O cidadão russo-espanhól Pablo González (nascido Pavel Rubtsov) é um espião do secreta militar russa GRU. Foi desoberto pelo SBU, capturado pela secreta polaca
ABW em 2022 e agora regressou à rússia no âmbito da troca dos prisioneiros entre Ocidente e rússia.
Oito pessoas regressaram à rússia das prisões ocidentais a 1 de Agosto, por causa das quais o Kremlin libertou 16 presos políticos e os extraditou para o estrangeiro.
Entre aqueles que Vladimir Putin acolheu pessoalmente em Moscovo estava o oficial dos serviços de informação Pablo González, também conhecido por Pavel Rubtsov, que foi preso na Polónia
nos primeiros dias de uma guerra de grande escala. Cidadão da rússia e de Espanha, González trabalhou disfarçado durante vários anos como jornalista e correspondente militar, comunicou extensa e
confidencialmente com oposicionistas russos (incluindo Ilya Yashin e Vladimir Kara-Murza) e transmitiu informações sobre eles a Moscovo. A publicação russa Meduza conta a incrível história
de talvez o mais talentoso dos oito espiões russos que participaram na histórica troca.
Rubtsov foi detido na Polónia a 28 de fevereiro de 2022, no quarto dia de uma invasão russa em grande escala, a sete quilómetros da fronteira com Ucrânia. O russo
acusado de trabalhar para o GRU passou mais de dois anos em regime de solitária. Durante todo este tempo, continuou a insistir que não era um espião, mas estava a filmar uma reportagem sobre refugiados
da Ucrânia para os meios de comunicação espanhóis.
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O momento da detenção do Rubtsov na Polónia / ABW |
Foi como o jornalista e politólogo espanhol Pablo González Yagüe (tinha um passaporte com esse nome), e não como o oficial dos serviços de informação
ilegais Pavel Rubtsov, que os jornalistas de Madrid, as organizações especializadas europeias e a oposição russa o conheceram. Além disso, o seu desfarce – ao contrário das coberturas
defeituosas de outros espiões russos expostos era bastante forte.
González-Rubtsov não fingiu ser espanhol - na verdade nasceu em Moscovo em 1982 numa família de imigrantes espanhóis. O seu avô, Andres González Yagüe,
foi levado à URSS ainda criança, salvando-se da guerra civil espanhóla. A filha de Andres, María Elena González, casou com o cientista soviético Alexei Rubtsov; chamaram o seu filho
de Paul. “Estas famílias sempre estiveram no campo de visão da inteligência soviética e russa, eram seguidas”, explica a investigadora de inteligência e editora-chefe adjunta da
página russa Agentura.ru Irina Borogan. “Porque eles, pela sua origem, falam línguas e têm parentes no estrangeiro e, por isso, são perfeitos para o recrutamento.”
Após o divórcio dos pais e a queda do Muro de Berlim – Pavel tinha nove anos na altura – a sua mãe levou-o de volta à sua terra natal histórica,
o País Basco, e mudou o nome do filho para Pablo González Yagüe. Segundo o The Objective, que estudou o livro de família emitido pelo cartório de registo civil e departamento de adoção
do Consulado Geral de Espanha em Moscovo, este foi feito de acordo com a lei: María Elena apresentou ao consulado uma certidão de divórcio e registou o seu filho em o registo civil com a versão
espanhola do seu nome e apelido.
González tinha dois nomes desde a infância, mas começou a escondê-los mais tarde. Em 2003, aos 21 anos, Pablo recebeu um passaporte interno russo em nome de Pavel Rubtsov,
e em 2016 - um passaporte estrangeiro. No entanto, na oposição política russa e entre a emigração pré-guerra, era conhecido exclusivamente como cidadão espanhol. Sempre defendeu
este desfarce - por exemplo, queixava-se de que não sabia como obter um visto de trabalho russo (na realidade visitava constantemente o pai em Moscovo).
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González-Rubtsov com o pai, sua esposa e meia-irmã em Londres |
Após a detenção de Pablo, tanto os seus colegas espanhóis como a mãe dos seus três filhos, a espanhola Oiana Goiriena, insistiram na sua inocência
e, numa entrevista, referiu que não há “nada de excepcional” em ter dois passaportes com dois nomes diferentes. Até a Amnistia Internacional e os Repórteres Sem Fronteiras se manifestaram
em apoio de Rubtsov.
