sábado, dezembro 16, 2017

Contos mágicos, roubados e plagiados pela União Soviética

Durante décadas a URSS foi o campeão de plágio, roubando no Ocidente tudo o que chegava às suas mãos, desde bomba atómica às calculadoras, desde viaturas aos eletrodomésticos. Os escritores soviéticos também estavam bem ativos no campo de plágio literário, área, que nem sequer necessitava de investimentos e apenas exigia talento e imaginação.  

Na União Soviética não existia a legislação moderna dos direitos de autor e o país aderiu à Convenção Universal dos Direitos de Autor apenas em fevereiro de 1973. Por sua vez a “cortina de ferro” separava os cidadãos soviéticos do resto da cultura mundial, fazendo com que os plagiadores sentiam-se protegidos. Os seus leitores simplesmente não tinham como comparar os originais ocidentais com as cópias soviéticas.

Além disso, os plagiadores soviéticos, geralmente não conseguiram produzir nada semelhante às “suas” obras realmente talentosas, copiadas dos autores ocidentais. Fora dos plágios eles escreviam as obras propagandistas ignoradas e esquecidas no momento da sua publicação, mostrando o verdadeiro nível intelectual e criativo destes autores.

1. «As Aventuras de Pinóquio» (1881-83) e «Chavinho de ouro» (1935)
Pinóquio ocidental e Buratino soviético
Em 1881-83, o jornalista e escritor italiano Carlo Collodi publica o seu livro «As Aventuras de Pinóquio». Cinquenta anos depois a história é plagiada pelo escritor soviético Alexey Tolstói (não confundir com escritor russo Lev Tolstoy, autor da “Guerra e Paz”, os autores nem sequer são parentes).  

No conto mágico do Collodi, um velho carpinteiro chamado Antonio (que se torna um realejeiro Carlo na versão do Tolstói) encontra um pedaço de madeira que pretende usar para fazer a perna da mesa, mas a madeira reclama de dor e cócegas. Antonio é visitado pelo seu amigo Gepetto (Giuseppe de Tolstói), que lhe aconselha à fazer um boneco de madeira.

Ambos os contos possuem personagens idênticos: o grilo sábio, a menina com cabelos azure (Malvina), poodle/caniche Medoro (Artemon), ladrões Gato e Raposa, o proprietário do teatro de marionetes Mangiafuoco (Carabas Barabas). Tolstói copiou, por inteiro, diversos episódios originais, criados pelo Collodi.

O livro «As Aventuras de Pinóquio» foi publicado em russo em 1895, 1906, 1908, 1914 e 1924. Esta última edição foi redigida pelo próprio Alexey Tolstoy, que usando a sua proximidade ao poder soviético, consegui a proibição da publicação do «Pinóquio» na URSS (a próxima edição soviética saiu apenas em 1959, já após a morte do Tolstói em 1945).

2. «Mágico de Oz / Feiticeiro de Oz» (1900) e «Feiticeiro da cidade das Esmeraldas» (1939)
O matemático e escritor soviético Alexander Volkov “escreveu” o seu livro “Cidade das Esmeraldas” (1939) / “Feiticeiro da cidade das Esmeraldas” (1941), copiando, praticamente na totalidade o “Feiticeiro de Oz”, a obra do americano Lyman Frank Baum, escrita em 1900. 
 
Nem na revista juvenil soviética “Pioner” (Pioneiro) em 1939, nem no livro, publicado em 1941, alguma vez se menciona a autoria do universo Oz. Apenas em 1959, na 2ª edição da obra soviética, no prefácio é mencionado, “de raspão”, o autor do original americano. 
Mas Volkov não parou por ai, continuando plagiar a obra do Baum. Assim, a segunda parte da saga do Baum “A maravilhosa terra de Oz” (1904), foi plagiada pelo autor soviético em “Urfin Juice e os seus soldados de madeira” (1963).    

Além do universo plagiado da terra de Oz, Volkov é autor de versos, baladas, canções e peças radiofónicas, dedicadas aos jovens soviéticos na II G.M., todas essas obras foram totalmente esquecidas.     

