A
propagação da SIDA/AIDS na URSS fez parte da pandemia global no fim do século
XX, mas a sua situação na União Soviética mereceu o mesmo tratamento da
catástrofe do Chornobyl – as autoridades comunistas começaram falar do problema só quando já era
impossível de oculta-lo.
A
situação da SIDA na URSS foi tratada tal como muitos outros problemas, tais
como Chornobyl ou a prostituição – durante muito tempo o regime escondia e
ocultava as suas causas e consequências, perseguindo aqueles que tentavam
denunciar o problema, e então, quando a verdade tornou-se impossível de
esconder, agiu com discursos pretensiosos ao estilo “mas na América este
problema existe há muito tempo, as autoridades soviéticas conhecem o assunto e
até já achamos uma solução eficaz para o problema”. Tendo em conta que o
programa real da educação pública foi iniciada muitíssimo tardiamente.
02.
Em primeiro lugar, o que se sabe sobre SIDA/AIDS: os primeiros casos de “doença
incomum” foram registados pelos médicos no final da década de 1970. Durante
algum tempo não se percebia com quem se estava à lidar: as pessoas sofriam de “doenças
oportunistas”, próprias aos organismos com a imunidade muito baixa, parecidas com
as pneumonias graves prolongadas. Após o início de ensaios clínicos, em 1981,
nos Estados Unidos foram aparecendo as primeiras publicações sobre casos de
SIDA/AIDS, foram descritos os primeiros casos da doença na África e na Europa.
As
autoridades sanitárias da União Soviética, não podiam não saber do aparecimento
de uma nova doença perigosa, mas não tomaram quaisquer medidas para a possível
prevenção da epidemia, pois a descreviam como doença de “drogados e prostitutas”,
que, segundo as autoridades, claramente não existiam na URSS.
Na
foto em cima – o exame de sangue de HIV-SIDA num dos laboratórios especializados de
Moscovo, que foi criado mais tarde. Até 1988 as informações sobre os infectados
pela HIV-SIDA não eram divulgadas publicamente.
03.
O primeiro caso de infecção por HIV na União Soviética foi registado no início
de 1986 – o vírus foi “trazido” para URSS, por um dos tradutores que trabalhou em
África. Em primeiro lugar, o tradutor [a imprensa soviética o descrevia
como um gay] teve que assinar um acordo de não-divulgação (em troca do tratamento
médico condigno), mas mesmo assim, ele conseguiu infectar várias [25?] pessoas
através do contato sexual. Na época, as pessoas infectadas pelo HIV eram
isoladas da sociedade e a informação sobre a sua existência era escondida e bloqueada
de todas as maneiras.
Em
25 de agosto de 1987 na URSS foi aprovado o decreto “Sobre as medidas de
profilaxia de contaminação do vírus de SIDA”, mas o público em geral permanecia
sem a informação, e SIDA/AIDS continuava a ser chamada na imprensa soviética de
“doença dos toxicodependentes e prostitutas”, não informando quase nada sobre a
sua prevenção.
04.
Os novos casos de infecção, por via não-sexual foram registados em 1988 na
cidade de Elista, a capital da Kalmykia – em um dos hospitais foram infectados
várias crianças [75 crianças e 4 mulheres]. Durante muito tempo culparam os
médicos por usarem as seringas não esterilizadas. O hospital realmente sentia a
escassez grave de seringas [reutilizáveis!], a mesma seringa [reutilizável] era
usada para fazer duas injeções (antes de ser esterilizada): no entanto, embora
mesmo a esterilização não ajudaria muito, pois o equipamento soviético de esterilização
não matava o vírus HIV. Uma outra versão do que aconteceu – as crianças
receberam os produtos sanguíneos infectados, enviados de outras cidades, os
médicos não sabiam que estes produtos continham o vírus.
As crianças infetadas de Elista |
Tornou-se
evidente que a SIDA não se limitará na URSS pelos “drogados e prostitutas”, e
que a União Soviética simplesmente não estava preparada para a pandemia – o país
produzia pouquíssimos preservativos [em 1988 as farmácias soviéticas
dispunham de menos de 3 preservativos por ano (!) para cada homem adulto na
idade de 20 a 60 anos!] e seringas descartáveis.
À direita o preservativo soviético (de má qualidade) "tipo A"; "número 1", preço de 2 copeque, fabricado em março de 1983 |
05.
Outro aspecto da ocultação de informações sobre a SIDA aos cidadãos, por parte
do Estado soviético, revelou-se na atitude da população para com os doentes –
muitas vezes estas pessoas se tornaram párias reais, evitadas pelos seus
amigos, as pessoas desconheciam como a doença é transmitida – durante muito
tempo circularam os rumores que “SIDA é transmitida pelo ar” e que a doença
matava “a pessoa em um ano”, os doentes de HIV-SIDA eram tratados pela
sociedade soviética como leprosos.
