Durante
décadas a URSS foi o campeão de plágio, roubando no Ocidente tudo o que chegava
às suas mãos, desde bomba atómica às calculadoras, desde viaturas aos
eletrodomésticos. Os escritores soviéticos também estavam bem ativos no campo
de plágio literário, área, que nem sequer necessitava de investimentos e apenas
exigia talento e imaginação.
Na
União Soviética não existia a legislação moderna dos direitos de autor e o país
aderiu à Convenção Universal dos Direitos de Autor apenas em fevereiro de 1973.
Por sua vez a “cortina de ferro” separava os cidadãos soviéticos do resto da
cultura mundial, fazendo com que os plagiadores sentiam-se protegidos. Os seus
leitores simplesmente não tinham como comparar os originais ocidentais com as cópias
soviéticas.
Além
disso, os plagiadores soviéticos, geralmente não conseguiram produzir nada
semelhante às “suas” obras realmente talentosas, copiadas dos autores ocidentais.
Fora dos plágios eles escreviam as obras propagandistas ignoradas e esquecidas
no momento da sua publicação, mostrando o verdadeiro nível intelectual e
criativo destes autores.
1.
«As Aventuras
de Pinóquio» (1881-83) e «Chavinho de ouro» (1935)
Pinóquio ocidental e Buratino soviético |
Em
1881-83, o jornalista e escritor italiano Carlo Collodi publica o
seu livro «As Aventuras de Pinóquio». Cinquenta anos depois a história é plagiada
pelo escritor soviético Alexey Tolstói (não confundir com escritor russo Lev
Tolstoy, autor da “Guerra e Paz”, os autores nem sequer são parentes).
No
conto mágico do Collodi, um velho carpinteiro chamado Antonio (que se torna um realejeiro
Carlo na versão do Tolstói) encontra um pedaço de madeira que pretende usar
para fazer a perna da mesa, mas a madeira reclama de dor e cócegas. Antonio é
visitado pelo seu amigo Gepetto (Giuseppe de Tolstói), que lhe aconselha à
fazer um boneco de madeira.
Ambos
os contos possuem personagens idênticos: o grilo sábio, a menina com cabelos azure
(Malvina), poodle/caniche Medoro (Artemon), ladrões Gato e Raposa, o proprietário
do teatro de marionetes Mangiafuoco (Carabas Barabas). Tolstói copiou, por
inteiro, diversos episódios originais, criados pelo Collodi.
O
livro «As Aventuras de Pinóquio» foi publicado em russo em 1895, 1906, 1908,
1914 e 1924. Esta última edição foi redigida pelo próprio Alexey Tolstoy, que
usando a sua proximidade ao poder soviético, consegui a proibição da publicação
do «Pinóquio» na URSS (a próxima edição soviética saiu apenas em 1959, já após
a morte do Tolstói em 1945).
O
matemático e escritor soviético Alexander Volkov “escreveu” o seu livro “Cidade
das Esmeraldas” (1939) / “Feiticeiro da cidade das Esmeraldas” (1941), copiando, praticamente na totalidade o “Feiticeiro de Oz”, a obra do americano Lyman Frank Baum,
escrita em 1900.
Nem
na revista juvenil soviética “Pioner” (Pioneiro) em 1939, nem no livro, publicado
em 1941, alguma vez se menciona a autoria do universo Oz. Apenas em 1959, na 2ª
edição da obra soviética, no prefácio é mencionado, “de raspão”, o autor do
original americano.
Mas
Volkov não parou por ai, continuando plagiar a obra do Baum. Assim, a segunda
parte da saga do Baum “A maravilhosa terra de Oz” (1904), foi plagiada pelo
autor soviético em “Urfin Juice e os seus soldados de madeira” (1963).
Além
do universo plagiado da terra de Oz, Volkov é autor de versos, baladas, canções
e peças radiofónicas, dedicadas aos jovens soviéticos na II G.M., todas essas
obras foram totalmente esquecidas.
3. The Brownies
(1883), «Reino dos Pequeninos» (1889) e «Aventuras de Neznaika» (1954)
Na
década de 1880, o autor e ilustrador canadense Palmer Cox criou o universo
das pequenas criaturas brownie (duendes) que
viviam nos bosques e estavam em constante procura de aventuras. A obra do Cox,
cuja parte textual era considerada bastante “crua”, foi adaptada ao russo pela
escritora Anna Hvolson (1868-1931), que recriou duas personagens infantis:
Murzilka (Sujinho) e Neznaika (Dunno
/ Naosabinho).
Em
1952 o escritor russo Nikolay
Nosov contou ao escritor e editor ucraniano Bohdan Chaliy (1924-2008) a sua
ideia de escrever o livro infantil “Neznaika”, baseado na obra de Anna Hvolson
“Reino dos Pequeninos”, publicada originalmente em 1889 (com reedições em 1898,
1902, 1915 e 1991).