No entanto, até agosto de 2024, a Polónia continuou a deter o oficial dos serviços de informação, que, segundo os serviços de informação,
realizou “operações a favor da Rússia”. Varsóvia enfatizou que o seu “estatuto de jornalista” lhe permitiu “viajar” para “zonas de conflitos militares”
e “tensões políticas”. No entanto, não foi formalmente acusado.
“Exigia orçamentos de media aos meus curadores”
Na Universidade de Barcelona Rubtsov estudou jornalismo e concluiu o mestrado em filologia eslava. Fez carreira como jornalista, posicionando-se como um especialista na Europa de Leste, nos
Balcãs e em todos os conflitos quentes e territórios não reconhecidos que aí surgiram após o colapso da URSS, desde a «dnr» e a Transnístria até ao Kosovo e Alto
Karabakh. Acabou por lançar o seu próprio website chamado Eulixe, que se auto-intitula “meios de comunicação independentes” que se opõem às “elites”.
De acordo com os relatórios descobertos pela ABW nos dispositivos de Rubtsov, Pablo “exigia orçamentos de media aos seus curadores” - para “um site que criou
que “refletia a informação correta”. Por “apenas algumas centenas de euros por mês”, a sua página, Eulixe apresentou, por exemplo, material de uma conferência de imprensa
da Bonanza Media, uma publicação que, sob o controlo do GRU russo, tentou negar o papel da rússia no derrube do voo MH17.
Rubtsov-González posicionou-se também como politólogo: graças à sua “especialização” nos países do espaço pós-soviético
e na região dos Balcãs, integrou-se no meio especializado de Madrid. Em particular, Pavel colaborou com o importante grupo analítico European Council on Foreign Relations (ECFR), cujos membros incluem
vários antigos presidentes e primeiros-ministros de países da NATO. Juntamente com co-autores do ECFR, Rubtsov escreveu o livro “Ucrânia: da Revolução Maidan à Guerra no Donbass”.
Foi publicado em 2016 com o nome de Gonzalez na capa. No livro Rubtsov chamava a agressão russa de “intervenção direta” e “guerra híbrida”.
Rubtsov conseguiu também infiltrar-se na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE), onde, aparentemente, foi acreditado como jornalista. Após a sua detenção,
a PACE chegou a pedir a libertação de González, comparando-o com Julian Assange.
Rubtsov participou também em várias conferências na Polónia. No fórum de Rzeszow, foi mesmo convidado para moderar um painel – após o evento,
escreveu num relatório aos seus curadores: “Parece que consegui plantar a semente da dúvida entre os euro-atlantistas”. Os jornalistas locais descobriram mais tarde que, ao comunicar com os polacos,
González “estava concentrado em intensificar... narrativas que eram importantes do ponto de vista dos interesses da federação russa”.
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Algumas de publicações do González na rede X |
Em 2019, Rubtsov mudou-se para Varsóvia e começou a comunicar com muitos jornalistas estrangeiros aí sediados. Tinha também a namorada local chamada Magda, que
“conheceu num evento qualquer em Alto Karabakh”, combinando a sua nova relação com um casamento oficial em Espanha.
Rubtsov-González compilou um dossier detalhado sobre a sua nova amante, que enviou ao GRU. “Usar mulheres é uma tática padrão dos oficiais ilegais dos
serviços de informação russos; foi utilizado nas décadas de 1930 e 1940. Um homem solitário levanta sempre suspeitas, mas uma mulher local pode encaixa-o em qualquer lugar. “Que tipo
suspeito anda por aí?” — “Ah, é o namorado da Magda!”
O agente do GRU infiltrou-se na Fundação Nemtsov em 2016 graças à acreditação jornalística no PACE. A fundação organizou então
um evento à margem do Conselho da Europa apelando à nomeação de um relator especial do PACE no caso do assassinato de Boris Nemtsov. O Pablo apareceu e pediu à Zhanna [Nemtsova] uma entrevista
em russo muito bom.
