Entrevista exclusiva do Presidente da Ucrânia, dada na sua residência
oficial em Kyiv à equipa da revista alemã Bild: De Kai Diekmann, Julian Paul, Reichelt
Ronzheimer (texto) e Daniel Biskup (Fotos).
Ele tem uma das posições mais difíceis do mundo: Petró Poroshenko (49), o
presidente da Ucrânia. Seu país está em constante conflito com a Rússia, quase
todos os dias há novas mortes. Na segunda-feira Poroshenko será recebido em
Berlim pelo alemão Presidente Gauck (75) com as honras militares, depois
reúne-se com a chanceler alemã, Angela Merkel (60).
Bild: Sr. Presidente, há cinco semanas, em Minsk, um cessar-fogo foi
acordado com a Rússia. O que você vai dizer a chanceler Angela Merkel na
segunda-feira sobre a situação na Ucrânia?
Petró Poroshenko: Deixe-me dizer uma coisa em primeiro lugar: O papel do
chanceler em apoio da Ucrânia é muito especial, ele mostra um alto nível de
compromisso pessoal com a paz. Angela Merkel e o presidente francês, François
Hollande fizeram, com o seu talento diplomático, que poderia haver em Minsk, no
final, um acordo, eles sempre nós apoiaram fortemente, desde o início. Mas
agora temos novamente uma situação extremamente perigosa – e Ucrânia precisa
desesperadamente da ajuda da Alemanha...
Bild: Porque apesar de Minsk, na Ucrânia Oriental ainda decorrem os
intensos combates...
Poroshenko: A Ucrânia tem cumprido cada ponto do acordo de Minsk, o
cessar-fogo foi implementado do nosso lado imediatamente. Mas as forças russas
fizeram exatamente o oposto! Pouco depois do início da trégua atacaram
Debaltseve, desde a assinatura do Minsk perdemos 68 soldados, 380 ficaram
feridos. E à cada dia decorrem os bombardeamentos russos, muitas vezes mais de
60 vezes por dia – em um total de 1.100 vezes o cessar-fogo foi violado.
Bild: Assim, o acordo de Minsk falhou?
Poroshenko: A boa notícia é que os combatentes apoiados pelos russos
atualmente não disparam, pelo menos, com os lançadores de foguetes e outras
armas pesadas, como têm feito isso antes. Mas a verdade é que o acordo não
funciona. Minsk é a nossa esperança, não a realidade. Eles dizem que retiraram
as suas armas, mas não oferecem à OSCE o acesso para controlo. Exibem os
soldados ucranianos de forma desumana como prisioneiros de guerra nas ruas de
Donetsk em público. E nós tememos do que pode haver um novo ataque, por
exemplo, contra Mariupol, à qualquer momento.
Bild: Tudo isso não soa muito esperançoso.
Poroshenko: O mundo inteiro precisa de entender a guerra que a Rússia
lidera contra a Ucrânia. Tudo começou com os separatistas russos que foram
apoiados na primavera de 2014 pelas armas russas. E que desde o verão (de 2014)
há tropas russas regulares na Ucrânia, dezenas de milhares de soldados. A única
maneira de parar esta guerra, é a retirada completa das tropas russas.
Bild: Mais e mais ucranianos exigem à adesão à NATO devido a ameaça russa...
Poroshenko: Eu não acho que faz sentido discutir essa questão agora.
Isso não está agora na agenda. Devemos concentrar-se aqui nas reformas,
fazendo o nosso dever de casa. Em seguida, haverá automaticamente um referendo
sobre a adesão à NATO e os ucranianos decidirão.
É bastante claro: relações com Rússia não prescrevem em que aliança podemos
estar e na qual não. E também é claro: desde 2008, houve o compromisso de que
as portas da NATO estão abertas para nós.
Bild: em menos de três anos, o Campeonato do Mundo será realizado na
Rússia. Isto é para você, a partir da perspectiva de hoje, é possível?
Poroshenko: Eu sempre disse que o futebol não tem nada a ver com política e
devem-se separar as duas coisas. Mas como isso é possível? Nosso clube melhor
sucedido, FC Shakhtar Donetsk, foi jogar há meses em Lviv à 1.200 quilómetros
de distância, porque os soldados russos ocuparam Donetsk. Eu acho que é preciso
falar sobre um boicote deste Campeonato do Mundo. Enquanto as forças russas
estiverem na Ucrânia, eu asseguro que o Campeonato do Mundo naquela terra é
impensável.
Bild: em seis semanas a chanceler (Merkel) visitará Moscovo para comemorar
com o presidente russo Putin o 70º aniversário do fim da guerra.