Murzilka ocidental (snobe à esquerda na sua versão russa) e soviético (com pés na mesa à direita) |
Bohdan
Chaliy achou a ideia interessante e a obra do Nosov, “As aventuras de Neznaika
e os seus companheiros”, foi publicada em 1953-1954 na revista infantil
ucraniana “Barvinok”, em russo e ucraniano.
"O novo Murzilka", desenhos de Palmer Cox, edição russa de 1913 |
Palmer
Cox (a ideia de personagem) e Anna Hvolson (o nome russo) foram criadores de
uma outra personagem infantil: Murzilka. Naturalmente, Murzilka soviético do
Nosov (pioneiro, jornalista e fotógrafo) difere do seu original Chollie
Boutonnière (do Cox). Na obra original, Chollie é um snobe extravagante que usa
o boné do cilindro, se comunica um tanto com desinteresse com outros
personagens do livro e tenta não sujar as suas luvas brancas.
Os pequenotes do Nosov (1954) |
De
qualquer maneira, é de notar que Nosov conseguiu criar uma obra inteiramente original
– de facto, ele “levou de empréstimo” apenas os nomes dos heróis e algumas
cenas de enredo.
04. «The Brass Bottle»
(1900) e «Velhote Hottabych» (1938)
Um
exemplo de “plágio soft” da obra do novelista e jornalista britânico Thomas Anstey Guthrie
(que escrevia sob pseudónimo F. Anstey), foi feito pelo autor e propagandista
soviético Lazar Lagin.
No
livro “The Brass Bottle” (A garrafa de latão) um certo jovem encontra um velho
jarro de cobre e libera o génio, que não está familiarizado com as realidades
da vida moderna após mil anos de sua prisão. O génio Fakrash, tentando beneficiar
o seu libertador, faz muitas coisas curiosas que apenas criam problemas ao libertador...
Lazar
Lagin situa o enredo na União Soviética, introduzindo o componente ideológico –
o pioneiro Volka não aceita as ofertas do génio por causa do seu “desprezo pela
propriedade privada” e constantemente fala sobre as vantagens da vida na URSS. Os
finais dos dois livros são diferentes – no original Fakrash volta à sua garrafa
e Hottabych fica à viver na URSS, pretendendo trabalhar no circo.
Ler mais sobre a luta contra "cosmopolitismo" na URSS |
Na
edição de 1953 no auge da luta contra “cosmopolitismo” (em que próprio Lagin
participou de uma forma tristemente ativa), no livro foram acrescentadas
algumas passagens bastante agressivas antiamericanas e antibritânicas. Dois
anos depois, essas passagens foram removidas da nova edição, mas apareceram outras emendas – os heróis voaram, no tapete voador, ao território sob poder dos capitalistas e
imediatamente começaram a sofrer lá, de uma forma insuportavel)
O
autor do livro alegadamente não mexeu no seu texto original, os “melhoramentos”
foram feitos pelos camaradas anónimos.
O
escritor britânico Hugh Lofting
escreveu o seu «Doctor Dolittle» nas trincheiras da I G.M., como uma
alternativa bondosa à terrível realidade daquela época. O seu herói, Dr. John Dolittle
(do inglês do-little, “faça pequenas [coisas]”), vive numa cidade imaginária,
cura os animais e sabe falar as suas línguas. Os seus amigos são porquinho Gub-Gub, cão Jip, pato Dab-Dab, macaquinho Chee-Chee,
coruja Too-Too, a Pushmi-pullyu (Puxa-empurra, uma mistura entre gazela e
unicórnio) e um ratinho branco chamado simplesmente Branquinho.
Mais
tarde, Doolittle viaja para a África para ajudar os macacos doentes, o seu
navio é naufragado, e ele próprio é capturado pelo rei da Jolliginki, passando
pelas muitas aventuras, mas no final salva os animais doentes da epidemia.
Praticamente
na sua totalidade a obra foi plagiada pelo escritor soviético Kornei Chukóvski
que, por sua vez, afirmava que tinha baseado a sua obra na vida do Zemach Shabad, médico, ativista
político e maçon lituano de origem judaica.
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Como
se pode ver, até mesmo as histórias mágicas de diversos livros infantis soviéticos
foram, no mínimo “levados de empréstimo”. Com tal, destaca-se o acto honesto do
escritor e tradutor soviético Boris Zakhoder – ele re-contou às crianças soviéticas as histórias do Ursinho Pooh (Winnie-the-Pooh), indicando
claramente o autor da obra – Alan Alexander Milne (A. A. Miln).
A primeira edição soviética do "Ursinho Pooh e todos os outros", 1960 | foto RIAN |
Imagens
@Internet | Texto Maxim
Mirovich
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