domingo, março 19, 2017

A recolha e venda de vasilhame como o recurso financeiro na URSS

Na década de 1970, a URSS organizou a rede de recepção e reaproveitamento de vasilhame. Num país da pobreza total e generalizada, a recolha e entrega dos recipientes de vidro foram considerados como negócio sério que poderia complementar significativamente o orçamento familiar, permitindo formar os fundos adicionais para a compra de bebidas numa festa e mesmo, para a sobrevivência dos mais pobres.   

01. Os produtos lácteos (leite, kefir, nata, etc.) começaram ser comercializadas em recipientes de vidro desde o início da década de 1960, antes disso, principalmente nas cidades do interior, eram vendidos exclusivamente nos recipientes dos clientes, o leite engarrafado era comercializado apenas nas grandes metrópoles. As garrafas do leite normal, leite cozido, kefir e nata eram padronizadas, diferindo apenas na cor da tampinha, feita de folha de alumínio – branca para leite, amarela para leite cozido, verde para kefir e roxa para a nata.
Na foto (em cima) é um típico balcão frigorífico dos produtos lácteos das lojas soviéticas da década de 1970-80, preenchido por garrafas padronizadas de leite. As garrafas de cerveja (0,5l); de vinho e de vodca (0,5l e 0,7l); bem como os frascos de maionese, creme de leite e alimentos enlatados (3,0l) também eram padronizados. Todos estes frascos e garrafas eram recebidos da população nas áreas especiais de recolha dos recipientes de vidro – na sua maior parte eram as garrafas de cerveja e do leite, os pequenos frascos de maionese. Os frascos maiores eram reaproveitados em casa e os frascos de três litros eram vendidos muito raramente eram reutilizados pelas pessoas para as conservas caseiras.

02. O preço de todos os produtos vendidos na URSS em recipientes de vidro, incluía, o valor demasiadamente alto do “vidro”, muito maior do que o custo real destes mesmos vasilhames. Em teoria, era feito para que os “cidadãos responsáveis” não deitassem as garrafas no lixo, e as entregassem nos pontos especiais de recepção, mas na realidade era um simples truque de aumento de preços, em nada justificado. O preço do vasilhame constituía cerca de 10% do preço do vinho; cerca de 5% do preço de vodca; quase 50% do preço de uma cerveja e em alguns casos até 90% (Sic!) do preço de um refrigerante.
Os pontos de recepção de vasilhame foram aparecendo na URSS nos meados da década de 1970, geralmente no espaço das lojas que vendiam os alimentos, ou nas suas proximidades. Regra geral, era uma pequena sala escura, metade do seu espaço físico era preenchido pelas caixas plásticas, metálicas ou de madeira com as garrafas vazias, tudo isso, na presença, no seu interior, de um odor indescritível de levedura de cerveja e maus hálitos alcoólicos.

03. Existiam as regras próprias e especiais para a recepção do vasilhame, cuja observância era seguida rigorosamente pelo receptor – as garrafas deveriam ser livres de odores estranhos (medicamentos, querosene, etc.), sem líquidos estranhos no seu exterior (como o óleo de cozinha) e sem as etiquetas. Nas estações quentes, perto dos pontos de recepção de vasilhame era possível, bastante frequentemente, presenciar a cena retratada na foto – os cidadãos da “pátria socialista” lavam as garrafas nos charcos da água da chuva, avaliável, democraticamente, no chão:

04. Quem normalmente se dedicava à recolha e venda dos vasilhames? Não seria um exagero de dizer que as garrafas vazias na URSS eram “caçadas” absolutamente por todos as camadas sociais – a garrafa de leite 0,5 l rendia no ponto de recepção os 15 copeque;  a de 1,0 l – 20 copeque. Cinquenta vasilhames do leite de 1 litro rendiam os 10 rublos – no país da pobreza geral e salário médio de 120-150 rublos, era um valor considerável.

Havia também os “recoletores profissionais de garrafas”, geralmente eram os alcoólicos locais ou reformados muito pobres que viviam sozinhos. Eles procuravam e recolhiam os vasilhames abandonados na sua área de residência, e de seguida, os levavam aos pontos de recepção, discutindo com o receptor por causa das pequenas lascas no gargalo, algo que tornava as garrafas inúteis. Em alguns lugares a entrega de vasilhame era compensada não com o dinheiro, mas com a troca de várias garrafas vazias por uma cheia, o esquema extremamente popular nas épocas da défice e da escassez destes mesmos produtos.
Na época do Brejnev surgiram várias anedotas temáticas, que enfatizavam a importância dos recursos financeiros obtidos na venda do vasilhame, tais como: “Por muitos anos ele bebia, depois parou, trocou todas as suas garrafas e comprou um Lada” ou “No país de socialismo triunfante o cidadão é realmente está protegido – se não tiver dinheiro, sempre pode vender o vasilhame”.

Atualmente, um sistema semelhante funciona em várias partes do globo, mas só os “sem-abrigo” mais miseráveis se dedicam à este ofício de forma séria e permanente. Na URSS era uma prática padronizada e corrente em quase todas as camadas da população, cujo salário médio, valia apenas cerca de 1000 garrafas vazias do leite (fonte). 

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