava para imprensa polaca e judaica, avisando, por exemplo, que às 10h00 uma mulher iria se suicidar saltando do telhado do hotel “George”. Na hora anunciada os funcionários da “Fama” atiravam uma boneca com a publicidade.
Lição do patriotismo do judeu ucraniano
Uma vez a União Central encomendou vários cartazes, que eram muito rapidamente e eficientemente desenhados por um funcionário judeu, mas que tinha o aspecto bastante assustador: alto, magro, escuro, que trabalhava no escritório nos traseiros. O director da União Central, Yulian Sheparovych insistiu ver a preparação da sua encomenda. Viu o judeu e exclamou: “Um judeu trabalha aqui?” Roman Shukhevych não teve tempo de responder, quando o judeu se virou para Sheparovych e disse: “Meu nome é Levko Berlim e sou da religião do Moisés. Mas nasci na Ucrânia e me considero ucraniano!” Virou as costas e continuou a desenhar. Sheparovych apenas disse: “Assim eu recebi a lição do patriotismo!”
O directório das empresas ucranianas
A “Fama” decidiu criar o seu próprio Directório dos empresários ucranianos do ramo comercial, industrial e artesanal. Os representantes da agência iam de casa à casa, do costureiro ao homem do talho, se o empresário era ucraniano o seu anúncio era publicado gratuitamente, mas se ele queria um anúncio especial, pagava 10 zloty, 5 zloty recebia o colector do anúncio. O Directório que deveria ser impresso em Outubro – Novembro de 1939 iria dar cerca de 35.000 zloty de lucro. A agência “Fama” até conseguiu ser a representante oficial do fabricante alemão de electrodomésticos “Daimon” (mais tarde absorvido pelo Duracel).
Fabricação própria dos refrescos
Na cidade de Sianok funcionava a empresa judaica que fabricava os refrescos. Através do contacto privilegiado “Fama” soube que aquela empresa simplesmente comprava os sabores artificiais e colorantes alimentícios na empresa Szymelcompany, diluía os em casa e vendia como se fosse uma produção sua. A agência contactou o representante do Szymelcompany em Lviv e acordou que iria comprar os mesmos sabores e colorantes directamente ao produtor. Assim nasceu a empresa afiliada – “Chayka” (Gaivota), que deveria se dedicar à produção dos refrescos. O desenvolvimento da fábrica dos refrescos exigia o transporte próprio. No início, os funcionários usavam as bicicletas, depois foram comprados dois motociclos, mas por causa da necessidade de transportar os painéis publicitários, “Fama” planeava abrir o seu próprio departamento de transporte.
O final da agência...
Nas vésperas do Natal católico de 1938 Roman Shukhevych deixou temporariamente a “Fama” e viajou até Transcarpátia para ajudar na criação de Carpatska Sich, o exército ucraniano local. Em Março de 1939 os húngaros ocuparam militarmente Ucrânia dos Cárpatos, em Setembro os nazis e soviéticos dividiram entre si os territórios da Polónia. Assim todos os territórios ucranianos foram ocupados pelos invasores húngaros, alemães e soviéticos. Desde a chegada dos soviéticos à Galiza em Setembro de 1939, Roman Shukhevych deixa a carreira empresarial e passa para a clandestinidade.
Fonte:
http://kryjivka.com/presa/212.htm
Ler o livro em PDF, 104 páginas, editora “Mc”, Lviv, 2005:
http://cdvr.org.ua/sites/default/files/archive/Fama.pdf