sábado, julho 30, 2011

O camarada Ozzy Osbourne


Estas memórias são o meu contributo ao 20° aniversário do desmantelamento da União Soviética.

Era um tempo posterior ao início da Perestroica, mas os professores da escola ainda chateavam os rapazes por causa do cabelo comprido ou as meninas por causa do verniz nas unhas ou da maquilhagem “excessiva”.

Um dia estávamos no nosso habitual “deboche” estudantil, chateando a professora, uma querida com quem me relaciono ainda hoje, quando apareceu a Chefe do Departamento do Ensino, posto conhecido pela sigla de “ZavUCh”. Zavuch era uma figura respeitada pelos alunos, pois tinha o poder real de expulsar o estudante da escola e se o aluno não era um marginal que sonhava com este “castigo” (e não era o nosso caso), ele temia contraria-la. Na maioria dos casos zavuch era uma professora quarentona ou cinquentona, autoritária, com voz sonante e muita energia.

A zavuch que, salvo erro leccionava física, imediatamente “partiu por cima” do rapaz que era o líder não oficial da nossa turma. Com boas notas, mas também bastante malandro, era filho e neto do pessoal ligado ao cinema ucraniano. No casaco do seu fardamento escolar, de cor castanha suja (odiávamos aquele fardamento), estavam dois distintivos metálicos: um tinha a cara do Vladimir Ulyanov e outro do Ozzy Osbourne.

O que é isso?!! – perguntava zavuch no tom medianamente ameaçador.
Isso é o camarada Vladimir Ilyich Lenine, o fundador do partido comunista da União Soviética, dizia o rapaz pausadamente. (Pausa). E isso é o camarada Ozzy Osbourne, o fundador do partido comunista do Reino Unido.

Zavuch não fez nenhuma outra pergunta...

Sensivelmente no mesmo ano tínhamos chegado à idade de treze anos e picos, a idade em que o jovem cidadão soviético passava da condição de pioneiro (“Pioneiro é o exemplo para todas as crianças!” como dizia o slogan), para a condição do membro da juventude comunista, o Komsomol. Vivíamos na época em que já quase ninguém acreditava nos discursos pronunciados publicamente, por isso a chefe do Komsomol de escola, responsável pelo “recrutamento”, não perdia o tempo com as ideologias.

— Sabem, ser membro do Komsomol vai vós ajudar na entrada da Universidade, pois apenas nos poderemos vós emitir a característica escrita. Sabem, não vale a pena resistir a minha proposta, pois de qualquer maneira, no exército todos os rapazes serão forçados a entrar na organização...

E por ai fora, pois se ela não conseguiria nós convencer, não progrediria na sua carreira no PCUS, não iria para os seminários fora da nossa cidade, não faria as visitas aos camaradas dos países socialistas e nunca passaria da carreira medíocre de burocrata no  departamento de educação local. Como eu era jovem e inconformista, naquela tarde fiz um pequeno show da retórica anti-comunista que resultou no facto do que na nossa turma de uns 26 alunos, Komsomol consegui alistar apenas uma única menina. Em termos de comparação, na turma paralela onde a maioria dos alunos eram “betinhos”, a mesma moça “recrutou” 17 alminhas...

Uns anos antes, uma outra zavuch, a professora da história e militante do PCUS, que aparentava ter a fé mais ou menos genuína nas ideias comunistas, decidiu “desmistificar” o breakdance. Dado que ninguém na nossa escola dançava essa dança “decadente” acho que agiu simplesmente em conformidade com alguma directiva ideológica do comité do PCUS da cidade ou mesmo do comité republicano.

— Sabem, vocês devem pensar que breakdance vem do Ocidente, mas isso não é verdade. Na realidade, a dança vem da África, dos povos primitivos que habitam lá. Por isso vão pensando que dançando break vocês se aproximam ao Ocidente, aos valores superiores, muito pelo contrário, vocês se assemelham aos primatas, que fazem este tipo de movimentos primários...

Não éramos os putos particularmente politicamente correctos, mas também não éramos xenófobos, gostávamos da Boney M e escutávamos as canções do Michael Jackson. Mesmo sem saber ainda que a sua “moon walk” não era uma espécie do breakdance. Lembro que fiquei perplexo, pois durante uma década da minha vida escolar aprendia que o PCUS é a vanguarda da humanidade e URSS é o território livre de racismo e da discriminação racial. E de repente uma proeminente representante do PCUS opta por um discurso claramente vexatório e pejorativo. E porque? Eu francamente não sabia, nem imaginava onde naquele exacto momento andava a tão propalada “amizade dos povos”...

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