3. The Brownies (1883), «Reino dos Pequeninos» (1889) e «Aventuras de Neznaika» (1954)
Na década de 1880, o autor e ilustrador canadense Palmer Cox criou o universo das pequenas criaturas brownie (duendes) que viviam nos bosques e estavam em constante procura de aventuras. A obra do Cox, cuja parte textual era considerada bastante “crua”, foi adaptada ao russo pela escritora Anna Hvolson (1868-1931), que recriou duas personagens infantis: Murzilka (Sujinho) e Neznaika (Dunno / Naosabinho).    
Em 1952 o escritor russo Nikolay Nosov contou ao escritor e editor ucraniano Bohdan Chaliy (1924-2008) a sua ideia de escrever o livro infantil “Neznaika”, baseado na obra de Anna Hvolson “Reino dos Pequeninos”, publicada originalmente em 1889 (com reedições em 1898, 1902, 1915 e 1991).
Murzilka ocidental (snobe à esquerda na sua versão russa) e soviético (com pés na mesa à direita)
Bohdan Chaliy achou a ideia interessante e a obra do Nosov, “As aventuras de Neznaika e os seus companheiros”, foi publicada em 1953-1954 na revista infantil ucraniana “Barvinok”, em russo e ucraniano.
"O novo Murzilka", desenhos de Palmer Cox, edição russa de 1913
Palmer Cox (a ideia de personagem) e Anna Hvolson (o nome russo) foram criadores de uma outra personagem infantil: Murzilka. Naturalmente, Murzilka soviético do Nosov (pioneiro, jornalista e fotógrafo) difere do seu original Chollie Boutonnière (do Cox). Na obra original, Chollie é um snobe extravagante que usa o boné do cilindro, se comunica um tanto com desinteresse com outros personagens do livro e tenta não sujar as suas luvas brancas.
Os pequenotes do Nosov (1954)
De qualquer maneira, é de notar que Nosov conseguiu criar uma obra inteiramente original – de facto, ele “levou de empréstimo” apenas os nomes dos heróis e algumas cenas de enredo.

04. «The Brass Bottle» (1900) e «Velhote Hottabych» (1938)
Um exemplo de “plágio soft” da obra do novelista e jornalista britânico Thomas Anstey Guthrie (que escrevia sob pseudónimo F. Anstey), foi feito pelo autor e propagandista soviético Lazar Lagin. 

No livro “The Brass Bottle” (A garrafa de latão) um certo jovem encontra um velho jarro de cobre e libera o génio, que não está familiarizado com as realidades da vida moderna após mil anos de sua prisão. O génio Fakrash, tentando beneficiar o seu libertador, faz muitas coisas curiosas que apenas criam problemas ao libertador...

Lazar Lagin situa o enredo na União Soviética, introduzindo o componente ideológico – o pioneiro Volka não aceita as ofertas do génio por causa do seu “desprezo pela propriedade privada” e constantemente fala sobre as vantagens da vida na URSS. Os finais dos dois livros são diferentes – no original Fakrash volta à sua garrafa e Hottabych fica à viver na URSS, pretendendo trabalhar no circo.
Ler mais sobre a luta contra "cosmopolitismo" na URSS
Na edição de 1953 no auge da luta contra “cosmopolitismo” (em que próprio Lagin participou de uma forma tristemente ativa), no livro foram acrescentadas algumas passagens bastante agressivas antiamericanas e antibritânicas. Dois anos depois, essas passagens foram removidas da nova edição, mas apareceram outras emendas – os heróis voaram, no tapete voador, ao território sob poder dos capitalistas e imediatamente começaram a sofrer lá, de uma forma insuportavel)

O autor do livro alegadamente não mexeu no seu texto original, os “melhoramentos” foram feitos pelos camaradas anónimos.

05. «Doctor Dolittle» (1920) e «Doctor Aybolit» (versos em 1929 | em prosa 1936)
O escritor britânico Hugh Lofting escreveu o seu «Doctor Dolittle» nas trincheiras da I G.M., como uma alternativa bondosa à terrível realidade daquela época. O seu herói, Dr. John Dolittle (do inglês do-little, “faça pequenas [coisas]”), vive numa cidade imaginária, cura os animais e sabe falar as suas línguas. Os seus amigos são porquinho  Gub-Gub, cão Jip, pato Dab-Dab, macaquinho Chee-Chee, coruja Too-Too, a Pushmi-pullyu (Puxa-empurra, uma mistura entre gazela e unicórnio) e um ratinho branco chamado simplesmente Branquinho.     

Mais tarde, Doolittle viaja para a África para ajudar os macacos doentes, o seu navio é naufragado, e ele próprio é capturado pelo rei da Jolliginki, passando pelas muitas aventuras, mas no final salva os animais doentes da epidemia.

Praticamente na sua totalidade a obra foi plagiada pelo escritor soviético Kornei Chukóvski que, por sua vez, afirmava que tinha baseado a sua obra na vida do Zemach Shabad, médico, ativista político e maçon lituano de origem judaica.
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Como se pode ver, até mesmo as histórias mágicas de diversos livros infantis soviéticos foram, no mínimo “levados de empréstimo”. Com tal, destaca-se o acto honesto do escritor e tradutor soviético Boris Zakhoder – ele re-contou às crianças soviéticas as histórias do Ursinho Pooh (Winnie-the-Pooh), indicando claramente o autor da obra – Alan Alexander Milne (A. A. Miln).
A primeira edição soviética do "Ursinho Pooh e todos os outros", 1960 | foto RIAN
Imagens @Internet | Texto Maxim Mirovich

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