No
momento em que o COI proibiu a participação da seleção russa nos JO-2018 de Pyeongchang,
devido à criação e existência do programa do doping estatal, importa investigar
as raízes do doping soviético, a base do atual doping russo. Desde a época pós-II G.M., os desportistas soviéticos usavam doping: o regime comunista apresentava
as suas vitórias desportivas como “evidências científicas” da superioridade do
socialismo real soviético.
No
entanto, as vitórias desportivas soviéticas também serviam para a propaganda interna,
dando às pessoas temas de conversas e de orgulho bacoco: em vez de pensar sobre
a falta do papel
higiénico ou alimentos mais básicos, o cidadão soviético podia se orgulhar
dos feitios desportivos do país. Naturalmente, neste processo ninguém se preocupava
com a saúde ou bem-estar dos desportistas, as vitórias eram exigidas “custe o
que custar”. Depois da sua saída da ribalta, as antigas estrelas caiam na bebida,
esquecimento e marginalidade, na década de 1990 eles também entraram, em força,
no sub-mundo do crime organizado.
A
metandienona é uma droga bastante antiga, foi desenvolvida nos anos 1950, mas é
usada até hoje com sucesso. Pertence ao grupo dos esteróides anabolizantes e é
usada principalmente por aqueles que fazem desportos pesados, como levantamento
de peso ou lançamento do disco – proporciona um aumento rápido dos músculos e
aumento a força em 5 vezes, devido ao aumento da testosterona no corpo do
atleta. A droga, conhecida simplesmente como “metano” é muito perigosa e tóxica
– envenena o fígado, organiza a retenção de água no corpo, aumenta a pressão
arterial.
A
metandienona foi usada em massa na Europa na década de 1960, fabricada pela alemã
Bayer e pela húngara Gedeon Richter, que produzia “metano” sob o nome de
Nerobol. Este Nerobol húngaro foi fornecido principalmente à URSS – adquirido em
grandes frascos de 500 comprimidos cada e distribuído aos atletas à uma taxa de
dois comprimidos por dia, em larga escala após as Olimpíadas do México de 1968.
A droga era distribuída juntamente com vitaminas, e muitas vezes os atletas soviéticos
nem sabiam o que estavam consumindo.
Na
época havia pouquíssimos testes de doping, havia poucos laboratórios, o
controlo de doping era realizado somente em competições importantes, era muito seletivo,
a verificação repentina seria considerada como uma “provocação política”. Uma
verificação deste tipo aconteceu em Paris em 1984 - a “lenda do atletismo
soviético” Tatyana Kazankina
foi inesperadamente convidada para um
teste de doping, não compareceu, o que, de acordo com os regulamentos da IAAF
foi considerado um “resultado positivo de doping”, que valeu lhe a suspensão de
dois anos e ditou o seu abandono do desporto da alta competição.
Tatyana Kazankina (na primeira foto de vermelho e na foto em baixo no centro):
Naquele
mesmo 1984, no final do outono, foi cancelada a participação das corredoras
soviéticas (líderes absolutos e recordistas mundiais) ao campeonato nos EUA [sem
relação ao boicote soviético dos JO-1984 em Los Angeles]. Depois disso, todos os atletas soviéticos passavam
pelo controlo antidoping das autoridades soviéticas. Se controlo detetava a droga,
o atleta faltava à competição sob o pretexto de uma lesão, exames no instituto,
a doença de algum familiar, o sistema de encobrimento funcionava sem problemas.
Ler mais sobre o doping soviético |
No
final dos anos 1980, surgiram as tecnologias da detecção dos resíduos de metano
no sangue de longa duração, e a droga deixo de ser usados massivamente no
treino pré-competitivo, mudando para as substâncias mais “discretas”.
Eritropoietina e ecstasy
Nos
anos oitenta, com aparecimento do maior número de testes de doping e inspecções
surpresa, os treinadores e atletas começaram a procurar outros meios para a “tonificação”.
Alias, muitas vezes os atletas soviéticos não procuravam nada, falsamente “amadores”,
faziam o que os treinadores e comités desportivos mandavam à fazer, sem fazer
as perguntas e muitas vezes nem sequer saber o que consomem.
Eritropoietina
surgiu em 1983 – uma hormona que estimula a produção de células vermelhas do
sangue a partir das células progenitoras finais, e aumenta o rendimento de
reticulócitos de medula óssea, dependendo do consumo de oxigénio. Simplificando:
é uma cópia do hormona do rim, aumenta a quantidade de hemoglobina no sangue e
melhora significativamente a resistência. Eritropoietina praticamente copiava o
hormona natural, e era muito difícil de ser detetado, pelo menos até o início
da década de 2000, se usava na União Soviética após o aparecimento da testagem
efetiva contra o uso da “metano”.
Ler mais sobre o doping russo |
Além
dos hormonas e anabolizantes, aos atletas soviéticos muitas vezes era dado todo
o tipo drogas como ecstasy e efedrina. Ambas apareceram em finais dos anos 1970
e imediatamente entraram no desporto – reduziram a fadiga durante o exercício e
aumentavam a resistência, mas com enormes efeitos colaterais – danificavam o
sistema nervoso, resultando em cansaço, letargia e depressão, e em perspetiva
levavam à destruição e senilidade precoce do organismo, algo que os treinadores
não explicavam aos atletas.
Nos
Jogos Olímpicos de 1976, em Innsbruck, no organismo da esquiadora soviética Galina Kulakova foi
encontrado efedrina – mas ela foi banida apenas numa única corrida, dado que
foi dado como provado que ela ingeriu a efedrina num spray nasal, e a própria atleta
podia não saber disso.
Galina
Kulakova:
A felicidade de não
saber
Possivelmente
Galina Kulakova realmente não sabia o que ela estava injetar no corpo, assim
como muitos atletas soviéticos usavam “metano”, pensando que estavam tomando simples
vitaminas. Houve casos em que os atletas soviéticos concordaram em fazer o
teste de doping, tendo certeza de que eles estavam “limpos” – e eram apanhados.
E às vezes os atletas soviéticos simplesmente recebiam a ordem de não fazer
testes de doping, sem explicar os motivos, como aconteceu no caso de Tatyana
Kazankina, de quem falamos anteriormente.
Afinal,
na URSS, os atletas poderiam simplesmente serem usados, “as cegas”, para
demonstrar altas realizações do desporto soviético, e os próprios atletas nem
sequer suspeitariam do uso de doping? Não será de ficar surpreso se isso fosse
verdade – a URSS sempre quis parecer uma “superpotência”, usando as pessoas
comuns para esse fim, nos seus próprios interesses políticos e propagandistas.
Fotos:
GettyImages | Texto: Maxim Mirovich
Blogueiro: existem duas diferenças fundamentais entre o
doping nos países comunistas e os restantes países do mundo. Nos países
comunistas os atletas praticamente não podiam escolher usar ou não usar o
doping, a recusa automaticamente significava a sua exclusão da modalidade. E
depois, a questão financeira. Nos países comunistas os atletas recebiam 10% ou
menos dos prémios que tinham ganho, com o resto ficava o Estado. Nos países
capitalistas os desportistas tinham toda a possibilidade de amealhar algum
capital e abrir algum pequeno negócio: a loja, o café, o ginásio. E nada disso
era possível ou permitido nos países comunistas...
Sem comentários:
Enviar um comentário