domingo, maio 29, 2016

Os mecanismos de criação do antiamericanismo soviético

"O modo de vida americano"
Em maio de 1949 termina o Bloqueio de Berlim, uma das maiores crises da Guerra Fria, desencadeada quando a União Soviética interrompeu o acesso ferroviário, rodoviário e hidroviário à cidade de Berlim Ocidental, no intuito de obter o controlo total sobre a cidade. Derrotada no terreno, a URSS responde de modo híbrido, lançando o plano estatal de larga escala de criação de diversas obras literárias e ensaístas da propaganda antiamericana.

“O anteprojeto das actividades de reforço da propaganda antiamericana na União dos Escritores Soviéticos” 

1. Garantir a criação de obras artísticas – peças de teatro, roteiros de cinema, contos, romances, expondo o modo de vida americano. Engajar para isso os escritores P. Pavlenko, N. Virtu, A. Korniychuk, K. Simonov, L. Leonov, B. Chirskov, S. Mikhalkov, A. Surov, Br. Tur, T. Siomushkin, I. Ehrenburg, W. Wasilewska, M. Chiaureli, S. Gerasimov, A. Perventsev.
2. Durante o biénio de 1949-1950 criar uma série de 10-15 livros documentários escritos por funcionários da comissão de compras soviéticas, escritórios de vendas, TASS, AMKINO, consulados, engenheiros soviéticos, os funcionários culturais que visitaram os Estados Unidos, expondo o chamado “o estilo de vida americano” e mostrando a situação desgraçada dos trabalhadores norte-americanos.
"Igualdade à americana"
3. Preparar e publicar:
a) no período de 3 meses a colectânea “O estilo de vida americano”, o volume de 12-15 folhas impressas, tiragem: 150.000 copias. Autores-compiladores [8 nomes];
b) no período de 2 meses a colectânea «Americanos no estrangeiro», o volume de 20 folhas impressas, tiragem; 75.000 cópias. Autores [11 nomes];
c) no período de 2 meses a colectânea de obras de ficção e de ensaios de escritores e figuras públicas americanas — «América aos olhos dos americanos», o volume de 30 folhas impressas, tiragem: 50.000. Editores e compiladores [2 nomes];
d) no período de 2 meses a colectânea «As figuras progressistas russas sobre América», o volume de 15 folhas impressas, tiragem 50.000. Editores e compiladores [3 nomes];
e) no período de 3 semanas «Os americanos progressistas contra os fomentadores da guerra» («Outra América»), na base dos materiais do Congresso dos representantes de ciência e da cultura dos EUA pela defesa da paz, o volume de 6 folhas impressas, tiragem: 25.000. Editor e compilador [1 nome];
f) no período de 3 meses álbum «A vida e os costumes dos EUA» (100 documentos fotográficos), tiragem: 25.000. Editor e autor dos textos: L. Leonov.
Encarregar da publicação das colectâneas a editora «Gazeta Literária» (camarada Iermilov); álbum — editora «Pravda» (camarda Romanchikov).

4. A editora «Escritor Soviético» (camarada Iartsev) em 1949:
a) publicar a colectânea de peças teatrais antiamericanas de dramaturgos soviéticos — «Conspiração dos condenados», «Questão russa», «Governador provincial», «Guerra fria», «Cor da pele», «Leão na praça», tiragem: 25.000;
b) reeditar em uma nova redação os seguintes livros: «No Ocidente após a guerra»,  «Americanos no Japão», «Na América», «Usos e costumes da imprensa americana», «O patente «AB»;
c) publicar com as tiragens de 50.000 os livros «No oceano Pacífico», «Fascismo na América», «Ianque na China», «Eu vivo em Nova Iorque», «Raios da vida».

5. Com a vista da recolha sistemática de materiais sobre a vida dos EUA para uso por escritores soviéticos no trabalho em obras artísticas, permitir que a União de Escritores Soviéticos crie na Comissão [Ministério] dos Negócios Estrangeiros [da URSS] o gabinete especial com os seguintes objetivos:
a) as gravações dactilografadas das conversas com os cidadãos soviéticos que visitaram os EUA;
b) a recolha dos diários, histórias orais sobre as impressões dos cidadãos soviéticos que haviam retornado dos Estados Unidos;
c) a organização de tradução de livros e artigos sobre a vida e dos costumes dos EUA.
"A vergonha da América"
6. Incumbir a Comissão Estatal estatutária do Conselho dos Ministros da URSS (camarada Mekhlis) à aprovar o quadro do pessoal do “Gabinete dos materiais na Comissão dos Negócios Estrangeiros” em 10 unidades, bem como aprovar o quadro de pessoal do novamente criado departamento livreiro da editora “Gazeta Literária”, em 6 unidades.

7. Ao Ministério das Finanças da URSS (camarada Zverev), prever em 1949 o financiamento adicional à União dos Escritores Soviéticos da URSS e à “Gazeta Literária” para organização e manutenção do “Gabinete dos materiais da União dos Escritores Soviéticos na Comissão dos Negócios Estrangeiros” e do departamento livreiro da editora “Gazeta Literária”, e permitir que a “Gazeta Literária”, por conta das suas poupanças, gaste na organização e financiamento dos trabalhos das colectâneas referidas no parágrafo 3º [o valor de] 250.000 rublos.

8. Instruir a Direção Geral de Indústria Poligráfica, editoras e comércio de livros do Conselho de Ministros da URSS (camarada Grachev), à assegurar o fornecimento de papel e a base poligráfica à editora “Gazeta Literária” para a produção dos livros acima mencionados e o [fornecimento do] papel à editora “Pravda” para o álbum [fotográfico].

9. Instruir o Conselho [municipal de] Moscovo (camarada Selivanov) à fornecer à União dos Escritores Soviéticos da URSS, em abril deste ano, um espaço independente de 4-5 quartos, com não menos de 120 m² para o “Gabinete dos materiais na Comissão dos Negócios Estrangeiros”.

Fonte: RGASPI. Fundo 17, Descrição 132, Processo 224, Folhas 57—60. Digitação. Assinatura-autógrafo (publicado por blogueiro allin777).

Blogueiro: geralmente, em resposta, a esquerda pró-soviética argumenta com o alegado apoio da CIA à publicação do “1984” do George Orwell e do “Doutor Jivago” do Boris Pasternak. No entanto, é difícil comparar estas duas obras geniais e intemporais, escritas pelos homens que sentiram o inferno da ideologia comunista soviética na sua própria pele, com as peças produzidas por encomenda pela elite literária soviética à troco de poder visitar os EUA. País tal denunciado por eles publicamente e tal amado e desejado em privado.
Mais um ponto importante, através dos partidos comunistas e “progressistas” as obras da propaganda soviética eram difundidas e introduzidas nos diversos países em redor do globo, com a clara predisposição para os países em vias de desenvolvimento e em processos de descolonização. Uma herança deste antiamericanismo primário, semeado pelas estruturas soviéticas mais de meio século atrás, o mundo sente até os dias de hoje. 

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