«No dia 26 de abri do ano em curso, às 1h25, nas instalações do 4° bloco
energético, durante a sua colocação em regime de reparação média planificada e durante
os testes dos turbogeradores № 7 e № 8 se deu a explosão seguida do incêndio,
que passou para o telhado do 3° bloco. Em resultado da explosão foi destruído o
pavilhão do telhado do 4° bloco e a sala de máquinas. No momento da avaria nas
instalações estavam presentes 17 funcionários do turno. 9 foram hospitalizados,
4 em estado crítico, um deles na reanimação. Incêndio foi localizado».
Isso é o texto do primeiro relatório sobre a avaria na estação nuclear
do Chornobyl, preparado pela direção do KGB da província de Kyiv e enviado para
Kyiv e Moscovo à noite do dia 26 de abril. A única coisa que distingue o texto dos
outros semelhantes sobre os desastres tecnológicos na URSS é a informação sobre
o nível de radiação: “no território da estação 20 – 25 mRöntgen por segundo, na cidade
de Pripyat 4 – 14 mR por segundo” (uma dose típica de radiação de fundo para uma
humano é de 200 mR por ano).
Algumas horas mais tarde, o KGB da Ucrânia apresentou aos dirigentes um
relatório mais detalhado, na qual reportava a morte de um dos funcionários e o
desaparecimento do outro.
Relatório após o relatório, as grandezas da radiação emitida aumentavam
e a tentativa de encobrir a envergadura da catástrofe se tornava cada vez mais
irreal. «Às 15h00 do dia 26 de abril a situação radioativa na zona de estação
nuclear se caracterizava pelo nível da emissão das partículas gama nas
proximidades imediatas do incêndio até 1000 mR por segundo, no território da
estação nuclear até 100 mR e em alguns bairros de Pripyat até 2–4 mR por
segundo».
No relatório ao Comité Central do Partido Comunista da Ucrânia do dia 28
de abril já se fala sobre 1000 – 2600 mR no 3° e 4° blocos e sobre 30 – 160 mR
na cidade. Nos documentos sobre a informação do nível da radioatividade na
cidade, no terceiro dia após a avaria, o líder do PC e do governo da Ucrânia,
Volodymyr Sherbytskiy colocou uma única resolução: “O que isso significa?” Isso
significava que pela incompetência nos momentos críticos tiveram que pagar com
as suas vidas e a sua saúde os cidadãos que não tinham a informação sobre o tamanho
da tragédia.
As primeiras vítimas foram os bombeiros, convencidos que estavam apagar
um incêndio normal numa unidade industrial. Vítimas seguintes foram os
moradores dos arredores da estação, a sua evacuação começou apenas 36 horas
após a avaria.
Um dos liquidadores da avaria, Mykola Tsymokh recorda: «No dia 27 de
abril, às 12h10 na rádio local eu ouvi uma voz feminina que em nome do poder
executivo da cidade informou: “Camaradas, como vocês sabem, por causa da avaria
na estação nuclear de Chornobyl na cidade estão se formar as condições
radioativas adversas […]. Com vista de garantir a segurança total dos cidadãos,
a comissão estatal temporária tomou a decisão de ordenar a evacuação temporária
da população da cidade (de Pripyat), em primeiro lugar as mulheres e as crianças.
Debaixo de cada prédio estarão colocados os autocarros. Se deve levar os
documentos, os objetos urgentemente necessários e o kit alimentar para 2-3
dias. Início da evacuação a partir das 14 horas”».
As pessoas que tiveram 50 minutos para abandonar as suas casas para
sempre, estavam convencidas que voltariam após alguns dias. O relatório do KGB de
4 de maio informa que apenas no dia 3 de maio foram evacuadas todas as pessoas
num raio de 10 km em redor do Chornobyl, para os dias 4 – 5 foi planeada a evacuação
total em um raio de 30 km.