No
Hospital № 2 de Moscovo foi criado um departamento especial para o tratamento
de casos de HIV-SIDA; naquela época não existia a terapia anti-retroviral decente,
e todas as pessoas diagnosticadas com HIV eram condenadas. As imagens muito
assustadoras daquele hospital, tiradas em 1990:
06.
O quarto feminino. É evidente que os familiares ou parentes tentam apoiar a
moça, isso se nota pela quantidade de flores, pela comida cara e rara (café,
frutas), mas a disposição geral da imagem é simplesmente horrível.
07.
Dr. Oleg Yurin conversa com mais uma paciente, fotografia do mesmo Hospital № 2
de Moscovo.
08.
Em 1990-1991, nos últimos meses da sua existência a União Soviética começou a
campanha em grande escala de “alfabetização” da população em questões de
HIV-AIDS. A campanha começou muito tardiamente – com atraso de três ou quatro
anos, caso contrário se poderiam evitar muitos casos de contaminação, assim
como melhorar a adaptação dos doentes na sociedade.
Durante
a campanha foram publicadas várias brochuras sobre a SIDA, distribuídas nas
empresas, nas fábricas e nos hospitais, e também foram produzidos inúmeros
cartazes sobre o tema. Na foto de 1990 atrás Dr. Oleg Yurin é possível ver um
desses cartazes. No canto superior esquerdo se vê o logótipo da campanha “Anti-HIV”
daqueles anos – a caveira negra, encravada em algo como duas metades do
coração. A maioria dos cartazes da época pretendiam assustar e realmente
pareciam algo assustadores.
O
cartaz se chama “A prevenção da infecção do HIV ao pessoal hospitalar”, ou
seja, até o final da década de 1980, mesmo o pessoal médico soviético não
possuía as informações completas sobre o HIV, embora nos países ocidentais essa
informação já estava disponível há bastante tempo.
09.
Um cartaz raro da mesma época no chão da fábrica poligráfica abandonada da
cidade de Minsk:
"O que é SIDA?" |
10.
Ao mesmo tempo [em 1990-91] a União Soviética começou a importação maciça de preservativos
e seringas descartáveis ocidentais, o que ajudou a retardar a propagação da
epidemia O músico soviético/russo Mstislav Rostropovich [privado da cidadania soviética em 1978], em 1990 comprou do seu próprio bolso
600.000 seringas descartáveis, as oferecendo ao Ministério da Saúde da União
Soviética:
Fotos
@Getty Images | Internet | Texto @Maxim Mirovich
Blogueiro
Além
disso, o surgimento da pandemia da SIDA/AIDS foi usado pelo KGB e Stasi numa bem-sucedida
campanha de desinformação, com uso de sofisticadas técnicas de manipulação de
informação e formação da opinião pública. No seu artigo “Soviet Bloc Intelligence
and Its AIDS Disinformation Campaign”, o historiador americano Thomas Boghardt explica
detalhadamente como KGB e à partir de 1988 Stasi influenciou e usou diveros
cientistas, jornalistas e escritores ocidentais para divulgar a versão do que HIV-SIDA foi criado nos “laboratórios
secretos do Pentágono”, usando para o efeito os “prisioneiros que se tornaram
gays”, a teoria de conspiração ridícula e não científica, mas que até hoje é citada
pelos diversos idiotas úteis (dentro e fora dos países em desenvolvimento) com
a “verdade oculta”.
Os cartazes soviéticos, dedicados à problemática da SIDA |
O
Dr. Thomas Boghardt
é um historiador sénior do Centro de História Militar do Exército dos EUA, a
sua especialização são as operações de inteligência militar dos EUA na Europa pós
II G.M. Ele serviu como historiador no International Spy Museum em Washington,
D.C., e como professor convidado na Universidade de Thyssen em Georgetown. Dr.
Boghardt é autor de vários livros, incluindo Spies of the Kaiser (2005) e The
Zimmermann Telegram (2012). Ele é Ph.D. em história europeia moderna pela Universidade
de Oxford.
Ler
artigo original: Operação
Infecção (PDF, 24 páginas).
2 comentários:
Obrigado por trazer esse belo material. Parabens pelo Blog.
"Acuse-os do que fazem, chame-os do que são". V. Lênin.
Se a URSS acusou os EUA de criarem esse vírus em seus laboratórios logo foi a própria URSS quem criou o vírus HIV/AIDS.
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