A entrevista de Nemtsova saiu em basco, e o “jornalista espanhol” interessado na rússia foi incluído na
lista de discussão dos eventos da organização. Graças a eles, ao longo de vários anos, González teve acesso aos políticos Ilya Yashin, Vladimir Kara-Murza, Mikhail Kasyanov, aos advogados
Ilya Novikov e Vadim Prokhorov (do portátil pessoal de Zhanna Nemtsova o agente russo copiou até as cartas do seu pai).
Os truques psicológicos da secreta militar russa
Sobre a guerra russa na Ucrânia (2014-2022): geralmente González “expressava total simpatia pelo lado ucraniano e não apoiava os separatistas”. Noutras conversas
Rubtsov dizia que era “do País Basco livre”, que travou a sua própria luta armada pela independência, e que “compreende o povo de Donbas que quer a sua auto-determinação.»
Com Ilya Yashin, que Gonzalez entrevistou, encontraram o interesse comum no futebol. ”... alguns anos depois, este homem do GRU e eu acabámos em Madrid ao mesmo tempo
e divertimo-nos muito no jogo local do Atlético”, contou Yashin.
Durante todo este tempo, González-Rubtsov escreveu relatórios detalhados aos curadores sobre muitos dos seus amigos e conhecidos. Compilou informações não
só sobre oposicionistas proeminentes, mas também sobre participantes comuns da escola da Fundação Nemtsov que vieram da Ucrânia e dos Estados Unidos para o curso intensivo (Pablo suspeitava
que um deles trabalhasse para a CIA). González-Rubtsov também era fotógrafo – tirava fotografias a toda a equipa da Fundação Nemtsov, agora está claro para onde foram todas estas
fotos.
Os relatórios de González ao GRU, consistiam geralmente em três partes: uma descrição dos contactos realizados, uma avaliação dos custos financeiros
de sua “inserção” (com um pedido de compensação financeira) e uma história sobre os planos para o futuro. Na tentativa de demonstrar aos seus curadores do GRU que estava a receber acesso
exclusivo à oposição russa, Rubtsov incluiu não só as moradas, números de telefone e descrições dos familiares das pessoas à quem espiava, mas também histórias
detalhadas sobre os próprios esforços para estabelecer contacto - até que marca de vinho comprou no presente e de que forma exatamente este vinho foi presenteado.
Rubtsov também fazia longas disserções sobre os traços de caráter das pessoas por ele espiadas, uma espécie do retrato psicológico detalhado.
Os investigadores russos especializados nos serviços de informação, Andrei Soldatov e Irina Borogan acreditam que o trabalho de Rubtsov, homem que recolhia informações
sobre “os opositores de Putin, que são depois perseguidos e presos”, foi, útil para o Kremlin:
«Krasikov (o assassino russo preso na Alemanha, o principal interesse russo na recente troca) é apenas um executante e, ao contrário de Pablo, nunca conseguirá infiltrar-se
em lado nenhum. Uma das tarefas de um agente “ilegal” como González é precisamente identificar pessoas que possam ser posteriormente recrutadas. Descubrindo mais sobre a sua vida pessoal. Recrutam
as pessoas não com base em opiniões: “Dizem que é a fã de Navalny - não quer trabalhar para Putin?” A abordagem é feita quando descobrem que a tua mãe [por exempo]
está doente e precisa de ajuda no hospital.»
Em relatórios aos seus curadores, Pablo escreveu diretamente que, por cautela, usaria apenas cartões bancários ligados a familiares – e abriu um deles em nome do
seu pai que vivia em Moscovo. Alexey Rubtsov enviava-lhe ao 350 euros mensais. Os familiares de Pablo alegavam que Rubtsov pai apenas sustentava financeiramente o seu filho: enviava-lhe, um freelancer sem rendimentos estáveis,
“dinheiro pelo aluguer de vários apartamentos da sua avó em Moscovo”.
Pelo contrário, nunca pareceu aos conhecidos de González que este precisasse de dinheiro - o “jornalista” comprava regularmente o equipamento mais caro e, na fronteira
polaco-ucraniana, nos primeiros dias da guerra, trabalhou no mais recente MacBook Pro.