Poroshenko: Diálogo da Angela Merkel com a Rússia é extremamente importante
para nós. Mas eu duvido que uma visita em 9 de maio tem o caráter correto. O
que a Rússia está a fazer agora, não tem nada a ver com os ideais que levaram à
vitória sobre os nazis na Segunda Guerra Mundial.
Bild: nos EUA, o tom em relação Putin é muito mais acentuado do que na
Europa. Você pode contar com os norte-americanos na Europa?
Poroshenko: O acordo entre os EUA e a Europa é crucial para a resolução do
conflito. Se vocês estão se referindo ao debate sobre a venda de armas, não só
os EUA nos ajudam, onze países europeus estão à apoiar-nos com equipamento
militar e técnico. Trata-se de armas de defesa e de tecnologia militar de apoio.
Bild: o que você precisa aqui da Alemanha?
Poroshenko: Mesmo agora, temos, por exemplo, coletes prova-de-bala da
Alemanha. Mas precisamos mais, à fim de nos defender e poder proteger melhor os
soldados. Precisamos de sistemas de radar, drones, rádios e dispositivos de
visão noturna. Além disso, eu também vou falar com o chanceler. Não se trata de
armas de assalto. Não queremos atacar ninguém.
Presidente ucraniano visitando neste domingo um militar ucraniano em tratamento em Dresden |
Bild: são as actuais sanções contra a Rússia?
Poroshenko: Deverá haver uma reação pela violação do cessar-fogo acordado.
Isso pode significar mais sanções – em qualquer caso, as sanções aplicáveis
agora deve ser estendidas até o final do ano.
Bild: Muitas pessoas na Alemanha estão com o medo de que o conflito na
Ucrânia poderia ser uma guerra muito grande.
Poroshenko: Eu sou um presidente de paz, não de guerra. E eu odeio ter que
levar a palavra de uma terceira guerra mundial na boca. Mas, independentemente
destes cenários de pesadelo, é precisa remover os óculos cor-de-rosa e perceber
que a estrutura de segurança que vigorou por 70 anos e garantiu a paz na Europa
não funciona mais.
Um exemplo: o Conselho de Segurança da ONU é impotente porque tem como
membro permanente e simultâneamente um agressor – Rússia, que bloqueou
decisões. Iraque, Chechénia, Transnístria, Afeganistão – todos estes foram os
conflitos regionais num curto período de tempo. Na Ucrânia, agora estamos a
assistir a uma guerra em que atuam 50.000 soldados de cada lado. A guerra na
qual a Rússia usa a maior máquina militar da Europa. Esta é uma guerra global
em que a Rússia não tem mais nenhuma linha vermelha.
Bild: você acredita que Putin usará as armas nucleares, mesmo num caso extremo?
Poroshenko: Se você me perguntar hoje: não, eu não acho que é provável. Mas
se você tivesse me perguntado há 18 meses, se eu acho que é provável que a
Rússia anexe a Crimeia, eu também teria dito que não. E se você tivesse me
perguntado se Putin iria enviar tropas russas regulares no leste da Ucrânia,
para matar cidadãos ucranianos, eu teria dito não novamente. O facto é: a
Rússia não tem mais nenhuma linha vermelha.
Bild: quando você falou com Putin pessoalmente, como você achou-o?
Poroshenko: Deixe-me dar-lhe um exemplo. Em Minsk, eu falei com ele sobre o
destino da nossa jovem piloto (Nadia Savchenko) capturada pelos russos.
Perguntei Putin: quando você finalmente libertalá-la? Ela defendia o seu país no
solo ucraniano. Durante nove meses, você mantêm-la ilegalmente presa. Ela é uma
heroína. Putin apenas respondeu friamente: “eu não posso fazer nada, o nosso
judiciário é independente”.
Bild: o que é Putin realmente?
Poroshenko: Ele acha que está agindo no interesse da Rússia. Eu acho que
ele está agindo contra os interesses da Rússia. Putin quer controlar a Ucrânia,
mas ele não irá criar nada, mesmo atacando Kyiv. A Ucrânia nunca foi tão unida
como agora com o desejo de ser um país livre e democrático. Putin fez o nosso
país tão pró-europeu pela agressão russa, como quase ninguém poderia ter
imaginado.
Ler original (em alemão): „Russland kennt keine rote Linie mehr“:
Tradução para português @Ucrânia em África
Bónus
POEMA EM ÃO (dedicado à Crimeia)
Crimeia (em acção):
Grande multidão
na celebração
de um ano de anexação.
Imensa satisfação.
Ou não?
Multidão II
Na cidade de Murmansk, no norte da Rússia, decorreu um
comício dos apoiantes do atual regime moscovita, que pretendiam celebrar o “retorno
da Crimeia à mãe-pátria”. Veio a multidão de 30 pessoas (FONTE), fotos @Marina Aleksandrova.
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