«Rock
sob os ossos» ou «rock sob as costelas» é uma tecnologia amadora das décadas de
1960-70, que consistia em copiar a música não divulgada oficialmente na URSS,
desde os artistas ocidentais (Elvis Presley, Rolling Stones, Miles Davis, John Coltrane,
entre outros) ou simplesmente proibida na União Soviética (Alexander Vertinsky).
A música proibida e desejada era gravada em chapas de vinil, usadas para fazer
raios-X.
Primeiros
consumidores do «rock-n-roll sob os ossos» eram stilyagi,
jovens, pertencentes à subcultura juvenil soviética que tentava copiar o estilo
ocidental em vestuário, música, maneiras ou calão. Os especialistas copiavam os
discos ocidentais originais em chapas, usadas para fazer raios-X, os vendendo clandestinamente
aos stilyagi nos bazares ou outros locais semiclandestinos.
As
chapas, conhecidas como “ossos” rapidamente se gastavam, a qualidade de som
também não era melhor. Ao habitual “crepitação” do disco, acrescentavam-se os
arranhões, sussurros do LP, cliques do gravador e do leitor. E em algumas
partes da gravação, o som poderia ficar tão mal, que era difícil reconhecer a
música tocada. Hoje é possível converter ao formato digital, qualquer coisa que
seja, inclusivamente a música dos “ossos”, conservada nas colecções de amantes
da música. E todos podem ouvir com seus próprios ouvidos o “rock sob os ossos”.
A
nova vida do raio-X
Tudo
começava com a fabricação da “disco”. Usavam-se as chapas velhas e inúteis de
raios-X, que podiam ser encontradas em qualquer hospital soviético. Onde eram armazenadas
em prateleiras, nas salas escuras de arquivos, cobertas com espessas camadas de
poeira, até que um amante da música lhes dava uma chance de viver uma vida nova
e maravilhosa.
A
chapa recebia a forma mais ou menos semelhante ao habitual LP. Raramente era um
círculo perfeito, mais frequentemente se assemelhava à um quadrado com as bordas
ligeiramente arredondadas, outras vezes simplesmente parecia um retângulo.
Embora
a forma, essencialmente não importava. A principal coisa era fazer, bem no centro
do “disco”, um pequeno buraco redondo, como num LP convencional, sem o qual, pois
claro, “ossos” não poderiam ser colocados no leitor. Este buraco podia ser feito
com um simples furador. Mas deveria ser feito com muito cuidado, para não
estragar a chapa delicada e frágil.
A
máquina cobiçada
Gravador amador, construído e usado clandestinamente, autor é desconhecido. URSS |
O
ato de copiar a música era feito por um gravador especial. Este podia ser
achado nas cidades soviéticas turísticas. Lá, era usado para fabricar postais de
áudio – o turista declamava o texto, este era gravado em um LP pequeno, e enviado
aos seus, para compartilhar as impressões sobre as férias.
Mas
postais é uma coisa e “rock sob os ossos” é outra coisa completamente
diferente. O desejo de comprar um gravador deste tipo podia chamar a atenção
das autoridades repressivas soviéticas, afinal, o fabrico clandestino de discos
poderia custar uma pena de prisão real.
Mas
havia outra maneira de obter o gravador – construi-lo das peças de gira-discos convencionais.
A principal diferença residia no facto do gravador possuir uma lamina cortante com
a ponta bem afiada. Por isso, também diferia a estrutura interna – a base, onde
era colocada a tal lamina era muito maior do que a do gira-discos – ali ficava
o mecanismo que captava as ondas electromagnéticas. A tarefa de lamina afiada
era de captar o som, gerado pelo soar da música, gravando o mesmo registo na
chapa de raio-X.
