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A
Rússia vai investigar se o czar Nicolau II e a sua família foram mortos num
ritual judaico. A teoria é tão velha como absurda, e já tinha sido rejeitada
oficialmente pelas autoridades russas nos anos 1990. Mas o gabinete do
procurador-geral vai voltar a explorá-la, por iniciativa da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), que em 2000 declarou santos Nicolau
II, a sua esposa e os seus cinco filhos, todos executados em 1918.
por:
Luís M. Faria, Expresso
“Levamos
a teoria do assassínio um ritual muito a sério”, diz o bispo Tikhon Shevkunov,
confessor pessoal do presidente Vladimir Putin. O bispo exigiu que as alegações
fossem “substanciadas e provadas” através de uma “avaliação psicológica e
histórica”, notando que o tanto o líder dos assassinos [Iakov Iourovski] como
o homem que lhe deu a ordem [Iakov
Sverdlov] eram judeus. O bispo não referiu o nome do principal responsável,
Lenine, sem cuja aprovação as execuções jamais teriam acontecido [por exemplo, em
9 de abril de 1935, Trotsky transcreveu no seu diário pessoal (não destinado ao
público) a alegada conversa com Sverdlov, em que este tinha lhe dito que a decisão de
eliminar fisicamente czar Nicolau II e toda a sua família foi tomada pelo
Lenine].
Além
do bispo Tikhon, outros responsáveis da igreja afirmaram-se igualmente
convencidos da teoria. Numa altura em que o governo russo tem uma aliança
estratégica com a Igreja Ortodoxa e o poder judicial cumpre ordens do Kremlin,
não surpreende que um membro da comissão de investigação estatal sublinhe a
necessidade de “resolver questões sobre se o assassínio da família Romanov teve
uma possível componente ritual”.
O
velho libelo de sangue
Ler mais sobre a deputada e ex-procuradora |
Uma
deputada [da Duma russa, a ex-procuradora ucraniana Natália
Poklonskaya] pró-Putin também chamou à execução dos Romanov “um terrível
assassínio ritual”, acrescentando: “Muitas pessoas têm medo de falar disso, mas
toda a gente sabe que aconteceu. É maligno”. Uma das provas invocadas é que, no
pelotão de fuzilamento que matou os Romanov, cada membro tinha um alvo
destinado, mas todos quiseram disparar contra o czar, tendo o líder do pelotão
supostamente explicado que eles encaravam o ato como um ritual.
Representantes
judaicos no país reagiram com indignação. Lembrando a longa e infame tradição histórica
do libelo (ou calúnia) de sangue, que justificou de massacres de judeus ao
longo dos séculos – dizia-se que os judeus matavam crianças para usar o sangue
delas na fabricação de pão –, o presidente da Federação das Comunidades
Judaicas [russas], Alexander Boroda, afirmou que era lamentável tratar ideias desse tipo
como merecedoras de uma investigação séria.
A ideia de que a revolução bolchevique foi obra
dos judeus foi partilhada por muita gente [desde os emigrantes monárquicos
russos que fugiram da Rússia após o golpe comunista de 1917], passando aos
fascistas e os nazis [...] A presença de vários intelectuais judeus entre os líderes
bolcheviques – o mais proeminente dos quais Trotsky – alimentou essa teoria
conspirativa durante bastante tempo. E nem as sucessivas perseguições lançadas
por Estaline contra os judeus conseguiram destruí-la.
Ler mais sobre a perseguição dos judeus na URSS |
Ler
mais: O
caso dos “médicos-assassinos”
Bónus
Quando
regimes autoritários, como é o caso daquele que hoje impera na Rússia, começam
a ter problemas com a sua estabilidade interna ou externa, tentam sempre
arranjar inimigos dentro e fora do país. No caso do “czar” Vladimir Putin, já
necessita de ressuscitar temas e métodos claramente medievais.
por:
José Milhazes, Observador.pt
É
verdade que nem o bispo ortodoxo, que os órgãos de informação russos dizem ser
o “confessor” de Putin, nem Marina Molodtzova [Comité de Investigação] pronunciaram
a palavra “judeus”, mas qualquer cidadão russo minimamente informado compreende
que ele se refere a esse povo [...]
À medida que se vai
aproximando a data das eleições presidenciais russas, marcadas para Março de
2018, a propaganda tenta apresentar o Presidente Putin como o salvador da
Rússia e do mundo face aos “inimigos externos e internos”, o que tem levado
também o Parlamento a aprovar novas medidas contra os órgãos de comunicação
estrangeiros, a pretexto de evitar “ingerências externas” no escrutínio.
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