Já no dia 26 de abril se iniciou a investigação sobre as origens da
catástrofe. A versão inicial, “negligência” ficou inalterada. «Pelos dados das fontes operativas, - escreviam os investigadores do KGB no dia 1 de maio, - nas vésperas da avaria, o reator do 4° bloco funcionava em regime diferente do normal, pois neste período, sem uma coordenação oficial com o construtor, estavam decorrer os testes do turbogerador. As inquerições prévias
das pessoas mencionadas, assim como o estudo dos processos tecnológicos do
funcionamento dos equipamentos do reator, no período anterior a avaria,
permitem supor que entre 1h10 e 1h23, ou seja, antes da avaria, o pessoal do
bloco poderia se desviar do regulamento de explotação do sistema do bloco».
O informe do dia 7 de maio afirma que “causa geral da avaria foi a
cultura laboral baixa dos funcionários da estação […] baixa disciplina interna
e o sentido de responsabilidade”. «A explosão se deu, – está escrito no outro
relatório, – em resultado de uma série de violações graves das regras laborais,
tecnologia e não seguimento do regime de segurança no 4° bloco da estação.
Mesmo no momento da explosão, no reator e na turbina em funcionamento, estavam
a decorrer os testes… Em resultado da explosão, avaliada pelos especialistas em
algumas toneladas (de carga equivalente de TNT), foi arrancado o telhado e possivelmente
as paredes do reator».
No dia 1 de maio, quando o nível da radiação em Kyiv atingiu o seu nível
máximo, os alunos das escolas foram levados a participarem na manifestação pública
na avenida Khreshatyk, alusiva ao dia 1 de maio.
No dia 27 de abril, um posto de controlo parou a automóvel VAZ, o seu
condutor explicou que ele e os amigos saíram de Pripyat de manha (antes do
início da evacuação geral). O grupo nada sabia nem sobre a avaria, nem sobre o
marco que esta deixou neles próprios. «Verificação mostra, – escreveu o capitão
do KGB, Kholod, – que o nível de radiação na superfície do automóvel superava o
normal em 5000 vezes».
Dezenas de anos a URSS se treinava nas aulas da defesa civil, esperando
a guerra atómica com o Ocidente capitalista. Como confirmou o “ataque civil”
interno, a sua prontidão em uma situação crítica se aproximava ao zero. «Foi
revelado o desconhecimento da população sobre as questões de radiação, – escreviam
os oficiais do KGB, – e mais importante, nas ações profiláticas da defesa
contra a radiação. Testemunhos disso são os casos de envenenamentos em massa (através
de automedicação) com os remédios na base do iodo».
Entretanto, não foi só a população despreparada, mas também o poder. «Durante
a instalação do sistema de pontos sanitários e de lavagem, – se escreve no
relatório do dia 12 de maio, – dos 47 pontos no dia 2 de maio estavam em
condições 5, nos dias 3–10 de maio outros 7… O seu pessoal não possui nenhuns meios
da defesa pessoal e também foi contaminado. Além disso, cerca de 70 % dos seus funcionários
são mulheres idosas e mães de famílias que se recusaram a trabalhar na zona de
impacto».
Para trabalhar lá foram destacados militares. Os documentos do KGB mencionam
factos interessantes: «Durante a mobilização, alguns funcionários dos
comissariados, nomeadamente na Letónia, Lituânia, províncias de Lviv e de Ivano
– Frankivsk, recorriam às mentiras no processo de recrutamento. As pessoas eram
informados que serão enviados não para Chornobyl, mas para as terras virgens, prometiam lhes os
salários 5 vezes superiores ao normal, a obtenção de viagens gratuitas aos sanatórios,
a atribuição de outros tipos de benefícios às famílias». Interessante, porque o
poder soviético tentou fraudulentamente recrutar os voluntários nos territórios
onde gozava o menor nível do apoio popular?
Menos de um mês após a tragédia, no dia 20 da maio, o Serviço químico do
Ministério da Defesa soviético emitiu a declaração sobre a «possibilidade do
retorno da população aos seus antigos locais de domicílio, em algumas
localidades na zona de 30 km de exclusão». Os dispositivos de medição de
radiação ainda mostravam os números horríveis às centenas de quilómetros do
Chornobyl. Mas, com o retorno das pessoas era possível controlar o crescimento
do pânico. Por isso a proposta, apesar do seu carácter homocidário, realmente
foi ponderada pela liderança soviética. Pois para a elite comunista, a
propagação da informação representava o maior perigo em comparação com a propagação
da radiação.
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