–
Mishka, deves, mas é, arranjar a vedação!
O
sol está em declínio. A mãe rega a horta / roça de mangueira, olha para o seu
filho. Ele – um tipo forte e de face redonda, de cerca de trinta e cinco anos,
está sentado na soleira da casa, mastiga um pedaço de relva / grama, e de forma
sonolenta e feliz olha às penas ruivas de nuvens, espalhadas largamente por
cima da aldeia.
–
Mishka, ficaste surdo, ou quê?
De
repente, uma das tábuas de vedação é afastada, rangendo, atrás dela entra algo
rosado e sujo. Mishka levanta as sobrancelhas em forma de surpresa. A tábua
cai, e no quintal se introduz rapidinho o porco vizinho.
–
Vai te embora
daqui!
Mishka
tem preguiça de se levantar, ele apenas abana com a mão com desgosto. Mas o
porco é magro e rápido, ele apenas se esquiva, para e olha ansiosamente à roça
alheia. O seu dono é descuidado, gosta de beber, o alimenta mal. Então o animal
está procurando que Deus lhe enviará.
A
mãe repara no porco, pega um galho, corre atrás, o porco corre pela roça.
Atinge algumas cabeças de repolho. Mishka finalmente se levanta, abre o portão
e o porco corre para a rua.
–
Eu lhe disse, é preciso arranjar a vedação! – se irrita a mãe.
–
Vou arranjar, depois. – canta Mishka.
A
vedação foi feita ainda pelo pai falecido e quando Mishka foi cumprir o serviço
militar obrigatório a vedação já precisava da reparação. Mishka queria, então, afixar
umas tábuas, substituir um par de estacas, mas ai foi à farra dos recrutas.
Voltou, já lá vão uns quinze anos, e a vedação vai se degradando.
Está
ficando escuro. A mãe entra em casa para fritar as batatas. A frescura da tarde
é revigorante. Mishka decide fazer uma visita ao quintal do vizinho. Sem
nenhuma razão especial. Ele empurra a placa e se aperta em um bueiro.
De
repente, vê na varanda as botas quase novas de lona, leva-os automaticamente
e volta ao quintal. A porta está entreaberta. Se oiça o murmurar da TV. Mishka
entra na casa. A televisão é única entre as dez casas, outros também tem os
aparelhos, mas estão quebrados e não há mestre para os reparar. Agora, uns
vizinhos os visitam “à televisão”, como dizem por aqui.
Mishka
entra na sala. No sofá estão sentadas várias mulheres velhas, incluindo a sua
mãe. No tapete tecido à mão está sentado o neto de uma das convidadas – o bebé
careca de um ano com uma T-shirt branca.
As
mulheres esticaram os pescoços, olhando às imagens – todos elas com as suas
almas e corações estão lá. Mesmo o bebé, com a boca aberta, vê as notícias, a
saliva está pendurada no seu lábio inferior.
Na
tela – um prédio em chamas, as pessoas, em camuflagem, correndo.
–
Estamos ver o que se passa com os ucranianos. – Explica a avó Sima, sem se
virar.
–
Na Novaróssia. – Esclarece Mishka. – Mais uma vez estes demónios estão
bombardear os nossos.
Da
cozinha cheira o queimado, mas ninguém presta atenção, até que o quarto se
enche da fumaça.
–
Estamos se queimando! – Salta avó Sima.
–
Mãe, se queimaram as batatas. O que lá se passa com os ukros, com os ukros!
Cacete! – Grita Mishka, percebendo que ficou sem a janta.
–
Então, dá cá uma pena pelas pessoas, filho. Os russos sofrem lá. Os fascistas crucificam
as crianças. - As
velhas vão, levam o bebé chorão.
Na
tela aparece um gajo barbudo e começa com tristeza e firmeza falar sobre o
destino pesado da Santa Rússia.
Mishka
traz os tomates da roça e começa os comer com pão, olhando à tela. Aos poucos,
deixa de mascar e oiça com um olhar fixo, como se fosse encantado. De repente a
sua própria vida começa lhe parecer pequena e insignificante em comparação com
a escala de eventos. Ele coloca do lado o tomate e a fatia do pão.
O
politólogo explica com entusiasmo que ao povo russo não chega o conforto quotidiano,
quando sabe que algures alguém está sofrendo. O que o russo sempre está sedoso
da justiça. Que o seu destino é combater o mal.
Na
alma do Mishka renasce o sentimento há muito esquecido, infantil, entusiasta,
brilhante – sede de se apressar à algum lugar, fazer algo, salvar alguém, e
para que tudo em seu torno mude de tirar o fôlego. Vinte anos atrás, quando na
aldeia ainda funcionava o clube, projetando os filmes sobre a guerra, com o tal
sentimento Mishka saia do cinema. Esse sentimento foi lhe devolvido pelo
politólogo barbudo.
Mishka
salta, vai ao quintal – tudo ao seu redor lhe parecia cinzento, detestável.
A horta, galinhas, a pilha de madeira. A vedação torta. Que importa a vedação
agora? Quando algures os nossos levam dos ukrofaxistas. Vendidos à América! Não
há Estaline para eles!
Mishka
volta para a casa e começa correr freneticamente, colocando os seus pertences
em uma mochila que pensava usar na pesca. Jogou fora um pote de minhocas
vermelhas gordas, e elas, alegremente se espalharam pelo chão.
Mishka
jogou no chão as roupas do armário e rugiu irremediavelmente:
–
Mamãe, onde estão as minhas meias?
Mãe
veio correndo, começou preparar Mishka, lamentando:
–
Mas à onde, você está indo, nessa hora da noite?
–
Para a Novaróssia! Me dá o dinheiro para a passagem. Só de ida.
Vestido
a camisa limpa, embora amassada, os jeans cozidos às pressas e calçando as
botas roubadas – Deus seguramente perdoará pela causa sagrada, Mishka salta
fora dos portões, os bate com tanta força que a vedação cai rangendo para trás,
por cima das urtigas. Se abre a visão da casa velha e indefesa, o quintal cheio
de lixo e das galinhas assustadas. Mishka se vira, suspira, dá um passo para
trás, como se quisesse voltar. Mas é um mau presságio. E abanando a mão, ele
rapidamente se afasta pela estrada poeirenta à resgatar o mundo russo.
Ler
original da escritora russa Maria
V. Strukova.
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