Os
saudosistas pró-soviéticos acreditam que URSS era habitada pelos cidadãos cristalinamente honestas
que nunca roubavam nada, preocupados, dia e noite, com a construção do
comunismo. Mas, no que touca os roubos – estes existiam em toda parte na vida
quotidiana da União Soviética, mas nem sequer eram considerados como “roubos”.
É
verdade que nas pequenas cidades ou bairros, onde praticamente não havia gente
estranha e todo o mundo se conhecia entre si, as pessoas, por vezes, guardavam as
chaves debaixo da porta de entrada dos apartamentos. Por outro lado, não vamos hoje falar sobre os
roubos “clássicos”, quando o ladrão rouba dinheiro, jóias ou outros objetos
valiosos. Falaremos de roubos muito soviéticos, quando os vendedores de lojas
estatais viciavam as balanças, mudavam os ingredientes dos alimentos nas
cantinas de fábricas, roubavam alguns rolamentos no seu local de trabalho ou
vendiam o combustível — tudo isso acontecia habitualmente e em todo o lado, e
nem sequer era considerado como algo vergonhoso.
Em
primeiro lugar isso acontecia por causa da pobreza geral, distribuída, de uma
maneira “justa”, por todos os estratos da sociedade. Em segundo lugar por causa
do défice de bens e serviços necessários. As peças de canalização estavam com o
“seu” canalizador (ele as roubou no armazém), as peças sobressalentes da
viatura (que não existiam nas lojas de peças) milagrosamente estavam com o “seu”
mecânico. Pode-se dizer que essa “pequena corrupção” é praticamente inevitável
nos países pobres, enquanto não é considerada na sociedade como algo
vergonhoso, as pessoas simplesmente sobrevivem da melhor maneira que podem.
O
terceiro componente destes roubos é a ausência de propriedade privada, como
tal, no sentido mais amplo da palavra. A frase “tudo ao seu redor é do
coletivo, tudo é de ninguém” descreve muito bem a situação daqueles anos –
levar a madeira ou ferro velho de “ninguém” era considerado quase a norma e nem
era visto como roubo.
01.
Roubos nos estabelecimentos de alimentação popular soviética. Talvez este tipo
do roubo era o mais fácil, pois não era nada fácil apanhar o ladrão. Por
exemplo, a nata/creme de leite era diluído com kefir, kefir era diluído com
leite. O leite também era roubado, de forma muito criativa – uma parte era
registado como “estragado” e levado para casa. A sopa de carne era cozinhada
sem a carne, apenas com a gordura, no momento de servir e para disfarçar, no prato era colocado um
pedacinho de carne.
O
chá era roubado de forma individual. Nas cantinas soviéticos o “chá” era preparado
em enormes panelas de alumínio, onde era colocada uma certa quantidade de
folhas de chá mais barato. Uma parte considerável de folha era roubada e a cor
escura da bebida era conseguida, adicionando bicarbonato de sódio. O resultado
foi um líquido castanho-escuro com quase nenhum sabor de chá.
02.
Os roubos nas mercearias soviéticas. Em princípio, eram parecidos com os roubos
nas cantinas, mas com alguns nuances. Por exemplo, as normas (GOST) soviéticas tinham
os padrões de encolhimento e secagem das mercadorias – os vendedores as usaram ao
máximo, mesmo se as mercadorias não “encolhiam” nem “secavam” – a diferença era
simplesmente roubada. Muitas vezes, os produtos de melhor qualidade (carne, mortadela)
eram vendidos “debaixo do balcão” para os “seus”, aos preços acima do valor de
venda de retalho/varejo, e a diferença resultante era dividida entre os
vendedores.
Também
se roubava nos mercados, usando um sistema engenhoso de imãs e pesos escondidos.
O fenómeno era tão disseminado que em todos os mercados eram colocadas as “balanças
padrão”.
03.
Esquemas nas lojas de produtos manufaturados. Aqui tudo acontecia de uma
maneira similar – os bens de qualidade escassos, que de repente eram colocados
em venda livre, eram vendidos “debaixo do balcão” ao preço acima do estipulado.
De um ponto de vista legal era difícil provar que algo não estava certo – o bem
era vendido ao comprador, o dinheiro entrava na caixa registadora. Detetar os
lucros extra, embolsados pela vendedora era completamente impossível.
Além
disso, no comércio soviético lucravam bem todo o tipo de auditores /
inspectores que com a frequência fechavam olhos, recebendo os subornos, aos pequenos
(e às vezes não) violações de regras. Ainda deve-se notar que os elos de
corrupção no comércio soviético eram criados durante anos, e muitas vezes as redes
de corrupção envolviam centenas de participantes.
04.
Roubo nas fábricas e locais de construção. Roubava-se todo que podia e não estava
aparafusado. Mesmo aquilo que estava aparafusado – era desparafusado e, de
seguida, também roubado. Conjuntos de ferramentas, matrizes para fazer as
roscas, vidro, cimento, mesmo tijolos - muita gente se lembra das garagens e
varandas, cheios de tudo isso. O vizinho que tinha um conjunto de pequenas
limas, ainda na caixa? Acha que ele as comprou numa loja)?
Os
bens eram levados através dos postos de controlo, ou apenas jogado por cima dos
murros que cercavam as fábricas, muitas vezes eram envolvidos os cúmplices. Os
mais habilidosos conseguiam roubar um cordão da viatura, e o levar para fora,
debaixo do paletó com a ajuda de contrapeso especial.
As
coisas roubadas eram vendidas ou trocadas em forma do escambo/permuta – pelos determinados
bens ou serviços.
05.
Os condutores das bases automóveis, tratoristas, motoristas de táxi. Roubavam gasolina
e gasóleo (coisa clássica), bem como peças e tinta automóvel. Os motoristas de
táxi muitas vezes não usavam o taxímetro, nos últimos anos da existência da URSS
os taxistas eram frequentemente envolvidos nas rédeas do crime, servindo de
transporte seguro para as prostitutas ou vendedores ilegais de álcool (cuja
venda era muito limitada pela “lei seca” da autoria do regime do Gorbachov).
06.
“Produção-sombra”. Muitos produtos “de marcas” ocidentais eram, na realidade
fabricados na URSS. Além disso, os materiais roubados eram frequentemente usados
para produzir roupa e calçado mais ou menos decente e elegante, e não vestes horrorosos
e assustadores de lojas de departamentos. Em parte este negócio foi legalizado na
URSS em 1988, em forma de cooperativas.
Como
podem ver, os “honestos cidadãos soviéticos”, na realidade não eram tão honestos.
Podemos os culpar disso? Sim e não. Uma parte considerável da responsabilidade deve
ser colocada no ambiente de total pobreza e deficiência, criado pelo regime do
comunismo soviético, em que as pessoas era forçadas a sobreviver.
Fotos
@GettyImages Texto @Maxim
Mirovich
Sem comentários:
Enviar um comentário