Outra
coisa importante, sem a qual a gravação de “rock sob os ossos” não seria possível,
é a existência do disco de vinil original, com a tal música proibida. Os discos
compravam-se no estrangeiro e contrabandeavam-se para URSS ou eram adquiridos já
na União Soviética aos “firmachi”, vendedores semiclandestinos dos itens
ocidentais. E, claro, era preciso ter o gira-discos, mais simples, que ainda
hoje em dia pode ser achado no sótão da avó, guardado ao lado dos LP´s poerentes
e esquecidos.
Quando
todos os componentes eram reunidos nas mesmas mãos, nascia o tal «rock sob os
ossos». O profissional da gravação era conhecido na gíria do meio como pisaka
(escrevinhador).
Caluda!
Decorre a gravação!
Aparelho construído clandestinamente, autor desconhecido, URSS |
Era
escolhido um lugar pequeno e discreto – no sótão ou no porão de algum edifício,
de modo a não atrair muita atenção. LP de vinil era colocado no gira-discos, a
chapa de raio-X – no gravador. Os aparelhos eram colocados um ao lado do outro
e eram ligados.
O
álbum começava a tocar, o gravador captava o som de música e a lâmina cortadora
começava a oscilar ao mesmo ritmo, gravando na chapa de raio-X uma pista
musical – parecida como de um disco de vinil. Assim decorria a cópia. O processo
era longo e durava enquanto a música tocava. Era importante remover as lascas
deixadas pela lâmina, pois estas atrapalhavam a gravação. Tudo isso tinha que
ser feito em silêncio. Qualquer som estranho era captado pelo gravador, e então
– acabaria por estragar os “ossos”.
Quando
o registo era concluído, a chapa ordinária do raio-X se transforma em um
verdadeiro LP – era possível ver a espiral incisa, muito fina, a distância
entre duas faixas adjacentes não eram mais do que dois milímetros. É sobre ela,
em seguida, deslizava a agulha do gira-discos, tocando a música, gravada, pelo
gravador, em microscópicas e invisíveis ao olho nu “cavidades” e “protuberâncias”
daquela faixa.
O
milagre
A
chapa deveria ser manobrada com muito cuidado. A chapa de raio-X, fina e frágil,
poderia se rasgar e se estragar facilmente. O processo de criação de “rock sob os
ossos” viciava. Criando pelo menos um “disco”, as pessoas ficavam imbuídas de
uma atmosfera especial, criada pela música que tocava no silêncio e a proibição
dessa atividade só adicionava o combustível ao fogo. Sem mover ou respirar, as
pessoas se curvavam sob o leitor e gravador, ouvindo o crepitar de música e
observando cuidadosamente a nova gravação do álbum. E não eram apenas as chapas
de raio-X, era um milagre. O mais real de todos os milagres.
E
depois a técnica foi levada à perfeição: a qualidade do som foi melhorado
graças ao aquecer da lamina cortadora (um saber-fazer), pois não é nada fácil
aquecer a lamina de corindo que está vibrando (Sic!), era usado o método do
microondas, quando no início da década de 1960, nem sequer existiam a microondas
na União Soviética. O primeiro microondas soviético foi lançado nos anos 1980, usando
as peças japonesas. Mas os artesãos da música clandestina usavam na década de
1960 um pequeno gerador e uma pequena bobina de controlo de temperatura,
escreve Back
in USSR
Rudolf Fuks na década de 1950 |
Um
dos “pisakas” mais famosos da URSS era Rudolf Fuks
(1937),
condenado em 1965 aos
2 anos de cadeia pela “falsificação de documentos”, e obrigado, em 1979, à
emigrar ao Israel. Toda a sua coleção de discos, apreendida pela investigação,
desapareceu sem deixar os rastos. Atualmente ele possui, na cidade de São Petersburgo,
o seu próprio “Museu de Discos Musicais”.
Rudolf Fuks em 2014 |
O
filme documental «Vira o disco» (Flipside), é dedicado à subcultura de discos de vinil na URSS.
Nos primeiros momentos do filme (1´00´´ – 5´30´´), Rudolf Fuks, conta a sua história e mostra os
discos gravados em chapas de raio-X. Alguns deles funcionam até hoje!
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